Folha de S. Paulo


Trunfo no ouro, namorada de Rafaela faz as vezes de secretária e conselheira

Rafaela Silva

Rafaela Silva entrou nos Jogos de Londres, em 2012, como a quarta do ranking mundial e saiu brigada com o mundo. Eliminada prematuramente após aplicar golpe irregular, ela discutiu nas redes sociais após ser xingada.

Na sequência, ficou três meses sem pôr quimono.

"Ela tinha vergonha de andar na rua. Medo mesmo, de alguém chegar até ela em um restaurante e falar 'olha a macaca'", conta o técnico da atleta, Geraldo Bernardes.

Para se reerguer, Rafaela se escorou sobretudo em sua namorada, Thamara Cezar, que passou a fazer as vezes de sua secretária e psicóloga.

"A Rafaela é muito bagunceira. Eu que organizo compras e contas. Até com nome sujo ficava porque viajava e esquecia de pagar conta de telefone. Só lembrava porque cobravam", diz Thamara.

Reservada, educadamente pediu para não ser fotografada para a reportagem.

A namorada cuida da organização da vida da campeã olímpica. Controle que exerce também no conteúdo publicado nas redes sociais.

"Ela não costuma fazer coisa errada. Só o que peço a ela é cuidado com as redes sociais. Tudo é motivo para as pessoas fazerem textão."

Apesar da bagunça, Thamara rende-se ao "coração muito bom" da cônjuge.

Ambas moram juntas hoje, em companhia do buldogue francês Stitch, mas já tiveram idas e vindas.

Judoca, Thamara chegou ao Reação para treinar em 2008. Naquele ano ambas iniciaram um relacionamento.

"Ela apanhava bastante de mim", brinca Rafaela.

Terminaram em 2011, reataram dois anos depois e agora se dizem inseparáveis. "A Thamara foi muito importante no processo até a medalha. Todo o lado chato de entrevista e redes sociais ficou com ela", afirma Rafaela Silva.

Na preparação para os Jogos do Rio, o processo de "pacificação" de Rafaela envolveu treinos com simulação de vaias de torcedores rivais.

Rafaela diz que demorou a assumir o relacionamento publicamente porque ambas temiam preconceito. E porque um episódio as marcou.

Em um bloco de Carnaval, viram um homossexual ser espancado por um grupo.

"Por ser homossexual eu tenho que apanhar e achar normal? Não mesmo. Por isso não queríamos nada público", diz a judoca. O casal só passou a revelar o relacionamento durante a Rio-2016.

Outro temor foi superado ao contar do namoro para o pai de Rafaela, Luiz.

"Eu morria de medo. Ele vinha assistir aos treinos e as pessoas comentavam, mas eu sempre negava. Quando eu resolvi contar, ele falou que não tinha problema quanto a isso. Só ficou chateado porque eu menti para ele", conta a campeã olímpica.

REAÇÃO

O sucesso de Rafaela Silva nos Jogos do Rio provocou frenesi por vagas no Instituto Reação, ONG criada na qual ela começou a praticar judô, com 8 anos.

O polo onde a judoca treina, perto da Cidade de Deus, tem cerca de 30 pessoas na lista de espera, de acordo com o treinador dela, Geraldo Bernardes. "Tínhamos quase 300 crianças, hoje temos 400. E nosso espaço não é grande."

O técnico diz que o polo ganhará doação de tatames do consulado japonês no Rio e aumentará a área de treino dos judocas.

A procura anima Rafaela, mas não a ilude. A campeã olímpica acha que o judô, de uma maneira geral, não obtém o reconhecimento que merece. A modalidade é a que mais medalhas deu ao Brasil em Jogos Olímpicos (22).

"Eu gostaria de difundir mais o judô. Agora, até que aumentou a visibilidade. Emissoras passam Grand Prix e Grand Slam. Mas a visibilidade que a gente merece só tem a cada quatro anos", desabafa.

"Ficamos três anos esquecidos e, no ano olímpico, viramos potência do esporte. Nosso objetivo é manter essa visibilidade. A gente merece, conquistou com resultados."

Das sete judocas da seleção feminina que foram aos Jogos do Rio, cinco têm medalhas em Mundiais e três em Olimpíadas.

"Acho que a gente merecia mais atenção."


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