Folha de S. Paulo


Caricato, superagente representa astros como Pogba e Ibrahimovic

Jacopo Raule/Getty Images
MILAN, ITALY - MARCH 05: Mino Raiola (R) and Mario Balotelli are seen on March 5, 2013 in Milan, Italy. (Photo by Jacopo Raule/Getty Images) FOTO COM CUSTO ORG XMIT: 163312079 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
À direita, o ítalo-holandês Mino Raiola, agente do atacante Mario Balotelli (à esq.) e outros jogadores

Se você tivesse que adivinhar o emprego de Mino Raiola com base em sua aparência e trajes, diria que ele é um garçom de pizzaria em uma cidade pequena, aproveitando seu dia de folga. Na verdade, Raiola cresceu trabalhando no restaurante de sua família, e continua a prestar serviços impecáveis.

Desde o momento em que nos encontramos, em suas acomodações por sob o apartamento de seus pais, em uma avenida sem qualquer atrativo no centro da cidade holandesa de Haarlem, ele tenta antecipar todas as minhas necessidades. Onde eu preferiria me sentar? Aceito uma bebida energética? Não está calor demais para que eu fique de paletó?

O ítalo-holandês gorducho e de óculos com quem estou conversando talvez seja o mais influente agente de futebol do planeta. Não é coincidência que o Manchester United tenha contratado três dos seus clientes na última janela de transferência: Paul Pogba (pelo valor recorde de 89,3 milhões libras), Slatan Ibrahimovic e Henrikh Mkhitaryan. O seleto elenco representado por Raiola inclui também Mario Balotelli, o grande talento não realizado da geração atual de craques do futebol.

Quer você goste de Raiola, quer o odeie (e Sir Alex Ferguson o odeia), ele ajuda a dar forma ao mercado de transferências do futebol. Raiola é uma das grandes forças que determinam que jogadores terminarão em que clubes.

Para me ajudar a compreender de que maneira ele aprendeu seu negócio, Raiola caminha comigo por algumas centenas de metros, de seu apartamento ao lugar em que tudo começou, a bela e antiga praça Grote Markt ["Grande Mercado"] em Haarlem. A família dele se transferiu do sul da Itália para Haarlem em 1968, quando Mino era bebê. Diversos ramos da família emigraram juntos; ele diz que 35 pessoas do clã viviam em três casas adjacentes. Os Raiola abriram uma pizzaria chamada Napoli, na Grote Markt.

Marco Bertorello/AFP
Juventus' midfielder Paul Pogba from France celebrates after scoring during the Italian Serie A football match Juventus vs Palermo on April 17, 2016 at the Juventus stadium in Turin. / AFP PHOTO / MARCO BERTORELLO
Pogba, quando defendia a Juventus, comemora gol sobre o Palermo no Campeonato Italiano

Acomodamo-nos nas cadeiras de uma mesa ao ar livre, no restaurante italiano que agora ocupa o espaço da pizzaria. O proprietário me serve um expresso gratuito, enquanto Raiola contempla o seu antigo domínio. Um transeunte passa e acena, e Raiola responde: "Ei, como estão as coisas?", antes de se voltar para mim e dizer "não faço ideia de quem seja esse cara".

Ele recorda: "Meu pai trabalhava 18, até 20 horas por dia, aqui. Ele é extremo, em questões de trabalho. Quando eu tinha 11 ou 12 anos, comecei a trabalhar com meu pai e com isso aprendi a conhecê-lo. Ele ficava na cozinha. O que eu podia fazer lá? Comecei a lavar pratos. Ainda gosto de lavar pratos. Limpar coisas me traz alguma paz, ver o resultado instantâneo daquele trabalho".

Não demorou para que o pequeno Mino, em traje típico, começasse a servir mesas. O trabalho refinou seu talento natural para conversar com as pessoas (em geral duas vezes mais rápido que um ser humano normal). Ele perguntava aos fregueses o que eles estavam com vontade de comer, e criava cardápios personalizados para eles. O modelo de negócios funcionou: pelas contas de Raiola, sua família terminou dona de 11 restaurantes.

