Folha de S. Paulo


Em crise, basquete brasileiro vê dívida crescer 1.350% em seis anos

Charlie Neibergall/Reuters
2016 Rio Olympics - Basketball - Preliminary - Men's Preliminary Round Group B Argentina v Brazil - Carioca Arena 1 - Rio de Janeiro, Brazil - 13/08/2016. Nene Hilario (BRA) of Brazil shoots over Luis Scola (ARG) of Argentina. REUTERS/Charlie Neibergall/Pool FOR EDITORIAL USE ONLY. NOT FOR SALE FOR MARKETING OR ADVERTISING CAMPAIGNS. ORG XMIT: MJB29
O pivô Nenê, da seleção brasileira, em ação na derrota para a Argentina, nos Jogos do Rio

O basquete brasileiro saiu dos Jogos Olímpicos do Rio com o pior desempenho de sua história. A equipe masculina, que mirava medalha, sucumbiu ainda na primeira fase, e terminou em nono.

A feminina fez pior. Encerrou o torneio na 11ª posição, sem nenhum triunfo. As duas campanhas são o retrato mais evidente da situação de penúria por que passa a modalidade no país.

Os problemas transcorrem principalmente fora da quadra, porém, obviamente, respingam em cestas e rebotes. A CBB (Confederação Brasileira de Basquete), entidade máxima dentro do país, está no cerne da questão.

Desde que Carlos Nunes assumiu seu comando, em 2009, as dívidas da confederação saltaram de R$ 1,1 milhão (em valores corrigidos pelo IPCA-IBGE, base 2015) para R$ 17,2 milhões, de acordo com o balanço de 2015.

AS CONTAS DA CBB

A alta nos dados, mapeados pelo professor de contabilidade Jorge Eduardo Scarpin, da Universidade Federal do Paraná, foi de cerca de 1.350% em seis anos. A previsão é que o débito atinja R$ 19 milhões ao final de 2016, a julgar pela tendência dos últimos anos.

A CBB temo maior nível de endividamento do esporte olímpico nacional. Se quisesse quitá-lo, ela precisaria usar 71% de sua receita em 2015. Seus maiores credores são, hoje, bancos (Itaú e Bradesco, que, por sinal, a patrocina) e uma financeira. Do total da dívida, R$ 4 milhões dizem respeito a empréstimos e R$ 5 milhões, a antecipação de cotas de patrocínio e TV.

"O endividamento da CBB é alto, crescente e, infelizmente, sem tendência de reversão do quadro nos próximos períodos", disse Scarpin.

A situação falimentar da entidade tem prejudicado diretamente as seleções nacionais de várias categorias. As duas equipes adultas tiveram a presença nos Jogos do Rio posta em xeque depois que a CBB não honrou pagamento à Fiba (federação internacional) por um convite para o Mundial masculino da Espanha, em 2014 –a vaga não fora obtida na quadra.

Em 2015, a federação deu um ultimato à entidade brasileira, que foi socorrida pelo Bradesco e pela Nike, também sua patrocinadora, que bancaram cerca de R$ 2 milhões para garantir a presença dos times na Rio-2016.

Esse foi o primeiro capítulo do estremecimento entre CBB e Fiba, cujo ápice foi atingido neste semestre. Irritada com o cancelamento de uma etapa do Circuito Mundial de 3x3, que seria realizada no Rio pela confederação, em setembro, a Fiba destacou força-tarefa para auditar contas da CBB. A informação foi dada pelo blogueiro Fábio Balassiano, do UOL, empresa do Grupo Folha, que edita a Folha.

Nunes nega que a vinda de representantes da federação ao Brasil seja parte de uma varredura. Mas a própria Fiba confirmou à Folha que o espanhol José Luis Sáez liderou time que fez "visitas" à CBB e a outras confederações nacionais com problemas, como as de México e Cuba.

