Folha de S. Paulo


Tristeza também atinge aldeia que é homenageada em nome de estádio

Avener Prado/Folhapress
CHAPECÓ, SC, BRASIL, 04-12-2016: Tabita Vicente, 6 anos, brinca com suas amigas vestindo camiseta do Chapecoense. Aldeia Condá. Setenta e uma pessoas que morreram após a queda de um avião que levava a equipe da Chapecoense, na Colômbia, na madrugada dessa terça-feira (29). (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Tabita Vicente, 6, brinca com suas amigas vestindo camiseta do Chapecoense

Para chegar até a aldeia Condá, percorre-se uma estrada de terra que passa por uma plantação de milho, o bar do Neura e o centro de treinamento da Chapecoense. Mato adentro, mas só a 14 quilômetros da arena Condá, índios estão sentados em cadeiras de plástico, em frente a suas casas de madeira.

O nome do estádio municipal usado pela Chapecoense, time que foi dizimado com a morte de sua equipe em um acidente de avião na terça (29), homenageia o povoado indígena de Chapecó e um importante cacique da história do oeste catarinense.

"Nós sempre íamos vê-los treinar", diz a índia Vera Luis Reis, 36, em frente a uma estrutura de madeira onde fica uma Assembleia de Deus. Ela segura a neta no colo -uma menina de um ano de idade, cabelos lisos, sorriso tímido, usando uma pequena camisa verde do time.

Há alguns meses, sua filha, mãe da menina Tifany, Jucileia Pinto, 19, conta ter ido assistir a um jogo no estádio pela primeira vez. Ela e o marido pagaram R$ 50 cada um e viram a Chapecoense ganhar do Inter de 1 a 0. "É uma pena o que aconteceu", diz ela, que ficou sabendo da notícia pela televisão.

Algumas das 250 famílias que vivem ali têm antena de TV a cabo em casa. "Eram piás novos, tinham a vida inteira pela frente", lamenta Terezinha Sales, 56. "Quando ganhavam, sempre compravam artesanato, isso ficou marcado para nós".

Diversos índios vão para a cidade vender sua produção. Na quinta (1º), um grupo da aldeia foi ao estádio prestar uma homenagem aos jogadores, com uma dança típica. "Fomos mostrar a dor que sentimos", afirma Luís Eduardo Casmiro, 18, fã de Danilo e Bruno Rangel.

HOMENAGEM

De calça jeans, camisa verde, sapatos pretos e chimarrão na mão, Darci Rodrigues, 45, se diz torcedor do time, mas não vê os ícones da Chapecoense como tributos.

O "indiozinho", símbolo do clube, é "um piá com umas penas, só para dizer que é mascote". Terezinha complementa: antes, o estádio se chamava Estádio Regional Índio Condá; em 2008, virou só Arena Condá. "Não sei por que tiraram 'índio'. É boa a homenagem, acho que tentaram, e a gente também não conversou com eles".

A cidade que hoje se chama Chapecó era conhecida antes como Passo dos Índios -indígenas de passagem se banhavam em um riacho que cruza a cidade e que depois foi canalizado. Nos anos 1950, outra mudança: Xapecó –"chapéu de cipó", segundo os índios– virou Chapecó.

No centro da história dessa região está o cacique Victorino Condá, considerado um índio "colaboracionista".

No século 19, era requisitado pelo governo do Paraná para ajudar no aldeamento de grupos indígenas para sua catequização, segundo o professor de história e indigenista Clóvis Antonio Brighenti, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, que desenvolve pesquisas nas comunidades indígenas de Santa Catarina.

"É uma figura controversa. Ele transitou entre dois universos: o indígena e o não indígena. No sistema do povo indígena da região, os caingangues, ele defendia seu grupo, mesmo que para isso tivesse que negociar com o Estado e atacar os outros."

Avener Prado/Folhapress
CHAPECÓ, SC, BRASIL, 04-12-2016: Tabita Vicente, 6 anos, brinca com suas amigas vestindo camiseta do Chapecoense. Aldeia Condá. Setenta e uma pessoas que morreram após a queda de um avião que levava a equipe da Chapecoense, na Colômbia, na madrugada dessa terça-feira (29). (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Tabita Vicente, 6, brinca com suas amigas vestindo camiseta do Chapecoense na aldeia Condá

INDIOZINHO

Um dos fundadores da Chapecoense, Alvadir Pelisser, 80, lembra que, quando o clube foi criado, em 1973, a ideia era homenagear o índio que achavam ser um "guerreiro autêntico". "Diz que foi um homem valoroso, forte, gigante e muito veloz."

Hoje, a torcida vai à loucura quando o menino Carlinhos, 5, adornado com um enorme cocar, surge no campo da Arena Condá. Mas na aldeia Condá, Tabita Vicente, 6, usa uma camisa da Chapecoense sem saber o que significa. "É do Brasil?", pergunta, quando é questionada sobre ela.

"É que ela ganhou de alguém na cidade", conta seu pai, Dirceu Vicente, que não se considera exatamente um torcedor do clube porque vai a Chapecó "só para compromissos". Tabita está brincando, usando pedrinhas pretas em uma panela para fingir que cozinha feijão; seu pai está de pé, em frente à casa de concreto onde mora há três meses, quando a escola que existia ali foi transferida para um edifício ao lado.

Para Brighenti, "a memória é reverenciada pela cidade, mas os sujeitos no presente não são".

Os jogadores da Chapecoense mortos na tragédia, por sua vez, continuam recebendo homenagens. Cinco dias após sua morte, moradores ainda andam nas ruas com a camisa do time, e mensagens em outdoors surgem agradecendo sua força.

Neste domingo (4), o estádio fechado frustrou os torcedores. Uma parte ficou em frente ao espaço sentada em cadeiras de praia e o restante cantou gritos de guerra, promovendo um abraço coletivo na Arena Condá. Pelisser suspira: "A Chapecoense nasceu do nada, virou um gigante e agora o quê? Agora uma tristeza profunda nos emudece."

Avener Prado/Folhapress
CHAPECÓ, SC, BRASIL, 04-12-2016: Juciléia Pinto, 19 e Tifany Loreiro, 1 ano. Aldeia Condá. Setenta e uma pessoas que morreram após a queda de um avião que levava a equipe da Chapecoense, na Colômbia, na madrugada dessa terça-feira (29). (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Juciléia Pinto, 19, carrega sua filha Tifany Loreiro, 1, na aldeia Condá

Acidente em voo da Chapecoense


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