Folha de S. Paulo


Atraso para pagar reembolso de torcedores chega a quase 2 meses

Divulgação
Quadrilha de cambistas é detida com ingressos das Olimpíadas
Ingressos dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro

Passados quase três meses do final dos Jogos, o Comitê Rio-2016 ainda deve reembolso a 8.000 torcedores que utilizaram sua plataforma online para revender ingressos.

A entidade reduziu o contingente de consumidores a quem devia pagamentos, que chegou a 140 mil em 19 de outubro, data até a qual prometeu quitar os débitos. Mas ainda não deu fim ao problema.

A entidade afirmou que tem dificuldades para ressarcir o restante. Alega problemas para encontrar os credores e inconsistência nos dados bancários fornecidos —muitos depósitos não foram completados.

De acordo com o comitê, 3.500 pessoas foram procuradas mas não responderam às mensagens eletrônicas, 2.500 até deram retorno, porém as informações repassadas continham algum erro e 2.000 devem receber o reembolso até esta segunda (12), após terem dados checados.

O atraso para a quitação provoca uma grita nas redes sociais desde outubro.

Boa parte acionou órgãos de defesa do consumidor, como o Procon-RJ, que nesta quinta-feira (8) multou o comitê em R$ 588 mil, em primeira instância, devido ao atraso. A entidade tem 15 dias para entrar com recurso ou até 30 dias para pagá-la.

Segundo o diretor de comunicação da Rio-2016, Mario Andrada, a organização entrará com recurso.

Já o Procon-SP firmou um Termo de Ajustamento de Conduta na última semana com a entidade, que se comprometeu a reembolsar não menos que 95% dos valores devidos aos clientes paulistanos até 31 de dezembro.
Se não cumprir o acordo, também pode ser multada em cerca de R$ 1,5 milhão.

Além da revenda online, os organizadores haviam prometido pagar em até 30 dias após a devolução dos ingressos por meio de carta registrada. Depois, alteraram o prazo para um mês após o fim da Paraolimpíada.
Agora, a intenção é pagar o mais rapidamente possível, mas não há uma data estipulada para terminar.

Foi criada uma página na internet (rio2016.com/reembolso) e uma central telefônica para tirar dúvidas e obter dados para o pagamento.

Apesar das iniciativas, consumidores estão irritados.

O jornalista e servidor público Ícaro Joathan, 30, afirmou que deu todos os dados corretamente e que ainda tem R$ 1.210 a receber. Ele disse que entrou em contato com o Rio-2016, que confirmou seu valor devido, mas foi informado "que não há prazo" para obter o reembolso.

"Não duvido que haja casos assim [com inconsistência ou devolução de dinheiro], mas no meu caso a desculpa não procede", disse o morador do Rio, que comprou ingressos com as tias.

De posse de e-mails e dois protocolos de atendimento telefônico, ele disse que acionará a Justiça se não tiver o estorno em até sete dias.

Outros consumidores ouvidos pela reportagem reclamaram, principalmente, da desativação da página oficial do comitê no Facebook, onde concentravam queixas e questionavam o comitê.

De acordo com o que o próprio Rio-2016 divulgou em balanço três dias depois do fim da competição, o faturamento com venda de ingressos para os Jogos Olímpicos ficou na casa de R$ 1,2 bilhão.

Da carga de 6,5 milhões de tíquetes disponibilizados, somente 350 mil encalharam.

OUTRO LADO

O diretor de comunicação do Comitê Organizador dos Jogos Rio-2016, Mario Andrada, afirmou que todos os consumidores serão pagos e que a entidade tem dinheiro para efetuar os estornos.

"O dinheiro para pagar todo mundo está separado e em proteção jurídica", afirmou.

Andrada lembrou que o comitê está em disputas jurídicas com fornecedores, mas assegurou que o dinheiro para os consumidores já está alocado. Estão reservados para reembolso R$ 3,3 milhões, dos quais R$ 2,3 milhões para os 3.500 que não enviaram dados e R$ 1 milhão para os torcedores cujos dados, inconsistentes, fazem com que os depósitos voltem. Não há, porém, prazo definitivo para finalizar os pagamentos.

Em outubro, Andrada dissera que a demora no repasse se devia a um problema técnico com a operadora dos cartões dos Jogos, a Visa.

Ela não teria conseguido processar estornos automáticos por problemas técnicos. Compras feitas com cartão de débito também não puderam ser reembolsadas, mas repasses a compradores que adquiriram tíquetes neste ano teriam sido feitos normalmente.

À Folha, a Visa afirmou que "não houve qualquer erro ou problema técnico em seus sistemas relacionado ao reembolso aos torcedores que utilizaram a plataforma online de revenda de ingressos do Comitê Rio 2016".

"Na indústria de pagamentos, o reembolso deve ser sempre iniciado pela loja, para que o banco emissor possa transferir o valor para os portadores dos cartões. Assim, a Visa não é responsável pela transação de reembolso e nem determina suas datas", complementou a empresa.

Advogados do comitê vão tentar mostrar ao Procon-RJ que o órgão tem recursos para quitar os débitos e fazer reembolsos aos torcedores a fim de recorrer da multa aplicada (R$ 588 mil).

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Como se deu o problema do não pagamento aos torcedores?
Consumidores que obtiveram entradas para os Jogos tinham direito a revendê-las em uma plataforma online criada pelo próprio comitê. Ele revenderia o tíquete e daria ao torcedor o valor integral. O problema foi atribuído a falha técnica da operadora de cartões Visa, que detinha exclusividade nas transações. A Visa, porém, rebate veementemente essa possibilidade. A empresa afirma que "não houve qualquer erro ou problema técnico em seus sistemas relacionado ao reembolso aos torcedores que utilizaram a plataforma online de revenda de ingressos do Comitê Rio 2016. Na indústria de pagamentos, o reembolso deve ser sempre iniciado pela loja, para que o banco emissor possa transferir o valor para os portadores dos cartões. Assim, a Visa não é responsável pela transação de reembolso e nem determina suas datas".

Quais eram os prazos para reembolso?
O comitê prometia pagar em até 30 dias a quem enviasse ingressos por correio. Depois, mudou o prazo para um mês depois do fim dos Jogos Paraolímpicos, que terminaram em 18 de setembro. Porém, até agora ainda deve a 8.000 pessoas.

Todos os consumidores tiveram problemas?
Não. Segundo o comitê, o problema de não pagamento ocorreu com ingressos adquiridos em 2015, por meio de dois sorteios. Compras feitas com cartão de débito também não puderam ser reembolsadas. Quem comprou em 2016 teria recebido normalmente.

Ainda não recebi. O que posso fazer?
O comitê criou um site (rio2016.com/reembolso) onde o torcedor preenche seus dados cadastrais para acelerar o ressarcimento, que não tem prazo para acontecer.

Qual é a situação financeira do comitê?
O Rio-2016, que é presidido por Carlos Arthur Nuzman, teve orçamento próprio superior a R$ 8 bilhões, mas tem tido dificuldades para pagar torcedores e fornecedores, cujas dívidas ultrapassaram R$ 20 milhões. A entidade tem renegociado dívidas e pedido descontos.

Há risco de isso refletir no esporte brasileiro?
Embora o COB (Comitê Olímpico do Brasil) e as confederações sejam associadas ao comitê, eventuais dívidas não devem atingi-los. O Rio-2016 é uma associação, cujos associados não respondem por débitos. Para respingar neles, seria preciso esgotar o patrimônio da associação e, em caso de sua insuficiência, verificar se a diretoria praticou ato ilegal ou contrário ao estatuto -aí a associação poderia estar sujeita a insolvência civil.


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