Folha de S. Paulo


Guerras internas das organizadas de São Paulo seguem modelo argentino

Juan Mabromata - 1º.mai.2013/AFP
Supporters of Argentina's Boca Juniors cheer for their team during the Copa Libertadores 2013 football match against Brazil's Corinthians at
Torcida do Boca Juniors lota o estádio de La Bombonera antes de partida da Libertadores

As grandes torcidas organizadas de São Paulo seguem o mesmo caminho dos barras bravas argentinos. Vale mais a pena brigar pelo controle da organizada do que com os adversários. Isso significa acumular poder e dinheiro.

A Folha apurou que as organizadas do Estado passam por um processo vivido na Argentina há alguns anos. A violência é interna e causada por diferentes facções da mesma torcida.

Isso foi escancarado com o assassinato de Moacir Bianchi, fundador da Mancha Alviverde, a maior torcida do Palmeiras, na quinta (2).

"Fico triste em saber que algo assim seja visto agora no Brasil. O amor pelo clube não existe entre esses torcedores. O único interesse deles é brigar pelo dinheiro", afirma Monica Nizzardo, fundadora da ONG Salvemos al Futbol, criada para combater a violência no futebol.

As barras (como se chamam as organizadas) da maioria dos clubes argentinos estão rachadas. No ano passado, Gonzalo Arco, um dos principais líderes de "Los Borrachos del Tablón", a torcida do River, foi morto a tiros. Faz parte de uma guerra interna da organizada dividida em três grupos violentos.

No Boca Juniors, Rafa Di Zeo e Mauro Martin comandam grupos diferentes a "La 12", a mais famosa organizada do país. Ambos já passaram tempo na cadeia.

"É difícil acabar com isso porque esses torcedores são parte do negócio. Eles estão apoiados em um sistema político, policial e judicial. Há muito dinheiro em torno dos barras bravas. Eles fazem extorsão de quem para o carro na rua em dias de jogos, vendem roupas oficiais do clube, controlam a venda de comidas e bebidas... Movimentam milhões de pesos", explica o jornalista Pablo Carrozza, um dos maiores especialistas em barras bravas na Argentina.

A Mancha tentou no ano passado impedir a presença de vendedores ambulantes próximo ao Allianz Parque em dias de jogos. A organizada queria controlar o comércio das mercadorias. Algo que já acontece na Argentina.

Há duas semanas, Carrozza denunciou que um integrante da Guarda Imperial (do Racing) foi retirado do estádio por outros torcedores e amarrado na rua. Ele foi despido e uma arma de fogo com camisinha no cano foi enfiada em seu ânus na presença de outras pessoas, que o fotografaram. Seu "crime" foi ter compartilhado nas redes sociais mensagem de uma facção que não é a que controla a torcida organizada hoje. Foi chamado de "traidor".

"Um torcedor do Boca vai à partida e não sabe se volta para casa por causa da possível violência entre os torcedores do próprio Boca. A maioria dos jogos na Argentina é feita sem a presença de torcida visitante. Estamos caminhando para o momento em que os estádios não terão público. Todo mundo vai ver pela televisão. O futebol virou uma desculpa para os barras bravas. O que importa para eles é a briga pelo dinheiro", completa Carrozza.

Desde o ano passado, os clássicos no futebol paulista são feitos apenas com a torcida mandante.

CRIME ORGANIZADO

Tanto na Argentina quanto no Brasil há os persistentes rumores de ligação com o crime organizado. A polícia de São Paulo investiga a infiltração do PCC (Primeiro Comando da Capital) nas torcidas organizadas de São Paulo. Em Rosário, considerada capital da droga na Argentina, o cartel de Los Monos controla as barras bravas de Newell's Old Boys e Rosario Central, rivais históricos.

Em 2016, quatro torcedores do Newells's foram assinados em um mês na disputa por ponto de vendas de drogas envolvendo facções dos barras bravas.

Os tentáculos dos barras bravas estão também nas porcentagens de jogadores, especialmente os que estão nas categorias de base. Em clubes pequenos e grandes, os chefes das torcidas usam táticas de terror e ameaças para que pais de jovens atletas assinem contratos de procuração com os líderes de organizadas. Estes depois pressionam treinadores para que seus jogadores sejam escalados.

Um dos motivos para o técnico Alejandro Sabella não levar o meia Éver Banega para a Copa de 2014 foi a ligação com Francisco Lapiana, apontado como um dos representantes do cartel de Los Monos. Foi ele quem procurou o Boca Juniors em 2008 para exigir o pagamento de uma porcentagem da venda do atleta para o Valencia (ESP) por US$ 26 milhões (R$ 82,5 milhões em valores atuais)

O mesmo acontece no River Plate, onde chefes de "Los Borrachos del Tablón" são investigados pela polícia por terem pressionado pelas vendas de Gonzalo Higuaín com o Real Madrid, em 2006, e Diego Buonanotte com o Málaga em 2011 e em ambas terem levado porcentagens. Juntas, as duas vendas deram ao clube 16 milhões de euros (R$ 53,7 milhões em valores atuais).

Tanto dinheiro faz com que liderar a barra seja um negócio milionário. E isso vale o risco de matar ou morrer, na visão de alguns torcedores.

"Há barras do River que não conseguiam fazer negócio no clube e foram para o Racing. É algo que não se conhecia antes. Os barras do Independiente são do San Telmo. Os barras de Boca são do Almirante Brown, os do River vêm do Sportivo Italiano, os do San Lorenzo são do Nueva Chicago", finaliza Carrozza relacionando os clubes mais populares da Argentina com torcedores de equipes que estão na Nacional B, a segunda divisão do país.


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