Folha de S. Paulo


Luto toma conta de escolas e deixa alunos e professores atordoados

A porta de uma sala de aula, antes adornada só por flores de papel, agora tem folhas sulfite com mensagens e desenhos de alunos do segundo ano do ensino fundamental: "Força, Chape". Outra porta entreaberta revela seis alunos dormindo em colchões espalhados pelo chão.

Há dois dias, foram acordados às 6h por um amigo com uma notícia que não parecia ser verdade. "Ficamos em choque. Achei que ainda estivesse dormindo", diz Kauê Marmintini, 17. À tarde, o grupo foi para a arena Condá, em Chapecó (SC), prestar homenagem aos 71 mortos na queda do avião que levava, na terça (29), a equipe da Chapecoense à Colômbia. Penduraram uma faixa: "O movimento de ocupação está em luto".

Por causa da tragédia, aulas foram suspensas nas escolas. Nessa cidade de 220 mil habitantes, havia 32.820 matriculados no ensino médio e fundamental em 2015.

A escola estadual Irene Stonoga, onde os alunos dormem, foi a primeira ocupada em Santa Catarina, em 25 de outubro, no movimento de escolas contrárias à PEC 241, que fixa um teto de investimentos em educação e outros gastos públicos, e à MP que prevê uma reformulação no ensino médio. A escola fica em um bairro pobre e periférico da cidade, o São Pedro.

Hoje, em Chapecó, há seis escolas estaduais ocupadas, além de duas universidades.

Para um professor de história que acompanha a ocupação desses alunos, Gean Roth, o time de futebol que foi arrasado pela tragédia mudou a imagem que o Brasil tinha de Chapecó.

A cidade, polo da agroindústria do oeste catarinense, "virou a cidade da Chapecoense depois da campanha do clube", diz. "Hoje, ao falar de Chapecó, ninguém fala mais da BRF, fala da Chape", diz, ao lado de Marmintini, que trabalhou como menor aprendiz na empresa do ramo alimentício durante um ano e meio.

Rodrigo, 10, orbita o grupo de amigos na escola e comenta que neste sábado (3) irá à arena Condá. Mas sua primeira vez ali não será para ver o jogo. Ele vai para o velório coletivo da Chapecoense.

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"A Chape não é só um time, é um símbolo da cidade. Nenhum time vai ser igual ao que esse foi porque os jogadores cresceram junto com a cidade", avalia a professora de história Elisabete Dal Piva, 50, de outra escola ocupada, a Tancredo Neves.

É outro trauma da cidade: em 1950, quatro pessoas foram linchadas após terem supostamente queimado uma igreja. Foram assassinadas. A população, diz a professora, ainda não fala direito sobre o que aconteceu.

Nessa escola, na manhã desta sexta (2), alunos e professores tomavam juntos o café-da-manhã –pão com o embutido "queijo de porco". A tragédia "foi a maior perda que Chapecó já teve", lamentava a aluna Gabriele de Faveri 16. "É importante inserirmos o fato na história para que todos saibam quem eles foram."

Outros dois alunos da ocupação, Alysson da Silva, 17, e Anderson dos Santos, 18, lembram ter ouvido a notícia quando estavam em um ônibus rumo a Brasília, para participar de uma manifestação.

"Não pense que vai ser fácil a cidade se reerguer, vai demorar muito", afirma a professora Dal Piva. Mas ela arrisca: o assunto será tratado em sala de aula, em conversas ou por meio de atividades. "É questão de pertencimento."

Outra professora dessa escola, Elisane Conteratto, 31, de inglês, admite não saber como vai falar com os alunos sobre o que aconteceu. Ela conta que vai aos jogos do clube e que, frequentemente, encontra alunos no estádio.

"Pelo quanto que estou sofrendo, não sei como vou ajudá-los. Eles faziam parte da cidade. Encontrávamos os jogadores no banco, no supermercado, no shopping", diz, vestida com a camisa do time e com elásticos verdes, cor do time, no aparelho fixo.

A 8 km dali, os alunos do Colégio Marista São Francisco não encontravam os atletas só na rua: os viam quase toda semana dentro da escola. É que ali, logo atrás da arena Condá, estudam vários de seus filhos.

Na sexta passada, o atacante Kemps foi buscar e levar o filho e aproveitou para tirar fotos com os amiguinhos. O antigo campo de futebol da escola era usado pelo clube antes da construção da arena e, ainda hoje, recebia os jogadores, que batiam bola com os alunos.

Agora, 14 alunos da escola estão ligados de alguma forma ao acidente. São filhos, netos e sobrinhos de quem estava no avião. Professoras acompanharam algumas dessas famílias em casa, na hora de contar a notícia aos pequenos.

"Temos que acolher as manifestações das crianças, sem invadi-las", diz Roberta Sganderla, coordenadora psicopedagógica de educação infantil. "Espero que muitos venham contar o que experimentaram ao longo da semana."

Tragédia em voo da Chapecoense


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