Folha de S. Paulo


Entre óperas e cães, Leila trocou dez ligações diárias com Mattos por Borja

Na segunda-feira (6), o diretor de futebol do Palmeiras Alexandre Mattos ligou para Leila Pereira, 52, da Crefisa e da Faculdade das Américas, e explicou à presidente das patrocinadoras do clube do que precisava para fazer a contratação mais cara da história do clube : US$ 10 milhões, mais US$ 1 milhão de luvas e ajuda para o pagamento de salários. O alvo era o colombiano Miguel Borja, do Atletico Nacional, que virou obsessão de Mattos nos últimos meses.

Até esta quinta (9), com o desfecho positivo das negociações, Leila recebeu cerca de dez ligações diárias do diretor, atualizando-a em relação a demandas dos colombianos, que fizeram jogo duro. Muitas ligações aconteceram depois da meia-noite, e a cada uma havia uma novidade em relação aos valores, sempre subindo. A contratação foi um trabalho em dupla de Mattos e a empresária, que ofereceu o dinheiro sem nunca ter ouvido falar no jogador.

"Não me meto. É como eu faço nas minhas empresas: não entendo nada de tecnologia, deixo para o gerente de tecnologia fazer a função dele. Se existem profissionais e a gente acredita neles, temos que deixá-los trabalhar. Não cabe ao patrocinador definir a parte técnica", disse Leila à Folha durante cerimônia de entrega do título de cidadã paulistana nesta quinta (9).

Há alguns meses, Mattos havia procurado Leila para fazer uma proposta por Lucas Pratto, que nesta quinta foi anunciado pelo São Paulo. Ouviram do Atlético-MG que ao Palmeiras o jogador não iria para não reforçar um rival na Libertadores. Depois disso, a ideia passou a ser apostar em Barrios, cujo salário de R$ 1 milhão é pago pela Crefisa. Mas no meio do caminho surgiu Borja.

A negociação foi selada na unidade da Faculdade das Américas na rua Augusta, onde ocorria a cerimônia de concessão do título de cidadã paulistana. A autora do projeto foi a vereadora Sandra Tadeu (DEM), que frequentemente se engaja em causas palmeirenses, como a troca do nome de parte da rua Turiassu para Palestra Itália.

Enquanto acontecia a cerimônia, o presidente do Palmeiras, Mauricio Galiotte, chamou Leila para conversar em privado. A negociação de Borja havia sido concluída, e Mattos precisava somente da assinatura do mandatário. Foi de um computador da FAM que Galiotte enviou os documentos assinados e comemorou com Leila a contratação mais badalada da janela de transferências.

O EXÉRCITO DA CREFISA - Os sete jogadores que a empresa ajudou o Palmeiras a contratar

Neste sábado (11), Borja chegará ao aeroporto de Guarulhos às 6h35, onde será recebido por milhares de palmeirenses. No mesmo dia, impulsionada pela renovação do patrocínio em patamar de quase R$ 200 milhões ao longo de dois anos e pela contratação de Borja, Leila deve ser eleita conselheira do clube com número recorde de votos. Seu marido, José Roberto Lamacchia, 73, também deve ser eleito.

Leila tem dois projetos na ponta da língua: modernizar as instalações do clube social e ajudar por meio de leis de incentivo fiscal o esporte amador do Palmeiras. O apoio de Leila pode significar o fortalecimento da equipe de basquete, xodó dos torcedores e fora dos principais de torneios desde 2015 por economia de recursos. Ela também apoiará o desfile da escola de samba Mancha Verde com R$ 1,3 milhão por meio da Lei Rouanet.

A relação de Leila com o Palmeiras começou há 35 anos, quando ela, aos 17, conheceu Lamacchia em Ipanema no Rio por meio de amigos em comum. Natural de Cambuci, cidade com menos de 15 mil habitantes, ela foi criada em Cabo Frio, filha de Delorme Pereira, um dos primeiros médicos da cidade, que passou a profissão aos dois filhos homens, mas não a Leila, que preferiu cursar jornalismo e direito no Rio.

Sua principal passagem pelo jornalismo foi na TV Manchete, onde participou da cobertura da Copa do Mundo de 1990. À revelia, já que ela não queria trabalhar com esportes. Anos depois, ainda no Rio, ela estudou direito e passou a ter como plano virar juíza. Ela virou advogada da Crefisa e, em poucos anos, assumiu a presidência da financeira.

Leila marca as tragédias de sua vida com intervenções grandiosas. A morte do pai, atropelado em 2002, resultou na criação do curso de medicina da FAM. O linfoma de José Roberto Lamacchia implicou no investimento de R$ 12 milhões na reforma do departamento de hematologia do Hospital das Clínicas (um dos diretores do local é cunhado de Marcelo Oliveira, ex-técnico do Palmeiras) e no início do patrocínio do clube, em 2015. A ideia era animar Lamacchia após o duro período de tratamento.

"Sou um clone educado do Zé Roberto, ele que me preparou para eu ser o que sou hoje", diz ela aos risos, fazendo referência ao conhecido hábito de Lamacchia de distribuir palavrões e impropérios diante de quaisquer irritações.

Com uma rotina rígida de trabalho –ela entra às 8h na Crefisa e retorna à sua residência às 22h–, ela cultiva dois hobbies: os cachorros e a ópera.

Dona de dez cães –Byron (em homenagem ao poeta romântico, que escreveu o poema "Epitáfio para um Cão"), Noble, Paris, Chanel, Mané, Scott, Frederico, Nicolau, Polar e Panda–, ela tem uma equipe de cuidadores dedicados aos animais. Em uma van, quatro passeadores os levam para caminhadas diárias no parque do Ibirapuera, onde são conhecidos pelos frequentadores como "os cachorros da Crefisa". Na sede da empresa, Lamacchia pediu que construíssem uma piscina para que Byron, da raça terranova, que gosta de água, pudesse brincar. A Mancha Alvi Verde queria fazer um carro alegórico em homenagem a Byron, mas o empresário barrou a ideia.

Arquivo pessoal
Leila Pereira e o cachorro Byron
Leila Pereira e o cachorro Byron

Dona de um apartamento em Nova York, ela viaja para lá quando há óperas que a agradam na programação. Membro da Metropolitan Opera House, ela tem por hábito passar uma semana na cidade para assistir a sucessivas apresentações, especialmente quando alguma montagem de "La Traviata", de Verdi, aparece em cartaz.

Tendo assumido protagonismo com velocidade espantosa no Palmeiras, ela garante que não está em seus planos se tornar presidente do clube. De acordo com o atual estatuto, ela só poderia concorrer ao posto a partir de 2027.

"Trabalho muito, tenho uma vida muito atribulada, sou a principal executiva das minhas empresas, então não tenho tempo para isso hoje", conclui a patrocinadora e, em breve, nova conselheira alviverde.


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