Folha de S. Paulo


Oposição acusa conselheiro de conflito de interesses para fiscalizar estádio

O conselheiro corintiano Carlos Antonio Luque está no centro de polêmica envolvendo a comissão do conselho deliberativo que acompanha a auditoria da construção do Itaquerão pela construtora Odebrecht. Para a oposição, há conflito de interesses na participação de Luque.

Ele é diretor presidente da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que realizou duas avaliações do custo da obra quando o estádio ainda era erguido.

O trabalho foi feito para a BRL Trust, que administra a Arena Fundo de Investimento (sociedade entre Corinthians, Odebrecht e Arena Itaquera S/A), que cuida do dinheiro para pagar o estádio.

A Folha teve acesso aos relatórios realizados pela Fipe em 2011 e 2013. O primeiro foi enviado ao TCU (Tribunal de Contas da União).

Esse documento avaliava os custos previstos pela Odebrecht para a construção do estádio, comparando os preços apresentados pela construtora com valores do mercado. A Fipe afirma que a obra "tem como preço o valor fixo global de R$ 820 milhões definido a partir do orçamento elaborado pelo construtor com data base de junho de 2011."

Nessa primeira avaliação, a Fipe declarava ainda que "não existe previsão para reajustamentos e cobertura dos custos financeiros".

Em dezembro de 2013, a sete meses do início da Copa do Mundo, a Fipe produziu para a BRL Trust novo relatório sobre os custos da Arena Corinthians. O documento volta a fixar o preço final do estádio em R$ 820 milhões.

Em julho de 2016, a estimativa passou a ser que o custo final da construção do estádio, excluindo juros, chegaria a R$ 1,08 bilhão (R$ 985 milhões pelo estádio e mais R$ 100 milhões na construção de estruturas temporárias para a Copa do Mundo de 2014), segundo planilhas da Odebrecht a que Folha teve acesso –se for somado o valor dos juros devidos por empréstimos contratados para pagamento da obra, esse valor sobe para R$ 1,68 bilhão, o dobro do valor original.

ARENA CORINTHIANS - Estádio foi construído para receber a abertura da Copa de 2014

A oposição argumenta que Luque, que através Fipe já havia aprovado as contas da Odebrecht, agora está na comissão do clube com o dever de fiscalizar se as contas da construtora estão corretas.

"Eu não tenho nada contra a pessoa do Luque. Mas vejo claramente um conflito de interesses que pode prejudicar o Corinthians e o trabalho da comissão", afirma o conselheiro Romeu Tuma Jr.

Tanto Luque quanto o presidente do Conselho Deliberativo, Guilherme Strenger, responsável pela formação da comissão, descartam qualquer problema e prometem que a fiscalização vai atender somente aos interesses do Corinthians.

"Na época, todos consideravam a Odebrecht a melhor empresa possível para o projeto. Não havia nada a suspeitar. Hoje, depois do que ficamos sabendo [sobre o envolvimento da empresa em casos de corrupção], é fácil jogar pedra. Não era assim há alguns anos", afirma Guilherme Strenger.

PROCESSO

Em atas das reuniões do conselho no ano passado há discussões a respeito de uma ação judicial contra a Odebrecht. O assunto não será definido até a apresentação do relatório final da comissão, que, por sua vez, espera conclusões de auditoria realizada pelo escritório Claudio Cunha Engenharia.

A Folha apurou que a Odebrecht se prepara para, caso seja acionada pelo Corinthians, apresentar em sua defesa que Luque, como diretor da Fipe, concordou que a avaliação de R$ 820 milhões para a construção do estádio estava dentro da realidade do mercado brasileiro.

Em reunião do Conselho Deliberativo em 15 de dezembro do ano passado, Strenger disse que cabia aos conselheiros decidirem se o clube deve ou não processar a construtora Odebrecht.

OUTRO LADO

Carlos Antonio Luque não vê conflito de interesse entre seu papel na avaliação de custos feita pela Fipe e na comissão do conselho deliberativo do Corinthians. Ele diz que sequer foi o responsável direto pelo estudo.

"O trabalho da fundação se resumiu ao seguinte: havia uma empresa de engenharia que deu uma planilha de quantitativos necessários para a obra e o valor. A Fipe pegou esse quantitativo, o preço unitário de cada item no mercado e verificou se aquele preço era realista", afirma.

Luque lembra que o trabalho desenvolvido pela Fipe foi essencial porque era preciso uma avaliação independente do projeto.

"Isso era necessário para obtenção da aprovação. Até para conseguir o financiamento [do BNDES]. Considerando a taxa de lucro, os preços, vimos que o valor era compatível", completa.

Para o conselheiro, a afirmação de conflito de interesses não passa de uma disputa política do clube. O presidente Roberto de Andrade pode sofrer processo de afastamento se suas contas de 2016 forem rejeitadas.

"A Fipe levou em conta os valores individuais. Não sei ao certo, mas creio que insumos... Era uma avaliação quantitativa, não qualitativa do material que seria usado", afirma Strenger.

A COMISSÃO

Integrantes da comissão que investiga no Conselho Deliberativo do Corinthians os custos para a construção do Itaquerão aguardam no momento o resultado de uma auditoria.

"Já era para ter sido entregue. Por causa de algumas dificuldades, nunca conseguimos conversar com essa auditoria. Não obtivemos contato", afirma Carlos Antonio Luque.

Quem produz o relatório é a empresa Claudio Cunha Engenharia. A Folha telefonou para o número encontrado no site da empresa na internet. Claudio Cunha atendeu.

"O Corinthians não consegue falar comigo? Mas você conseguiu, não foi? O relatório será entregue na terceira semana de abril", afirmou.

A comissão não investiga apenas o preço da construção, mas todos os contratos firmados sobre o estádio. Conselheiros já solicitaram à diretoria cópias de 30 acordos e não foram atendidos até agora.

O assunto pode voltar a ser debatido na próxima sessão do conselho, que também deve aprovar a previsão orçamentária para 2017. Segundo Strenger, a reunião deve acontecer no início de abril.


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