Folha de S. Paulo


Torcida única em São Paulo reduz briga e causa discórdia

Em abril de 2016, José Sinval Batista virou estatística.

Vítima de bala perdida em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, acabou morto, aos 53 anos, em confronto entre as organizadas Gaviões da Fiel (Corinthians) e Mancha Alviverde (Palmeiras). Ele não participava da briga.

Divulgação
José Sinval Batista de Carvalho, morto antes do clássico entre Palmeiras e Corinthians
José Sinval Batista de Carvalho, morto antes do clássico entre Palmeiras e Corinthians

Foi o estopim para que a Secretaria de Segurança Pública estadual impusesse torcida única nos clássicos entre os quatro grandes clubes.

Mais de um ano se passou e a nova regra, que inicialmente deveria vigorar até o final da temporada passada, permanece em voga.

"A medida foi muito proveitosa. O número de ocorrências de brigas diminuiu e a quantidade de crianças e famílias nos estádios aumentou", afirma Paulo Castilho, promotor do Juizado Especial Criminal de São Paulo.
Segundo dados da Tropa de Choque, no ano passado, com torcida visitante, houve quatro partidas e seis brigas.

Com a nova política de segurança implantada, não foram registrados incidentes nos seis clássicos realizados neste ano pelo Estadual.

A corporação ainda ressalta que a média de público aumentou 38% neste ano.

Embora os números sejam comemorados pelas autoridades, o tema ainda é tratado com rejeição por clubes, federação e especialistas.

"Se eu tivesse poder para mudar, mudaria. É uma medida descabida um jogo com torcida única. Desrespeito ao torcedor e ao cidadão", afirma o presidente do Corinthians, Roberto de Andrade.

"O futebol perde com a ausência das torcidas nos estádios. Estamos distanciando o consumidor do seu produto", emenda Maurício Galiotte, presidente do Palmeiras.

Desde que a regra foi implementada, no dia 4 de abril de 2016, 19 partidas foram realizadas com a presença de uma só torcida nos estádios. Havia expectativa de que os visitantes voltassem a figurar nos estádios neste ano, mas reunião em dezembro decidiu por manter a restrição.

Opositora da medida desde a implementação, a FPF (Federação Paulista de Futebol) acredita faltar diálogo para se conseguir elaborar "soluções exemplares e definitivas para este problema".

"A FPF prega maior rigor na aplicação da legislação vigente para pôr fim à impunidade que ronda os casos de violência no futebol."

Presidente do São Paulo, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, vê os dados apresentados como incontestáveis, mas afirma esperar a reversão da punição.

"Certamente não é o ideal, mas infelizmente as medidas mostraram eficiência. Espero que possamos voltar a ter clássicos com torcida mista."

O retorno de duas torcidas não é descartado pelas autoridades, mas com ressalvas.

"Nós temos uma comissão para analisar essas questões. Por enquanto vamos manter [torcida única]. Enquanto não mudar o comportamento das organizadas, ela vai se manter", afirma o comandante do segundo batalhão da Polícia Militar, Luiz Gonzaga.

"Ou ela se reinventa de maneira civilizada ou a população não vai aceitar a maneira como ela se comporta", complementa Paulo Castilho.

Integrantes de torcidas organizadas brigam em estação do metrô, em São Paulo

ENTRETENIMENTO

Para o advogado Carlos Eduardo Ambiel, especialista em direito desportivo, a Secretaria de Segurança Pública utiliza a nova regra como "defesa institucional que não tem prazo para acabar".

"Quando se priva o torcedor deste espetáculo, você está negando o próprio sentido do entretenimento, e está atestando que a segurança pública é incapaz", opina.

O sociólogo Mauricio Murad, da Universidade Salgado de Oliveira, acredita que da mesma maneira que houve melhora nos dados em São Paulo, também teve no Rio Grande do Sul, onde Grêmio e Internacional têm um setor de torcida mista em clássicos.

"Falta muita fundamentação para essa medida, que é para enxugar gelo. Imediatista, ela tenta atender os reclamos da mídia e a pressão popular. Não é uma solução de longo prazo para pacificar o futebol e punir severamente as gangues que se infiltram nas organizadas", diz.

TORCIDA ÚNICA
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