Folha de S. Paulo


'Tite e Guardiola têm muita coisa em comum', afirma Fernandinho

Anthony Devlin/Reuters
Fernandinho durante jogo do Manchester City pelo Campeonato Inglês
Fernandinho durante jogo do Manchester City pelo Campeonato Inglês

Fernandinho, 31, sente-se um privilegiado. O volante é dirigido em seu clube, o Manchester City, pelo treinador mais badalado do mundo: Pep Guardiola. E, segundo ele, na seleção encontra um técnico muito parecido: Tite.

Para o jogador Pep Guardiola e Tite têm em comum a capacidade de conduzir elencos cheios de estrelas, por isso, conquistam tantos títulos.

Titular no clube e peça importante na seleção, o paranaense espera terminar a temporada com o título da Liga dos Campeões, troféu que o seu clube ainda não tem. Em 2016, o City parou na semifinal contra o Real Madrid.

Nesta terça (21), às 16h45 (de Brasília), a equipe recebe em seu estádio o Monaco, da França, pelo jogo de ida das oitavas de final. O time não poderá contar com o atacante Gabriel Jesus, que fraturou dedo do pé direito.

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Folha - É uma decepção para vocês, com um elenco tão rico e um treinador tão cultuado, estar oito pontos atrás do Chelsea no Inglês?
Fernandinho - Nós passamos por uma mudança drástica antes do início da competição, o Guardiola mudou nossa maneira de jogar, e não é fácil fazer isso em apenas oito meses. É pouco tempo de trabalho, então é normal que não tenhamos ainda muita consistência. Além disso, o campeonato castiga muito com lesões e suspensões, nós sofremos com isso.

Ainda é possível tirar a diferença para o Chelsea?
Nós temos jogado bem, isso é o mais importante. No jogo contra o Chelsea [derrota por 3 a 1, no primeiro turno], por exemplo, criamos umas dez chances, e eles marcaram em três contra-ataques. A minha experiência diz que, na Inglaterra, oito pontos não são praticamente nada. Nós mesmos abrimos uma boa vantagem no início da competição, e depois a perdemos. O negócio é chegar a maio com chance de levantar a taça. Aí, sim, vai ser possível dizer quem tem mais possibilidade de ganhar o título. Ainda é muito cedo para considerar o Chelsea campeão.

Você disse que o Guardiola mudou muita coisa no City. O que ele mudou, exatamente?
A primeira mudança foi no modo como jogamos sem a bola. Nosso time era um pouco apático, relaxado, e agora temos muita agressividade. A segunda mudança foi com a bola nos pés. Temos um padrão muito bem definido, cada um sabe exatamente o que fazer, para onde ir. E a terceira mudança foi na mentalidade. Por mais que o clube tenha investido muito dinheiro desde 2008 [quando foi comprado por Mansour bin Zayed Al Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos], ainda não existia uma mentalidade realmente vencedora, de acreditar que podemos ganhar tudo. O Guardiola trouxe isso. Mas são apenas oito meses de trabalho dele, tenho certeza de que em um ou dois anos o City vai dar um salto muito grande.

É difícil trabalhar com um técnico inventivo e inquieto como o Guardiola?
Você tem de ficar o tempo todo ligado no 220, como ele fica. Às vezes ele muda completamente o desenho do time durante o jogo, sem trocar nenhum jogador, e você tem de estar preparado. Faz parte do perfil dele. Há jogadores que assimilam isso rapidamente, outros demoram mais.

Você tem sido muito elogiado pelo espanhol. O que você fez para conquistar a confiança dele em pouco tempo?
Eu sempre tive facilidade para me adaptar a diferentes funções em campo, desde quando jogava no Brasil. Além disso, meus anos na Ucrânia [no Shakhtar Donetsk] e na Inglaterra me ajudaram também. Em um mês de pré-temporada eu já sabia exatamente o que ele queria. Outra coisa que me ajudou muito foi ter lido o livro dele ["Guardiola Confidencial", do jornalista espanhol Martí Perarnau].

Você já havia lido o livro antes da contratação dele pelo City?
Não. Assim que saiu a notícia de que ele viria para o nosso clube, corri para comprar o livro. Foi muito bom porque pude aprender bastante sobre o Guardiola, foi possível entender bem como ele gosta de trabalhar. A leitura me ajudou a assimilar mais rapidamente as ideias dele. Mas é claro que ele só tem me elogiado porque eu estou correspondendo em campo. De nada adiantaria ter me preparado bem para o trabalho com o Guardiola se eu não mostrasse serviço.

