Folha de S. Paulo


Não sou mecenas e Palmeiras não depende do meu dinheiro, diz Nobre

Nos seus últimos dias como presidente do Palmeiras -seu sucessor, Maurício Galiotte, assumirá o comando em 15 de dezembro-, Paulo Nobre se vê muito próximo de um final feliz. Neste domingo (27), o time enfrenta a Chapecoense (17h, Globo para SP, SporTV) e só precisa de um empate para voltar a ser campeão brasileiro após 22 anos de jejum.

Em entrevista à Folha, o dirigente de 48 anos fala de Galiotte, não revela quanto dinheiro emprestou ao clube (mas tranquiliza os torcedores em relação as consequências futuras das operações), recusa a fama de mecenas e comenta seu apoio ao cerco feito pela Polícia Militar no entorno do Allianz Parque.

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Folha - Qual é o balanço que você faz dos dois mandatos?
Paulo Nobre - Positivo. Em 2013, pegamos o clube; em 2014, conseguiríamos passar o clube para um patamar melhor do que pegamos. Agora, em 2016, o clube está melhor ainda. Foi uma evolução, no primeiro mandato fizemos a lição de casa, de dar o remédio bem amargo para o paciente, de arar, adubar e plantar. Em 2015 e 2016, me surpreendeu que já colhemos frutos muito rápido.

O que significa o título do Brasileiro para a sua gestão?
Uma honra muito grande, um título super importante, que o Palmeiras não conquista há 22 anos. Teremos, assim, uma hegemonia de títulos do Brasileiro. Aumenta ainda mais a hegemonia nacional. Mas temos que ter respeito, há mais dois jogos pela frente. A Chapecoense está na final da Sul-Americana, mas todo mundo quer tirar uma casquinha do líder do campeonato. O jogo vai chamar atenção do Brasil todo. Temos mais duas finais. Teremos que jogar com a mesma cabeça para ter sucesso.

O que espera do Maurício Galiotte como presidente do Palmeiras? Qual será o seu cargo?
Tenho certeza que escolhi a pessoa certa e no momento certo. Minha expectativa é que seja um grande presidente. Não tenho cargo definido. A única coisa que disse é que estarei à disposição para o que ele precisar. Da mesma maneira que ele se dedicou como primeiro vice-presidente da minha gestão, me dedicarei à dele de corpo e alma, da maneira que ele achar melhor. Não tenho obrigação de ocupar cargo. Ele não me deve contrapartida.

Além de você e seus apoiadores, o Galiotte também tem relação próxima com o grupo de Mustafá Contursi, que é próximo ao seu, mas com o qual também tem divergências. Como espera que ele lide com possíveis divididas entre os grupos?
Acho que vai ser uma continuidade da nossa gestão. Coisas que deram certo ele tende a levar em um mesmo sentido, e coisas que julgue que não forem legais ele vai mudar. O relacionamento entre os dois grandes grupos, que formam o "grupão" que me deu sustentação, também sustentará o Mauricio.

No seu mandato, o Palmeiras teve ajuda de empréstimos seus. Quanto o Palmeiras ainda te deve?
Não comento números. Mas o palmeirense precisa ter ciência que o Palmeiras já me paga e anda com as próprias desde 2015. Fica a insegurança: 'o Paulo vai sair e quem vai bancar o clube?'. O Paulo não banca o clube. Em 2013 e 2014 eu reequacionei as dívidas de curto e médio prazos para virar tudo longo prazo e dar tranquilidade ao clube. Mas não sou mecenas, não dei dinheiro ao clube, dei condições de o clube equacionar as suas dívidas. Todo o dinheiro aportado já me pagam desde 2015. Que o palmeirense não se preocupe com isso.

Qual o valor da taxa dos juros que o clube paga sobre esse empréstimo?
Cem por cento do CDI (Certificado de Depósito Interfinanceiro, taxa de juros nos empréstimos entre bancos)

Não seria mais transparente divulgar os números e condições do empréstimo?
Não. Se eu achasse, eu faria. Acho que é uma coisa interna do clube. Quem tem que saber isso é o Conselho de Orientação e Fiscalização do clube e o Conselho Deliberativo, que aprovou o empréstimo.

Você teria rentabilidade maior investindo esse dinheiro...
Muito maior. Porque na quantidade de dinheiro que foi aportada você consegue rentabilidades muito superiores ao CDI no mercado financeiro.