Raiola falava holandês melhor que seu pai e, quando adolescente, já estava negociando com bancos em nome dele, ou visitando o prefeito de Haarlem sem se preocupar com marcar hora. Ele também falava italiano, ou pelo menos napolitano, fluentemente. Quando um freguês do restaurante se queixou de problemas com seus fornecedores italianos, Raiola resolveu a dificuldade. Ele criou uma empresa, a Intermezzo, para ajudar companhias holandesas a fazer negócios na Itália.

Aos 19 anos, e sem deixar o negócio da família, ele se tornou milionário ao adquirir um McDonald's local e vendê-lo a um incorporador de imóveis. Depois disso, ele afirma, o dinheiro deixou de ser sua principal motivação.

A paixão dele, em suas poucas horas vagas, era o futebol. Ele havia sido um jogador decente no juvenil, e no começo da casa dos 20 anos, depois de abandonar a faculdade de direito, se tornou diretor de futebol de um time profissional local, o FC Haarlem (que mais tarde fecharia as portas). Ele desenvolveu um audacioso plano para contratar o brilhante adolescente Dennis Bergkamp junto ao Ajax de Amsterdã, mas logo se desentendeu com os demais diretores do clube - a quem Raiola encarava como velhos caretas.

Em 1992, a Intermezzo ajudou na transferência do ala holandês Bryan Roy do Ajax ao Foggia, na Itália. O atendimento personalizado de Raiola a Roy inclui viver com ele sete meses em Foggia, e ajudá-lo a pintar sua casa. Na sua estadia em Foggia, Raiola conheceu a mulher com quem viria a se casar. Também se familiarizou com o peculiar mundo do futebol profissional.

Como um forasteiro, e um forasteiro parecido com Billy Bunter, personagem gorducho dos contos juvenis do inglês Charles Hamilton, Raiola ocasionalmente era esnobado pelos figurões futebolísticos. Era comum que lhe fizessem a pergunta "mas quem é você?" O desdém, no entanto, era mútuo. Ele recorda que "eles não me impressionaram em nada".

Muitos dos principais executivos do futebol haviam chegado a seus postos porque eram antigos jogadores, e por isso conhecidos. "O incesto torna o mundo mais fraco", ele diz. "O futebol é um mercado burro porque eles querem mantê-lo burro. É um mundo fechado, com potencial gigantesco e imenso giro de dinheiro, mas muitas vezes administrado por pessoas sobre as quais penso 'mas quem c...lho é esse cara?'"

Um dos raros executivos inteligentes, na opinião de Raiola, era Luciano Moggi. Quando Raiola o conheceu, no começo dos anos 90, Moggi era diretor de futebol do Torino, e uma reunião entre eles estava marcada para as 11h. Raiola, compulsivamente pontual, chegou às 10h45min.

"Fui levado a uma sala e era como um consultório de dentista - havia 25 pessoas lá, todas fumando, olhando as coisas e papeando. Às 11h15min, ninguém havia me atendido. Fui até a mesa da secretária e pedi que ela dissesse a Moggi que eu estava esperando, e perguntei quanto tempo ia demorar. Ela me olhou e disse que todas aquelas pessoas estavam esperando por Moggi".

Raiola, que tinha 20 e poucos anos e quase nenhum contato no mundo do futebol, informou à secretária delicadamente que não ficaria tomando chá de cadeira.

"Duas horas depois, me encontrei com Moggi em um restaurante, cercado por aquele séquito de 25 pessoas, todos almoçando juntos". De acordo com Raiola, ele se aproximou e a seguinte conversa aconteceu:

Raiola: "Você é o senhor Moggi?". Moggi: "Sim". Raiola: "Foi muito grosseiro de sua parte me fazer esperar". Moggi: "E quem é você?" Raiola: "Meu nome é Raiola". Moggi: "Ah, você é o Raiola. Se continuar sendo assim desagradável para comigo, nunca conseguirá vender um jogador na Itália".

Mas não demorou para que Raiola estivesse vendendo jogadores a times italianos. Em Foggia, ele fez amizade com o treinador da equipe local, um tcheco workaholic chamado Zdenek Zeman. Eles conversavam obsessivamente sobre futebol. Um dia, Raiola disse a ele: "o jogador que você quer não existe. Teria de ser o jogador perfeito, que corresse 17 quilômetros por partida, driblasse como Maradona e treinasse mais que o necessário".

