Folha de S. Paulo


'Mãe, a Chape morreu?', pergunta filho de 4 anos à mãe, em Chapecó

A cidade pacata foi tomada por uma onda verde, mas com o verde veio o preto, de luto. O simples "oi, tudo bem?" perdeu sua função fática: não, não está tudo bem, dizem os moradores de Chapecó, 210 mil habitantes encravados no oeste catarinense.

Um dia após a tragédia que matou quase o time inteiro da Chapecoense e jornalistas locais, deixando 71 mortos após a queda de um avião na Colômbia, habitantes de Chapecó se vestiram com a camisa do time e penduraram símbolos de luto em suas casas e comércios.

No carro de bombeiros, um detalhe: faixas pretas nos retrovisores. Em um hotel, atendentes confeccionam pequenos broches pretos e verdes para colocar na lapela. Manequins não são mais visíveis nas vitrines, cobertas por largas faixas de luto. Quem não está com a camisa do time dá um jeito de usar algo verde.

"Meu filho de quatro anos me perguntou: 'mãe, a Chape morreu?'. Eu não falei nada para ele, mas ele está vendo tudo que está acontecendo", lamenta a professora Cristiane Moreira, 37, vestindo a camisa do time, carregando Leonardo, também usando a sua.

Veja

Cristiane e o filho aguardavam a chegada de parentes no aeroporto de Chapecó na tarde desta quarta (30). Ao falar sobre a tragédia, ela começou a chorar, cobrindo os olhos com óculos escuros.

Se parte da cidade está silenciosa, a região no entorno da Arena Condá, na zona leste, é só ruído. Sob forte sol, um trânsito atípico surge ali, onde torcedores se reúnem, sem saber o que fazer. Penduram homenagens nas grades, passam horas apenas observando o gramado e choram.

Profissionais da imprensa do mundo inteiro também lotam o local. No vestiário, familiares dos jogadores mortos no acidente recebem atenção de profissionais da saúde.

"Eles eram os filhos amados. De repente, por causa deles, Chapecó apareceu no cenário. O time deu notoriedade à cidade. Chapecó começou a existir a partir do futebol, que é o coração do brasileiro", diz Maria Helena Franco, professora titular da PUC-PR e coordenadora do laboratório de luto da universidade. "As pessoas ficam desorientadas, têm uma experiência sofrida. E as crianças vão viver talvez sua primeira perda importante –é essencial que esse sofrimento seja validado, reconhecido."

Avener Prado/Folhapress
CHAPECÓ, SC, BRASIL, 30-11-2016: Torcedores da Associação Chapecoense de Futebol prestam homenagens na Arena Condá para as Setenta e uma pessoas que morreram após a queda de um avião que levava a equipe da Chapecoense, na Colômbia, na madrugada dessa terça-feira (29). Na foto, o garoto Ezequías Weber, 14, torcedor da Chapecoense. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
O estudante Ezequías Weber, 14, torcedor da Chapecoense

"A gente fica sem chão", diz o estudante Ezequías Weber, aparentando ser mais maduro do que uma criança de sua idade: 14. "Meus pais me acordaram, ligamos a TV e ficamos assistindo. Depois, na escola, não tivemos aulas. Ficamos orando para que encontrassem mais sobreviventes." Usando a camiseta do time, planejava comparecer à vigília coletiva na noite desta quarta (30), no estádio, às 20h.

"Essa daí nem queria ver TV", diz o aposentado Jodelcir Pereira, 64, apontando para a neta, Larissa, de 11 anos. Ela ouve o avô e responde: "É que a Chapecoense sempre esteve lutando e agora... isso". E cita os jogadores favoritos: Bruno Rangel e Danilo. Ao lado, a irmã de um ano e seis meses, Mirella, brincava com velas em cima de uma caixa de areia, homenagem para os jogadores improvisada no estádio.

Avener Prado/Folhapress
CHAPECÓ, SC, BRASIL, 30-11-2016: Torcedores da Associação Chapecoense de Futebol prestam homenagens na Arena Condá para as Setenta e uma pessoas que morreram após a queda de um avião que levava a equipe da Chapecoense, na Colômbia, na madrugada dessa terça-feira (29). Na foto, a menina Mirella Pereira, 1 ano e 6 meses, torcedora da Chapecoense. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Mirella Pereira, 1 ano e seis meses, com camiseta do time catarinense

Presidente em exercício da Chapecoense, Ivan Tozzo diz ficar pensando nas crianças que perderam seus pais no acidente. "É difícil pra caramba", lamenta. "Os jogadores de futebol são jovens e todos eles têm crianças de 3, 4, 5 anos... e criança mexe com a gente."