Mas você vai perder dinheiro no seu mandato?
Não. Nunca se perde dinheiro com o Palmeiras. É sempre um investimento.

Já ouviu algum comentário desmerecedor de outros dirigentes? Algo como 'o Palmeiras só está assim porque o Paulo é rico'?
O mercado de uma maneira geral tende a simplificar as coisas. Dizem que só estamos bem porque eu tenho dinheiro. Ninguém vê todo o trabalho que foi feito, toda a reestruturação. Você tem que fazer um trabalho estrutural. Quem recuperou o Palmeiras foi sua grandeza, não eu. Eu talvez tenha encurtado o processo. Outro presidente que não tivesse minha condição financeira faria a mesma coisa, só que demoraria um pouco mais. É só você ser de verdade, vestir as calças da presidência. Não pode usar a presidência para aparecer por aí falando da sua vida pessoal nem usar a imagem da presidência do Palmeiras para se alavancar politicamente. Ser presidente do Palmeiras é ser impopular.

Quem não gosta de mim diz que eu sou teimoso. Quem gosta, fala que sou perseverante. De um lado, ditador; de outro, firme. São sinônimos.

Hoje é impossível um empresário ser dono de um clube no Brasil como acontece na Europa. Mas você acha que seria uma solução para o futebol aqui? Nesse cenário, você compraria o Palmeiras?
Uma coisa que dá certo na Europa não dá certo aqui necessariamente. Eu não vejo cultura no Brasil para um grande clube ser de uma pessoa. Espero que o Palmeiras tenha um valor que só pessoas muito muito maiores que eu possam adquiri-lo.

Existe a possibilidade de você comprar o Allianz Parque?
Nenhuma. Às vezes o palmeirense interpreta as coisas da maneira que o deixa mais feliz. Eu não tenho o tamanho que acham que tenho. O Palmeiras também não tem condição de "bidar" a arena. A gente deve muito dinheiro ainda. De nada adianta essa discussão se quem tem os direitos não tem interesse em vender. A parceira nunca manifestou oficialmente a vontade de vender. Caso isso aconteça algum dia, podemos pensar em cotizar entre os torcedores ou tentar algo no mercado financeiro. Mas só quando colocarem preço. Nunca chegou perto disso.

Palmeiras foi o único clube grande que não aderiu ao Profut [lei para ajudar os clubes a quitarem suas dívidas]. Por quê?
Primeiro, porque o Conselho de Orientação e Fiscalização entendeu que não era o melhor momento, já que a lei nem estava regulamentada ainda e poderia mudar para algo que não nos favorecesse. Segundo, porque o Profut tem muitas coisas boas que o Palmeiras já faz. Terceiro, o Profut tinha certa ingerência na autonomia dos clubes. Como não estávamos com a faca no pescoço como outros, tivemos tranquilidade para decidir.

O que seria essa ingerência?
Por exemplo, aquele conselho para fiscalizar as contas dos clubes. Isso é uma coisa interna. Tem muita gente que é bem intencionada que cria uma lei, mas depois para aprovar entram tantas emendas que o objetivo inicial é deturpado, vira um Frankenstein.

Qual foi o maior acerto da sua gestão?
Ter conquistado a confiança do torcedor. Foi porque o torcedor passou a ter credibilidade na gestão que ele passou a abraçar o time de maneira absurda e foi o estopim de toda a virada. Peço que o torcedor não deite em berço esplêndido, não deixe a soberba chegar. Vire sócio Avanti. Mesmo com patrocinador, arena rentável, contratos de todos os gêneros, o torcedor faz com que a gente possa ser autossuficiente. Nossa massa crítica é imensa. Peço um presente para o Paulo aqui, que está deixando o clube, para todos aqueles que tanto me enaltecem: cada Avanti faça um amigo virar Avanti. O engajamento do palmeirense é o diferencial. É fundamental para o nosso futuro.