Mas então, na metade dos anos 90, por meio de contatos na República Tcheca, Raiola descobriu o jogador perfeito encomendado por Zeman - outro tcheco, Pavel Nedved. Raiola diz, hoje: "Pavel Nedved é um extremista. A única coisa que ele pensava a respeito de si mesmo é que na verdade não jogava grande coisa. Mas treinava mais que qualquer outro jogador". Nedved treinava no clube como uma espécie de aperitivo e depois, ao chegar em casa, treinava ainda mais duro no jardim. Em 1996, Raiola vendeu o passe de Nedved ao novo clube de Zeman, a Lazio, em Roma.

Os dois tchecos reforçaram a lição que Raiola havia aprendido com seu pai: são os "extremistas" que encontram sucesso. Raiola se tornou um deles. Há mais de 20 anos, ele viaja pela Europa levando uma pequena mala, e trabalha sem parar. "Isso me custou coisas", ele admite. "Não vi meus filhos crescerem". Raiola e a família vivem em Mônaco, mas só em parte por motivos tributários, diz o agente.

Se Raiola um dia escrever sua autobiografia (o que ele ocasionalmente ameaça fazer), o título deveria ser "A Arte do Contrato". Negociar contratos, diz ele, "é como uma final de campeonato para mim".

Há um retrato revelador em "Obrigado, Mino", relato do ex-futebolista holandês Rody Turpijn sobre sua transferência do Ajax ao pequeno De Graafschap, em 1998. Raiola e Turpijn foram a uma reunião com o presidente do clube em um motel suspeito à beira de uma estrada. Depois de o agente abrir a conversa falando sobre Nedved, o que era tanto uma expressão de emoções sinceras quanto uma jogada calculada para demonstrar seu status, o presidente do time rabiscou em uma folha de papel o valor do salário que estava oferecendo ao jogador. "Não parecia ruim", pensou Turpijn. Era mais do que ele ganhava no Ajax. E nenhum outro clube estava interessado nele.

Mas Raiola exclamou: "Quanto você acha que ele ganha no Ajax? Essa não é uma proposta séria. Vamos lá, Rody, melhor não desperdiçar nosso tempo". Ele se levantou para sair, e Turpijn obedientemente o seguiu. O presidente apelou para que ficassem. Nos 20 minutos seguintes, Raiola negociou um contrato (incluindo todos os adicionais possíveis) que, de acordo com Turpijn, "garantiu meu futuro. Não só pelos quatro anos em que eu defenderia o De Graafschap, mas pelo resto da minha vida".

A história ilustra uma das máximas de Raiola: mesmo uma pequena transferência pode mudar a vida de alguém.

Raiola costumava insistir com Turpijn que ele deveria se inspirar mais em Nedved. Isso não aconteceu. Depois de uma passagem decepcionante pelo De Graafschap, Turpijn se aposentou do futebol aos 25 anos e entrou alegremente na universidade. Mas a abordagem de Raiola funcionou junto a um futebolista muito mais ambicioso que ele conheceu no Ajax em 2001 - um atacante sueco de origem iugoslava chamado Zlatan Ibrahimovic.

Raiola é um dos personagens centrais de "I Am Zlatan", a autobiografia de Ibrahimovic. Não surpreende, porque a maior influência sobre a carreira de um futebolista moderno talvez seja seu agente. O relacionamento entre eles é muito mais estreito do que o elo, mais passageiro, que une atleta e treinador. Isso é especialmente válido para Raiola, que mantém um elenco pequeno de atletas a fim de poder oferecer atendimento pessoal a cada um deles.

Os dois imigrantes fizeram sua primeira reunião no Yamazato, um elegante restaurante japonês em Amsterdã. Ibrahimovic estava de terno. "E quem chegou para conversar comigo? Um cara de jeans e uma camiseta Nike, e com uma barriga digna de um personagem de 'Família Soprano'", escreveu o jogador em seu livro. (Raiola acredita que não usar terno seja uma vantagem, porque leva as pessoas a subestimá-lo.)