Ivan Tozzo

Foi na escolinha da Chapecoense que o jogador de futebol João Antonio Appi, 18, que nasceu e cresceu em Chapecó, começou a praticar o esporte. De repente, perdeu os ídolos. Estava em Mogi Mirim (SP), onde joga no centro de treinamento, nas categorias sub-18 e sub-20, quando soube da notícia.

"Torço para a Chapecoense desde que nasci", diz o jogador, que conhecia o goleiro Danilo e o fotógrafo Gilberto Pace Thomaz, o Giba, mortos no acidente. Para ele, porém, a tragédia pode ser uma oportunidade para os jovens jogadores do time ajudarem a reerguê-lo. "Seria honroso", diz o jovem, cujos planos para assistir ao jogo com amigos em Curitiba foram cancelados; agora, também vai à vigília.

De manhã, no aeroporto de Viracopos, em Campinas (100 km de São Paulo), passageiros esperavam o voo para Chapecó com um assunto em comum: o acidente. Todos pareciam ter um amigo ou conhecido que estava no voo.

Usando a camisa do time, o comerciante Preto Zanella, 43, conta como recebeu uma ligação de seu pai de madrugada: seu amigo Nilson Folle Júnior, membro da diretoria com quem viajou para Florianópolis no ano passado, e outros conhecidos, como Edir Félix de Marco, ex-presidente do clube, e o presidente Sandro Luiz Pallaoro, haviam morrido. Saiu do Mato Grosso, onde estava a trabalho, para voltar para a região oeste de Santa Catarina, onde imaginava haver "só tristeza".

"Agora é tentar confortar todo mundo porque a vida não para", diz ele, que assistiu ao último jogo do time na Arena Condá.

Com olhos marejados, o engenheiro mecânico Felipe Crestani, 34, falava sobre a expectativa de reencontrar sua cidade, agora em luto. "Para onde íamos, encontrávamos um jogador. A relação da cidade com o time é muito estreita", afirma.

A trabalho em Joinville (SP), Crestani recebeu ligações pela manhã de terça (29) sobre o acidente, que vitimou seu amigo de infância Nilson Folle Júnior, membro da diretoria do clube.

"O time não é só a cidade, é toda a região", avalia o projetista Wilson Voss, 59, de Joaçaba, a 110 km de Chapecó. "Todos estávamos torcendo muito. A forma como amavam a camisa e o profissionalismo fizeram com que chegassem onde chegaram."

Jogadores

POLO DA AGROINDÚSTRIA

Chapecó é a maior cidade do oeste catarinense e a 5ª mais populosa do Estado, com aproximadamente 210 mil habitantes.

Com bons índices de longevidade, renda e educação, o município também costuma ocupar boas colocações em rankings de desenvolvimento.

É o 67º entre os 5.565 municípios do país, segundo o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU), com 0,790, número considerado como "alto" -índices acima de 0,800 recebem a maior classificação, "muito alto".

No REM-F (Ranking de Eficiência dos Municípios, da Folha), a cidade ocupa a 497ª colocação, com o selo "eficiente", o maior entre as classificações do ranking. O REM-F mede a relação entre as ofertas de saúde, educação e saneamento com o investimento feito pelas administrações municipais nessas áreas.

Chapecó é um polo nacional da agroindústria, em especial na produção, no processamento e na exportação das carnes suína, aviária e derivados. Na cidade está a matriz da Aurora Alimentos e há também uma unidade industrial da Brasil Foods.

Nos anos mais recentes, a expansão da verticalização aqueceu ainda o mercado de construção civil.

HISTÓRIA

Por questões de disputa territorial, o povoamento da região só teve início com movimentos migratórios paulistas em direção ao Sul. Com a criação do município, em 1917, Santa Catarina ofereceu incentivos para empresas que promoviam a colonização.

Uma delas, a Bertaso, fixou nas terras milhares de colonos vindos do Rio Grande do Sul, em geral descendentes de alemães e italianos. Em 2017, a cidade completa 100 anos.

Chamada - acidente Chapecoense


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