Fale um pouco do seu apoio ao cerco que a PM tem feito em torno do Allianz Parque, permitindo a aproximação somente das pessoas que têm ingresso.
Meu apoio não é em nada que vá chatear ou prejudicar o torcedor. As pessoas precisam ver as coisas para além do próprio umbigo. Ali na frente, onde há um acúmulo de pessoas, vêm com elas um bando de bandidos, que ficam furtando carteiras a rodo. Tem mais de cem ocorrências por jogo. Tem muitas pessoas que pirateiam produtos do clube e vendem na rua Palestra Itália. O clube não ganha nada com isso. É crime. Tem muito ambulante vendendo cerveja, e não pode fazer isso a 300 m do estádio. O que cobrei do Ministério Público, da PM e da Prefeitura? Que organizassem a Palestra Itália. Tem muitos cidadãos de bem, sócios do clube, que não conseguem passar por lá. Nós sabemos que para poder trabalhar vendendo cerveja ou pirataria tem uma milícia que as pessoas tem que pagar para trabalhar por lá.
Mas precisa lapidar as ações. A operação precisa ser melhorada. E o clube está 100% à disposição para ajudar a expurgar dali os bandidos.

Uma contrapartida da ação não seria uma elitização do entorno do estádio, já que só quem tem ingresso pode chegar perto?
Não. Quem tem ingresso entra dentro do estádio. Lá na rua tem uma festa popular. Tem que se achar uma solução sem infringir a lei.

Mas há um tipo de torcedor que tradicionalmente faz a festa nas redondezas do estádio e não tem dinheiro para pagar ingressos e entrar no estádio. Agora ele também não pode se aproximar do Allianz Parque.
É uma coisa que tem que ser avaliada para minimizar a dor de cabeça desse torcedor específico. Mas como estava, não dá.

Como estão as negociações dos direitos de transmissão em TV fechada do Palmeiras, o único grande que não se decidiu entre SporTV e Esporte Interativo para o ciclo que começa em 2019?
Conversamos com os dois players. Com um deles [SporTV], a coisa foi para a frente mas a pessoa que estava negociando conosco não conseguiu aprovação da nossa proposta internamente. Com o outro [Esporte Interativo], está se tentando uma aprovação interna nos moldes do que o Palmeiras quer. Não está mais nas mãos do Palmeiras. Discutimos à exaustão, agora cabe a um dos players [Esporte Interativo] decidir.

Pensa em voltar a ser presidente do Palmeiras?
Não digo dessa água não beberei, mas hoje não está nos meus planos. Torço para que o Maurício faça uma excepcional presidência e que o Palmeiras esteja cada vez melhor.

Cuca continua?
Isso é com Galiotte, não mais com Nobre.

E sobre reforços para a próxima temporada? Tem uma estimativa, ao menos?
Não comentamos contratações que não foram assinadas. Sobre a estimativa, vou deixar com o Galiotte.

E qual é a meta do time?
Honrar a camisa jogo a jogo, independente do campeonato. Conquistas são consequência.

Na sua gestão, qual jogador você acha que virou ídolo? Há dois quadros do Prass na sua sala.
Foram presentes que ganhei. O maior ídolo da minha vida é o Evair. Ninguém vai superá-lo. Nos meus quatro anos, posso citar muitos com os quais gostei muito de trabalhar. Tem um que representa todo o grupo de jogadores com o qual trabalhei: o Marcelo Oliveira, do Grêmio. Muito bom caráter, uma pessoa que sempre se dedicou e honrou a camisa do Palmeiras. Se eventualmente ganhar esse título da Copa do Brasil, ficaria feliz por ele. Na figura dele, quero cumprimentar todos os jogadores que passaram por aqui.

Agora, se for citar um grande ídolo: Prass, sem dúvida alguma. Mas também poderia falar Jesus, Vitor Hugo, Moisés. Para mim, são todos meus filhos, tenho carinho por todos eles.

A CBF é comandada pelo Marco Polo Del Nero [que é conselheiro do Palmeiras e tem amizade com Nobre], que não viaja para fora do país devido ao risco de ser preso. Isso não depõe contra o futebol brasileiro?
Acho que não. Acho que os presidentes estão aparecendo muito. Sonho com o dia que as pessoas nem percebam que um presidente entrou e saiu do Palmeiras. O presidente tem obrigação de fazer uma boa gestão, não necessariamente de acompanhar ao vivo todos os jogos. Eu, por exemplo, vou a todos os jogos do Palmeiras. Deu certo nos últimos anos, mas também fui a todos em 2014. É uma questão de estilo de presidir. Não é porque alguém deixa de ir a um jogo fora do país que se torna um presidente pior.

E você pensa em seguir carreira política fora do Palmeiras?
Não. Não faz parte dos meus planos. Sou tão ligado ao Palmeiras que seria um pouco incompatível eu ter algum cargo para dirigir o futebol brasileiro. Não acho que orna.


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