O que o Guardiola tem de especial? O que o difere dos demais treinadores?
O que eu percebo, até conversando com colegas que trabalharam com ele em outros clubes, é que o Guardiola tem facilidade para formar um grupo, e não apenas um time. Ele consegue ter um vestiário em que todos se respeitam, em que todos jogam juntos, e isso faz toda a diferença. Talvez seja essa a maior virtude dele, saber criar um ambiente legal.

Na seleção brasileira, você também viveu recentemente um momento de mudança com a chegada do Tite. O que ele fez para a equipe conseguir bons resultados tão rapidamente?
A primeira coisa que o Tite fez foi implantar um padrão de jogo. Com ele, a defesa e o meio de campo são sólidos, e os homens de frente têm liberdade para criar graças a essa base consistente. Foi impressionante como ele conseguiu isso em tão pouco tempo de trabalho.

Você esperava que a seleção deslanchasse tão depressa sob o comando do Tite?
Vou ser sincero, não imaginava que a gente fosse ter seis vitórias em seis jogos. Eu não conhecia o Tite, mas conversei com vários colegas que trabalharam com ele e todos o elogiaram muito. Além disso, a comissão técnica que ele montou é muito preparada, muito competente. Acho que a dedicação com que o Tite se preparou para chegar à seleção está fazendo a diferença.

Existe alguma semelhança entre Tite e Guardiola?
Eu acho que há muitos pontos em que eles são parecidos, sim. Alguns princípios são os mesmos. O mais importante deles, para mim, é o gerenciamento de pessoas. Esse é o ponto forte dos dois, é o que faz a diferença. Quando você conversa olhando nos olhos, consegue extrair o melhor do ser humano, e tanto o Tite quanto o Guardiola têm essa capacidade. Eles sabem conversar com o jogador, sabem a hora certa de elogiar, a hora certa de dar dura Os dois são parecidos nesse aspecto.

As lembranças do 7 a 1 ainda atormentam você?
Eu decidi deixar isso para trás, já que não há como apagar o passado. O foco é no presente, e já planejando o futuro. Acho que essa é a melhor maneira de trabalhar, e nós temos feito isso na seleção. Estamos pensando em classificar a equipe para a Copa da Rússia e, depois, fazer um grande torneio em 2018.

Quando você vem ao Brasil, as pessoas ainda falam sobre aquela goleada?
Isso é um negócio curioso, porque na sua frente ninguém fala nada, mas pelas costas as pessoas falam. Mas eu não tenho problema com isso, não. Se alguém quiser me perguntar sobre esse assunto, pedir uma explicação, eu falo, por mais que seja difícil. O que importa mesmo é que nós, os jogadores mais velhos da seleção, podemos usar a experiência para passar aos mais jovens que eles não devem se empolgar demais nos momentos bons, nem se desesperar nas horas ruins. É preciso ter equilíbrio.

Você esperava que o Gabriel Jesus fizesse sucesso no Manchester City tão rapidamente?
Sim, eu já esperava que ele fosse se adaptar rapidamente à Inglaterra por causa do seu estilo de jogo. Ele é um atacante que sem a bola pressiona muito bem os zagueiros, tem uma movimentação muito boa e é inteligente. E com a bola tem qualidade técnica, é veloz e matador na frente do gol. Então, com todos esses requisitos, eu, que o conheci jogando pela seleção, tinha certeza de que ele iria se adaptar muito rapidamente ao futebol inglês. E ficamos todos felizes com a velocidade com que tudo aconteceu.

Você chegou a conversar com o Guardiola sobre o Gabriel? Se sim, o que vocês falaram?
Falei com o Pep, sim, alguns dias antes de o Gabriel chegar a Manchester. Nós dois trocamos algumas palavras sobre ele e o resultado da nossa conversa foi tudo o que aconteceu após sua chegada, como ele se adaptou e jogou com personalidade, dando assistências, fazendo gols e ajudando o time sem a bola. São coisas que o Pep adora em um atacante.

O Gabriel ficou muito abalado com a lesão que ele sofreu?
Sem dúvida ele ficou abalado, pois estava em um momento mágico, prestes a estrear na Liga dos Campeões. Mas são coisas que acontecem e temos de saber lidar com isso. Ele é um menino com cabeça boa, vai se recuperar logo, e voltar ainda mais forte. Nós do Manchester City estamos à disposição para ajudá-lo nesse período difícil. Esperamos que ele volte a jogar e a ser feliz o mais rápido possível.


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