Raiola pode se apresentar como um sujeito gentil ou como um sujeito combativo, e ele sabia qual das duas versões Ibrahimovic respeitaria mais. No relato do jogador, Raiola desprezou os pratos japoneses e, enquanto devorava massa suficiente para seis pessoas, criticou o atacante por não estar realizando tudo que podia. Ele fez a Ibrahimovic a pergunta que faz a todos os jogadores: "Você quer ser o melhor do mundo? Ou cara que ganha mais e pode exibir mais posses?" E Ibrahimovic evidentemente respondeu que queria ser o melhor.

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Sweden's forward Zlatan Ibrahimovic gestures during the Euro 2016 group E football match between Ireland and Sweden at the Stade de France stadium in Saint-Denis, near Paris, on June 13, 2016. / AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND
O atacante Zlatan Ibrahimovic durante partida da Suécia na Eurocopa

O sueco ficou impressionado. Ele recorda ter telefonado a Raiola depois do jantar e o convidado para ser seu agente.

Depois de uma longa pausa, Raiola disse: "Está bem. Mas se você quer trabalhar comigo, terá de fazer o que eu digo". Ibrahimovic: "Com certeza, claro". Raiola: "Venda seus carros e seus relógios, e comece a treinar três vezes mais. Porque suas estatísticas são um lixo".

Não demorou para que Ibrahimovic começasse a treinar como Nedved.

Àquela altura, Moggi, o velho inimigo do agente, estava trabalhando na Juventus, um dos grandes clubes da Itália. Um dia ele ligou a Raiola para consultá-lo sobre contratar Nedved para seu novo clube. Raiola recorda a conversa:

Raiola: "Você tem relógio?" Moggi: "Não precisa ser desagradável. Claro que tenho". Raiola: "A que horas nos encontramos?" Moggi: "12h, em Florença". Raiola: "Chegarei às 11h50min, mas vou embora às 12h10min, e depois disso o preço vai dobrar".

As 12h10 min chegaram e Moggi não apareceu. Raiola foi embora. Nedved terminou contratado pela Juventus, e em 2003 venceu a Bola de Ouro como melhor jogador da Europa, pelo clube. Agora aposentado, ele continua em contato com Raiola. É esse o estilo do agente: próximo aos seus jogadores, hostil aos clubes e autoridades. (A organização que comanda o futebol mundial, a Fifa, certa vez o multou por chamar seu presidente, Sepp Blatter, de "ditador senil"; Raiola passou algum tempo tentando disputar a presidência da organização, depois disso.)

Muitos dos jogadores de Raiola o tratam como fonte de todo tipo de ajuda. Balotelli certa vez telefonou para o agente para avisar que sua casa estava pegando fogo; Raiola disse que seria melhor chamar os bombeiros. Hoje, os jogadores mais jovens que ele representa falam com ele pelo FaceTime. Ele anda pela sala, e os imita quando levantam os celulares para lhe mostrar coisas que querem comprar. "Estou visitando essa casa. O que você acha dela?". Raiola ri carinhosamente.

Ele vê seus jogadores como amigos? "Noventa e nove por cento deles, sim", responde o agente.

Portanto, ele não vê Pogba como cliente? "Eu não o vejo de modo algum como cliente. Ouso dizer que para mim ele é parte da família".

Sugiro que Raiola transformou o modelo de uma pizzaria familiar atendendo a clientes regulares em uma agência de futebol. Os olhos dele se iluminam. "Inconscientemente, sim. Quando você diz isso, me arrepio um pouco. E é verdade. Não nos víamos como uma simples pizzaria".

O que vocês eram, então? "Um lar. As pessoas iam à nossa casa comer".

O modelo de negócios dele dá forma ao seu lugar de trabalho em Haarlem. Futebolistas tendem a se sentir desconfortáveis em escritórios, e por isso o espaço é essencialmente uma cozinha, com um televisor em um canto para exibir jogos. Em uma das prateleiras da cozinha, uma placa diz "Ristorante Napoli, Haarlem".

É comum pensar que clubes e treinadores decidem que jogadores contratar. Muitas vezes, porém, a força propulsora é o agente. Raiola explica que "sempre tento formular um objetivo com o jogador. Determinamos o que queremos, e não vamos ficar sentados esperando para ver em que direção o vento sopra". Em 2004, ele decidiu que Ibrahimovic deveria jogar pelo mais "extremo" time italiano, a Juventus. Vestindo shorts de praia e coberto em suor depois de uma corrida não planejada pelas ruas de Turim, ele fechou acordo com Moggi para uma transação de 16 milhões de libras.

