Folha de S. Paulo


O dia em que Ronaldo derrubou Argentina e Mineirão vibrou com rival

Na entrevista coletiva dos jogadores Buffarini e Enzo Pérez, da Argentina, a pergunta que encerra o evento destoa. "Queria saber o que sentem, o que significa para vocês disputar um clássico? Já perguntaram muito sobre a tabela, sobre voltar a Minas Gerais O significa para vocês enfrentar o Brasil? O que significa para a sua família e o seu bairro?".

O autor é Juan Pablo Sorín, 40, ex-lateral da seleção argentina e tratado carinhosamente como "capitán" (por ter usado a braçadeira) por jogadores e jornalistas que cruzam seu caminho no centro de treinamento do Atlético-MG. Para ele, esses enfrentamentos têm o poder de romper o aspecto pasteurizado que envolve parte do futebol de hoje.

"Eu adorava jogar clássicos e partidas grandes. É legal, porque os jogadores geralmente lembram das pessoas queridas, de sua família, de seu bairro. A pergunta que fiz tem a ver com o que eu sentia e sinto hoje como torcedor, que é o desejo de recuperar esse espírito amador. Acho que o esporte tem muito a ver com isso. Jogar um clássico –tirando todo o folclore e todas as provocações– tem a ver com os sonhos de criança dos jogadores de participar de grandes partidas", diz "Juanpi", que atualmente é comentarista da ESPN.

Tendo enfrentado o Brasil diferentes vezes ao longo da carreira, ele protagonizou momento singular na história do clássico. No Mineirão, em 2004, durante partida válida pelas eliminatórias da Copa de 2006, ele teve seu gol comemorado pela torcida adversária.

Com o placar parcial em 2 a 0 para o Brasil, aos 34 minutos do segundo tempo, o meia Aimar cabeceou na trave um cruzamento da direita e Sorín, de carrinho, fez o gol da Argentina. Ídolo do Cruzeiro, clube no qual foi campeão da Copa do Brasil (2000) e de duas Copas Sul-Minas (2001,2002), Sorín, à época no PSG, teve o gol comemorado pelas arquibancadas e o seu nome cantado.

"Parecia cena de filme. No momento, talvez tenha pensado que era criação da minha imaginação. Havia feito um gol no Brasil, quase não tinha argentinos presentes no Mineirão e ouvi aquele grito 'gooool'. É eterno, como gosto de falar. Foi um privilégio. Gostaria de ter ganhado o jogo, mas ter feito gols em clássicos e ter sido capitão da Argentina são orgulhos que levo para sempre".

Do lado brasileiro, a estrela da noite foi o atacante Ronaldo, revelado no Cruzeiro e à época no Real Madrid, que anotou três gols na vitória por 3 a 1. Os tentos foram marcados de pênalti, todos sofridos por ele mesmo.

"Jogar contra a Argentina é sempre uma dose extra de emoção para os brasileiros. A gente entra em campo sentindo uma responsabilidade ainda maior. Aquela partida em 2004, quando assumimos a liderança nas eliminatórias da Copa, foi inesquecível. Significou muito pra mim. As lesões quase encerraram minha carreira precocemente. Teremos agora um reencontro importante da seleção com o Mineirão", diz o ex-jogador de 40 anos à Folha.

Sobre a atuação marcante de Ronaldo no 3 a 1, Sorín se rende, mas, naturalmente, com comedimento.

"Ele fez os três de pênalti, né? A Argentina fez uma boa partida, não fizemos os gols quando éramos superiores, com aquela ideia do [técnico Marcelo] Bielsa de pressionar alto e sempre sermos protagonistas onde quer que jogássemos. Foi um pênalti atrás de outro. Talvez não tenha sido a melhor partida do Ronaldo, apesar dos três gols, mas foi um craque sensacional. Desejo o maior sucesso a ele com as suas academias pelo mundo, porque tem muitos meninos que o admiram, assim como se espelham no melhor do mundo, que hoje é nosso, por sorte, Lionel Messi", diz, sorrindo.

Sobre a distância entre Brasil, líder, e Argentina, sexta colocada, na tabela de classificação, Sorín analisa alguns pontos que acredita precisarem de melhorias.

"Nas últimas três partidas, a Argentina deixou muitas dúvidas porque não teve constância. Tem que ter maior intensidade, maior mobilidade, e uma coordenação de ataque, ou seja, não ser um time previsível, como aconteceu recentemente. São muitas coisas para resolver em pouco tempo. Imagino a cabeça de Bauza. Ouvi ele dizer que 'não dorme mais'. E é normal, pois tem muito para resolver em pouco tempo, e o futebol resolve tudo em um lance de sorte".

"É um momento ideal para a Argentina dar um golpe de autoridade, ganhar do Brasil e na sequência da Colômbia. São duas finais. Se pudesse, gostaria de estar em campo", conclui.

Roberto Schmidt/AFP
O lateral-esquerdo Juan Pablo Sorín em jogo da Copa de 2006
O lateral-esquerdo Juan Pablo Sorín em jogo da Copa de 2006

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