Folha de S. Paulo


Atletas têm mais de R$ 420 milhões em multas com a Receita Federal

Mais de 250 atletas brasileiros são suspeitos de sonegar tributos e estão na mira da Receita Federal. O total aplicado em multas a desportistas pelo fisco de 2003 a 2016 ultrapassa R$ 420 milhões. Só no último ano, foram cerca de R$ 39 milhões somando novas autuações e correções dos valores acumulados até 2015, segundo apurou a Folha.

Na maioria dos casos, a Receita avalia que houve sonegação em rendimentos obtidos com patrocínios, direitos de imagem e premiações. Atletas são acusados de receber irregularmente por meio de empresas quantias que deveriam ser declaradas como rendimentos de pessoa física.

Atletas e Imposto de Renda

O ex-tenista Gustavo Kuerten e os jogadores de futebol Neymar e Alexandre Pato foram alguns dos esportistas multados desde 2003. Os três recorreram contra as punições no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda responsável por julgar autuações aplicadas pela Receita Federal aos contribuintes –o que tornou os casos públicos.

Guga perdeu processo e foi condenado a pagar cerca de R$ 7 milhões de multa em novembro de 2016. O ex-tenista é sócio da empresa Gustavo Kuerten Participações, que gere seus direitos de imagem, cujos recebimentos deveriam ter sido declarados pela pessoa física, não jurídica, como foi.

Para a Receita Federal, nesses casos, os atletas estariam encobrindo parte de seus salários (que deveriam ser declarados como rendimento de pessoa física) com pagamentos por direitos de imagem (recebidos via pessoa jurídica).

Dessa forma, ficariam sujeitos a uma tributação menor, já que, em vez de serem descontados pelo leão em 27,5% sobre seus rendimentos, valor da alíquota do imposto de renda de pessoa física, pagariam entre 15% e 25% em imposto, taxas para pessoas jurídicas.

Desde 2011, a Lei Pelé permite que atletas cedam o direito de exploração de sua imagem a uma empresa, se assim desejar.

Outra lei de 2011 institui a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, com a qual o atleta pode constituir uma firma e ceder a ela a exploração do seu direito de imagem.

"Muitas vezes é questionada a real natureza desses direitos de imagem, que podem configurar verba salarial disfarçada", afirmou a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional à Folha.

Segundo o advogado Pedro Trengrouse, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), nos últimos anos o fisco aumentou as autuações a atletas.

"O que acontece é que o país está em crise. Sempre que isso ocorre, a Receita precisa apertar o cerco para arrecadar mais", afirma.

BOLEIROS NA MIRA

Assim como Guga, Neymar e Alexandre Pato também recorreram ao Carf após serem autuados pelo fisco.

Ambos os processos tiveram sessões de julgamento na última quinta-feira (19), mas a decisão foi adiada.

O atacante do Villareal é acusado de receber pela empresa Alge, que explora seus direitos de imagem e da qual é sócio com o pai, quantias relativas à sua transferência para o Milan, em 2007. Se condenado, o jogador terá de pagar cerca de R$ 10 milhões.

Já a multa do atacante do Barcelona é de cerca de R$ 200 milhões. Ele teria cedido irregularmente a exploração de seu direito de imagem à empresa Neymar Sport e Marketing, que tem como sócios seus pais. A Receita considerou o jogador da seleção culpado por sonegação de imposto de renda da pessoa física, fraude e conluio.

As defesas de Neymar e Pato negam as acusações.

NOVA LEI?

Um anteprojeto de lei pretende alterar as regras da declaração dos rendimentos obtidos com direito de imagem, que vem embasando punições a atletas pela Receita.

Proposta elaborada por 13 advogados especializados em direito desportivo quer derrubar a limitação do ganho do atleta com exploração do direito de imagem. Hoje esse montante pode chegar a no máximo 40% do total pago pelo clube ao atleta.

O advogado Marcos Motta, que participou da redação do anteprojeto, diz que a limitação em vigor é inadequada à realidade do esporte.

"É comum que os grandes nomes do esporte façam contrato por performance. Se ganham um título, por exemplo, têm sua imagem mais explorada, e ganham a mais por isso. Estamos tentando esclarecer que é possível tratar de forma diferente os que são diferentes", diz Motta, que tem Neymar entre seus clientes.

Diretor-geral da Faculdade Brasileira de Tributação, Felipe Pereira critica a tentativa de derrubar o limite de 40%.

"O limite é saudável. Para que perder tempo em fiscalizar os que não atingem os 40%? Sem o limite, a Receita tem que analisar a razoabilidade de cada caso", afirma.

O presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo, Rinaldo Martorelli, diz que a divisão entre salário e direito de imagem traz, muitas vezes, problemas para os atletas.

"O clube paga só a parte do salário e diz que está em dia com o profissional, mas atrasa o pagamento do direito de imagem", afirma Martorelli.
lei geral

Outro ponto que o grupo pretende alterar é a inclusão de um trecho que deixaria mais claro o entendimento de que o atleta pode ceder sua imagem para empresa da qual ele mesmo é sócio.

"A mudança mudaria o entendimento em casos de atletas punidos. Vai trazer uma segurança jurídica. O atleta vai montar a estrutura [empresa] sabendo que poderá usá-la para receber", diz Pedro Trengrouse, que também participou da redação do texto.

O grupo que redigiu o texto tem advogados ligados a atletas e à CBF (Confederação Brasileira de Futebol), casos do diretor-jurídico da confederação, Carlos Eugênio Lopes, e dos ex-presidente do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), Flávio Diz Zveiter e Caio César Vieira Rocha.

As propostas fazem parte do anteprojeto da Lei Geral do Esporte, cujo relatório final foi entregue ao presidente do Senado, Renan Calheiros, em novembro. A expectativa é que, assim que terminar o recesso, o legislativo aprecie o projeto.

Caso seja aprovada, a Lei Geral do Esporte vai unificar a legislação esportiva brasileira, que hoje é constituída por pelo menos seis textos, como Lei Pelé, Profut e Estatuto do Torcedor.

Editoria de Arte/Folhapress

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