Na Juve, Ibrahimovic pôde ver em pessoa como Nedved treinava duro. "Eu achava que era exagero seu, mas é verdade", disse o sueco a Raiola. Nedved disse ao jovem atacante que "você nem sabe o talento que tem". Ibrahimovic uniu a ética de trabalho do tcheco ao seu talento superior.

A odisseia de 15 anos de Ibrahimovic pela Europa revela um dos dons de Raiola: antecipar as mudanças no mercado de transferências. Raiola diz que "pode parecer arrogante, mas percebi todas as mudanças pelas quais o mundo do futebol passou antes que elas acontecessem".

Em 2006, surgiu a informação de que Moggi costumava ligar para os juízes escalados para jogos da Juve antes das partidas. Raiola percebeu que o clube sofreria por isso. Meses antes que a Juventus fosse rebaixada para a segunda divisão, como castigo, ele negociou a transferência de Ibrahimovic para a Inter de Milão. Em 2009, ele o transferiu ao Barcelona - uma transferência que deu errado quando o treinador Pep Guardiola decidiu não utilizar o jogador. Qualquer menção ao nome de Guardiola ainda serve como gatilho para uma das tiradas quase instintivas de Raiola: "Covarde", "capado", etc. Mesmo assim, ele rapidamente negociou a transferência de Ibrahimovic para o Milan.

Em 2012, Raiola tirou o jogador da Itália. "Ele não queria sair de jeito nenhuma. Mas eu vinha dizendo ao Milan há anos que eles não tinham mais como arcar com salários daquela dimensão". A economia futebolística italiana estava em declínio, e um grupo de ricos investidores do Qatar havia acabado de comprar o Paris Saint-Germain. Ibrahimovic se transferiu relutantemente a Paris - onde ele faturou 14 milhões de libras e vaga em um time de primeira linha, enquanto o Milan afundava.

Ibrahimovic, depois de 15 anos como cliente de Raiola, é o segundo mais caro futebolista da história, pelo total agregado de suas transferências, atrás de Angel Dí Maria. No período, clubes pagaram um total estimado em 131 milhões de libras ao sueco por suas transferências. A carreira dele bastaria para tornar Raiola milionário. Quando pergunto se ele recebe 10% do salário de seus jogadores, ele responde: "Ou mais. Ou menos. Mas é algo decidido por acordo, e muito transparente". No entanto, ele insiste em que considera o dinheiro apenas como subproduto de um bom trabalho.

Orientar as carreiras dos jogadores às vezes não dá certo. O maior fracasso de Raiola talvez seja o atacante italiano Mario Balotelli, hoje no modesto Nice, um grande talento não realizado. Raiola diz que Balotelli muitas vezes permitiu que sua atenção às realizações futebolísticas fosse desviada pelo amor.

David W Cerny - 7.jun.2013/Reuters
O jogador italiano Mario Balotelli recebe cartão vermelho durante jogo contra a República Tcheca
Mario Balotelli recebe cartão vermelho durante partida pela seleção italiana

"Balotelli escolheu, consciente ou inconscientemente, não ter o futebol em posição central em sua vida. Assim, sempre houve fenômenos marginais que influenciaram seu desempenho. Zlatan não passa por isso, Pogba igualmente, Nedved tampouco. Mas Quasim Bouy (um talento holandês que não se desenvolveu, e um dos jogadores representados por Raiola) tampouco é parecido com Balotelli".

Raiola assume parte da responsabilidade pelo fracasso de Balotelli?

"Sim. Um grande erro que cometi em sua carreira foi permitir que ele fosse do Manchester City para o Milan, contra minha opinião. Eu deveria ter dito que ele estava fazendo sucesso no City e tinha de ficar lá. Se eu tivesse feito isso, fincado pé, ele teria respeitado minha opinião".

Sugiro que muitos futebolistas, entre os quais possivelmente Balotelli, não têm tanta vontade assim de chegar ao topo. Por que deveriam? Podem ganhar milhões sem se esforçarem demais.