"Como o trabalho está em andamento, não podemos fazer comentários sobre sua natureza e as especificidades do que implica", disse a Fiba.

Hierarquicamente, a Fiba tem ascendência sobre a CBB, e pode descredenciá-la do quadro de países associados. Consequentemente, as seleções nacionais podem ficar alijadas de disputar competições promovidas por ela.

Na atual situação, nem veto é necessário para que uma equipe do país deixe de ir a torneios. Neste mês, a CBB não enviou time sub-15 ao Sul-Americano do Paraguai, por falta de recursos.

Cássio Roque, presidente da Liga Nacional de Basquete, promotora do NBB –principal campeonato de clubes do país, que começa no sábado (5)–, disse esperar por dias melhores no esporte. "Aguardamos o resultado disso [força-tarefa da Fiba], e que ela ajude a CBB", disse.

Embora precise de chancela da confederação para existir, o NBB não tem dedo da entidade em sua organização. Nunes não pode se reeleger. O pleito para escolher novo mandatário será em março.

Shannon Stapleton/Reuters
2016 Rio Olympics - Basketball - Preliminary - Women's Preliminary Round Group A Brazil v Belarus - Youth Arena - Rio de Janeiro, Brazil - 09/08/2016. Palmira (BRA) of Brazil (L), Iziane (BRA) of Brazil and Kelly (BRA) of Brazil (R) react at the end of the game. REUTERS/Shannon Stapleton FOR EDITORIAL USE ONLY. NOT FOR SALE FOR MARKETING OR ADVERTISING CAMPAIGNS. ORG XMIT: OLYHB50
Jogadoras da seleção do Brasil, 11ª colocada na Olimpíada, lamentam derrota para a equipe de Belarus

OUTRO LADO

A poucos meses de deixar a presidência da CBB (Confederação Brasileira de Basquete), Carlos Nunes afirma que a Fiba não promoveu intervenção na entidade que dirige.

A reportagem da Folha leu para o mandatário o e-mail no qual a federação confirma que uma força-tarefa estava na CBB, mas Nunes reiterou a posição.

"Eu convidei a Fiba para conhecer a CBB. O secretário não pôde vir, e veio o José Luis Sáez. Veio aqui em São Paulo e retornou. Ele ficou de retornar mais adiante para continuarmos as nossas conversas", afirmou o dirigente na terça-feira (1º), em São Paulo, no lançamento da nova temporada do NBB.

"Não foi por causa das contas. Era mais uma reunião para eles conhecerem a CBB. Desconhecemos esse interventor", emendou Nunes, que dirige a confederação desde 2009.

O cartola disse que Sáez ficou um dia e meio na sede da entidade. "Não devemos nada para a Fiba. [Quitamos tudo] Até antes da Olimpíada. Há muito tempo", afirmou.

Bradesco e Nike, seus patrocinadores, quitaram um débito referente ao convite para o Mundial masculino da Espanha, em 2014. A confederação não conseguiria pagá-lo.

Sobre a dívida geral da entidade que comanda, Nunes também foi evasivo.

"É só olhar o balanço lá. Isso aí é um assunto para ser tratado pela diretoria. Entra em contato com o financeiro ou com um superintendente que eles te dão a realidade da CBB", esquivou-se o presidente.

Indagado sobre os R$ 17 milhões de endividamento registrados em 2015, ele afirmou: "Estamos trabalhando para solucionar os probleminhas".

O estatuto da confederação de basquete permite apenas uma reeleição do mandatário. Eleito pela primeira vez em 2009, em sucessão a Gerasime Bozikis, o Grego, então há 12 anos no poder, Nunes foi alçado novamente à chefia da entidade em 2013.

Antes de comandar o basquete nacional, ele dirigiu a federação gaúcha da modalidade.

Divulgação
Carlos Nunes, presidente da CBB
Carlos Nunes, presidente da Confederação Brasileira de Basquete, durante palestra

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