"Bem, isso é verdade", disse Raiola. "É por isso que, em conversas recentes, faço uma pergunta aos jogadores: pergunto por que jogam futebol, o que os motiva".

E qual é a resposta?

"Bem, a maioria deles ainda não pensou sobre isso. Eu os mando para casa com a recomendação de que pensem a respeito".

Alguns anos atrás, Raiola estava em busca de um talento francês de garra inquestionável. Paul Pogba era adolescente, e estava jogando nas equipes de base do Manchester United. Ele não havia chegado ao time principal, e Raiola disse que ele estava ganhando menos do que merecia, mas acrescentou que talvez ele devesse ficar no clube, especialmente porque o United contava com um "treinador fantástico". No entanto, em 2012, ele pediu um contrato melhor para Pogba ao United. Ele narra as negociações em inglês.

Ferguson a Raiola: "Não conversarei com você sem o jogador aqui". Raiola: "É só chamá-lo do vestiário para participar". Pogba chega. Ferguson a Pogba: "Você não quer assinar este contrato?" Pogba: "Não vamos assinar este contrato na forma atual". Ferguson a Raiola: "Você é um babaca".

David Jones/Efe
. Birmingham (United Kingdom), 19/05/2013.- Manchester United's manager Sir Alex Ferguson (C) applauds supporters after the English Premier League soccer match between West Bromwich Albion and Manchester United at the Hawthorns in Birmingham, Britain, 19 May 2013. The match, which ended 5-5, was Ferguson's last before retiring. EFE/EPA/DAVID JONES DataCo terms and conditions apply. https://www.epa.eu/downloads/DataCo-TCs.pdf
Desafeto de Raiola, Alex Ferguson saúda a torcida, na despedida do comando do Manchester United

Raiola não se deixou abalar, em parte porque não sabia o que queria dizer a palavra.

Raiola: "Essa é uma oferta que nem os meus chihuahuas - eu tenho dois chihuahuas - assinariam", Ferguson: "Quanto você acha que ele merece ganhar?" Raiola: "Mais do que isso". Ferguson: "Você é um babaca".

O veredicto público de Ferguson sobre Raiola: "Desconfiei dele desde que o conheci".

Raiola vasculhou os grandes times europeus para decidir onde Pogba deveria jogar. "A Juventus disse que o queria não importava o custo. 'É o melhor jogador que vimos no planeta'". Mas a Juve historicamente mostra pouca paciência com os juvenis. Raiola disse a Pogba que talvez a proposta não fosse boa ideia para ele. O jogador, no entanto, estava determinado a jogar pela equipe italiana.

Raiola disse ter negociado um salário que fazia de Pogba um titular valorizado. Depois, ele perguntou ao futebolista por que ele havia escolhido a Juventus. "Porque sempre escolho o caminho mais difícil, em minha vida", Pogba respondeu. "E esse era o caminho mais difícil". O desempenho dele na Juve foi brilhante, com quatro títulos italianos consecutivos.

Na janela de transferência de julho e agosto, Raiola negociou a ida de Ibrahimovic e Pogba para o United. Por que jogar por um time que não estava classificado para a Champions League e havia se saído mal nos três anos anteriores? Raiola explica: "Porque acredito que o jogador deva ir para o clube que precisa dele. E esse clube precisava deles".

Oli Scarff/AFP
Manchester United's Dutch midfielder Memphis Depay (C) celebrates after scoring his team's second goal during the UEFA Champions League play off football match between Manchester United and Club Brugge at Old Trafford in Manchester, north west England, on August 18, 2015. AFP PHOTO / OLI SCARFF ORG XMIT: 4547
Depay comemora gol do Manchester United sobre o Brugge pela Champions League em 2015

Ele havia previsto que o United precisaria de ajuda no começo da temporada de 2015/2016, quando o clube contratou os jovens atacantes Anthony Martial e Memphis Depay. Raiola diz que sabia que eles não dariam certo. "Não se o caso era começar a jogar bem de imediato", ele diz, socando sua mão gorda com seu punho gordo.

"Martial e Depay chegam com a responsabilidade de carregar uma instituição gigantesca como o Manchester United? Por isso, já no ano passado eu disse ao pessoal do clube que eles precisavam de um cara como Zlatan para restaurar o equilíbrio. As atenções agora ficam concentradas em Zlatan. Ele tem experiência, e ousa assumir a responsabilidade".

E Raiola diz que o United também precisava de Pogba. O treinador José Mourinho historicamente prefere contratar jogadores representados pelo seu agente, Jorge Mendes, mas agora parece contente em trabalhar com o holandês.

Raiola diz que "eu conhecia Mourinho desde a época da Inter, e lá nosso relacionamento era ruim. Eu disse coisas sobre ele aos jornais. Mas creio que Mourinho seja inteligente o bastante para compreender o que faço. Nos clubes que me compreendem, tenho três ou quatro jogadores. Hoje no United, e antes na Juventus, Milan, Paris Saint-German". Em casos como esses, ele se torna um "consultor interno" do clube. O que logicamente significa que precisa arcar com parte da culpa pelo desempenho horrendo do United no momento.

Em agosto, o United pagou a soma recorde de 105 milhões de euros por Pogba. Raiola diz que recebe apenas uma comissão sobre o salário do jogador –mas e quanto às reportagens de que os clubes lhe pagaram 20 milhões de euros, como comissão sobre a transferência? "Não posso falar sobre o contrato, mas em um contrato como o de Pogba, não são só os times que faturam com isso", ele disse.

Você recebeu comissão da Juventus?

"Não –não da forma que você está dizendo".

Você recebeu dinheiro da Juventus, então?

"Tenho de descobrir como expressar a questão de uma forma que não permita que a Juventus use a lei contra mim. Hmm. Como dizer? (Longa pausa.) Sim, na transação a Juventus não era a única proprietária dos direitos sobre o jogador".

Mas o controle de jogadores por terceiros (TPO) não foi proibido?

"Não na época. Só depois" [pela Fifa em 2015].

Assim, até que a TPO fosse proibida, você era dono de parte dos direitos de transferência de atletas?

"Não com frequência. Mas em alguns casos".

E Pogba era um deles?

"Não é TPO. Temos de ter cuidado com a definição legal de TPO. Mas digamos que, naquele caso, havia uma vantagem para o nosso lado. E por nosso lado, quero dizer o lado do jogador.

"E isso deixou de ser permitido?"

"Não é mais permitido".

A Juventus afirma que "terceiros nunca detiveram direitos de transferência de jogadores".

Raiola se vangloria de ter tido excelentes jogadores em todas as eras, e está ocupado fazendo planos para o futuro. "Há oito ou nove jogadores na seleção [juvenil] brasileira, um melhor que o outro. Tenho [Gianluigi] Donnarumma, do Milan, que tem 17 anos e já é goleiro titular. Tenho um ótimo atacante juvenil na Juventus, Moise Kean, 16, que pode estrear este ano." Raiola não parece estar planejando a aposentadoria.

Muitos futebolistas perdem seu dinheiro ao se aposentar. A Associação de Futebolistas Profissionais da Inglaterra estimou que entre 10% e 20% dos ex-jogadores terminem falindo. Isso é algo sobre o que Raiola pensa bastante. "Veja, há jogadores que conseguem ganhar entre 50 milhões e 200 milhões de libras [em suas carreiras]. Como investir, ou não investir, esse dinheiro? As pessoas sempre propõem negócios aos jogadores. Ele imita uma voz jovem, entusiástica: 'Mino, um amigo tem uma imobiliária, e eles têm um projeto, e me ofereceram 14% de retorno, garantido".

"Mas também é preciso ficar de olho nos bancos. Os bancos também querem vender produtos. Agora tenho uma carteira [de investimento] para diversos jogadores que, tudo somado, tem 900 milhões de libras em fundos. E somos mais conservadores que os conservadores. Sempre digo aos jogadores que nós não investimos. Queremos que o jogador encerre a carreira com todo dinheiro que ganhou e mais –nunca menos. O que sugiro é comprar uma casa e manter o resto do dinheiro no banco, mesmo com juros baixos. O jogador não tem de viver dos juros. Melhor não investir em coisas sobre as quais eles nada conhecem".

"Todos os jogadores, no começo, querem um restaurante, hotel ou café. Eu venho do ramo de restaurantes, e sempre digo que não quero saber disso, zero. Porque sei como funciona".

SIMON KUPER é colunista do "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI.


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