Folha de S. Paulo


MPF pede afastamento de presidente da CBDA sob acusação de improbidade

Patricia Stavis/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 02-07-2010: Coaracy Nunes Filho, da Confederação de Desportos Aquáticos, durante o evento
Coaracy, da Confederação de Desportos Aquáticos, durante evento no Clube Pinheiros, em São Paulo

Um mês após o encerramento da Olimpíada, a CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) viu os seus principais cartolas serem acusados de gestão fraudulenta e desvio de dinheiro público que deveria ter sido investido nos Jogos do Rio.

Nesta quarta-feira (21), o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo apresentou à Justiça ação contra o presidente da entidade, Coaracy Nunes, 78, e o diretor financeiro, Sérgio Ribeiro Lins de Alvarenga, por atos de improbidade administrativa.

Eles são suspeitos de fraudar licitação com verba federal para compra de material esportivo, em 2014, para atletas que disputaram os Jogos.

A quantia desviada passaria de R$ 1,5 milhão, em valores atuais. Também respondem ao processo o coordenador técnico da natação, Ricardo de Moura, e o coordenador técnico do polo aquático, Ricardo Gomes Cabral, além de cinco empresas.

Na ação, o MPF pede o afastamento dos integrantes da CBDA dos cargos que ocupam e o bloqueio imediato de R$ 4,53 milhões em bens de cada um dos envolvidos.

O esquema foi revelado pela Operação Águas Claras, que está em andamento há cerca de oito meses e partiu de uma denúncia feita por um ex-atleta do polo aquático, Wilson Mendes Caldeira.

A Folha apurou que a investigação colheu depoimento de competidores de outras modalidades aquáticas.

Os nadadores Joanna Maranhão, Henrique Barbosa e o aposentado Eduardo Fischer foram ouvidos pela procuradora Thaméa Danelon Valiengo, que conduz o inquérito –jogadores de polo aquático também falaram.

Segundo a procuradoria, o dinheiro desviado deveria ter sido destinado aos atletas das maratonas aquáticas, nado sincronizado e polo aquático na preparação para a Rio-2016 por meio de um convênio firmado com o Ministério do Esporte em 2012.

Do total de R$ 1,56 milhão repassado, 79% (R$ 1,26 mi) foi pago a uma empresa de fachada, a Natação Comércio de Artigos Esportivos, principal beneficiária das fraudes.

A sede da empresa está registrada em um endereço onde atualmente funciona uma pet shop, no Alto da Lapa, na zona oeste de São Paulo.

Eduardo Anizelli/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 21-09-2016, 17h20: Fachada do Pet Shop Amistad, que fica na rua Pio XI, em Pinheiros. O MPF-SP pediu nesta quarta-feira o bloqueio de bens e o afastamento do presidente da CBDA (Confederacao Brasileira de Desportos Aquaticos), Coaracy Nunes, e outro dirigente por falcatruas. Na mais grave delas, esta a vitoria de uma empresa em licitacao sobre fornecimento de equipamentos chamada Natacao. No local onde ela supostamente funciona, porem, esta este pet shop. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, ESPORTE)
Fachada do Pet Shop Amistad, que fica no endereço onde deveria estar empresa de material esportivo investigada

O imóvel pertence a Haller Ramos de Freitas Junior, que já foi sócio da Natação.

Segundo o MPF, Haller seria o verdadeiro responsável por esta empresa, embora hoje ela esteja sob administração de outro fundador (José Nilton Cabral da Rocha).

A petição indica que, para ganhar os contratos de convênio, a Natação e as outras quatro empresas relacionadas faziam parte de um esquema com a direção da CBDA. As investigações apuraram ainda que a Natação superfaturava serviços prestados à confederação.

O pedido do MPF foi ajuizado na 21ª Vara Federal Cível em São Paulo e será apreciado pelo juiz Heraldo Garcia Vitta nos próximos dias.

A procuradoria afirmou no processo que há mais elementos já apurados contra a direção da CBDA, mas que não os divulgará para acelerar a tramitação do caso.

A confederação terá uma assembleia geral extraordinária na próxima quarta-feira (28), no Rio, que mudará seu estatuto. A eleição para presidente será em 2017.

O ESQUEMA

Outras quatro empresas que faziam parte das licitações foram desclassificadas sob alegação de que as companhias tinham sócios em comum ou com parentesco.

"Foi a justificativa que os envolvidos apresentaram para afastá-las da disputa e dar aparência de legalidade ao processo", afirmou o MPF.

Destas empresas, uma leva o nome de Haller e a outra, a Competitor Comércio de Produtos para Piscinas Esportivas, tem sua mulher, Mônica Ramos de Freitas, como sócia. As outras duas também são administradas por um mesmo núcleo familiar. Sérgio Alexandre Weyand é o responsável pela Fiore Esportes –Comércio, e seu cunhado, André Perego Fiore, é o administrador da Polisport Indústria e Comércio.

Das cinco empresas, apenas a Haller, a Competitor e a Natação constavam da relação de vencedoras. Com o anúncio de desclassificação, os itens atribuídos às duas supostas concorrentes foram repassados à Natação.

Sob Nunes, o Brasil conquistou dez medalhas olímpicas aquáticas, mas só uma nos Jogos do Rio.

OUTRO LADO

O presidente da CBDA, Coaracy Nunes, afirmou por meio de nota que o inquérito tem "cunho eleitoreiro", que a entidade "seguiu rigorosamente" lei que dispõe sobre licitações e que há "premissa totalmente equivocada de que os equipamentos não foram entregues para treinamento dos atletas", no que tange à empresa Natação.

O dirigente disse que "causou estranheza" que a investigação tenha partido do Ministério Público Federal em São Paulo e não no Rio, onde está localizada a sede da confederação. Ele relacionou isso ao fato de o opositor da atual gestão ser o presidente da Federação Aquática Paulista, Miguel Cagnoni.

A denúncia que gerou o inquérito, feita na capital paulista, partiu de jogadores de polo aquático e parentes deles. A eleição para a chefia da CBDA ocorrerá no primeiro trimestre de 2017. Já é certo que Nunes não concorrerá.

Em comunicado com 15 tópicos, Nunes também negou que a empresa Natação tenha sido declarada a vencedora da licitação considerada fraudulenta pela procuradoria.

"A CBDA na verdade fez novo chamamento público e novas empresas apresentaram propostas, sagrando-se vencedoras aquelas que apresentaram o menor preço."

"Então, a empresa Natação Ltda. foi vencedora apenas para fornecimentos dos itens em que orçou o melhor preço. Outras empresas, naturalmente, foram vencedoras para fornecimento de outros itens, sempre resguardado o melhor preço e o princípio da moralidade", concluiu.

Diante do fato de que no endereço fornecido pela empresa está situado pet shop (Amistad), Nunes rebateu.

"Antes de assinar o contrato a CBDA verificou o endereço constante no contrato social e no cadastro nacional de pessoas jurídicas, não podendo lhe ser imputada responsabilidade em caso de divergência de endereço que pode decorrer inclusive de uma simples mudança", disse.

Porém, a apuração apresentada pela procuradoria desmonta este argumento.

De acordo com a petição inicial ajuizada pelo Ministério Público Federal, outras duas empresas tinham ocupado o espaço, ambas do ramo veterinário (Selection Clínicas Veterinárias Integradas e CDBN Comércio de Artigos e Alimentos Veterinários).

A proprietária do Amistad Pet Shop, Carla Roberta Magdalena, disse à Folha que nunca soube da existência empresa de produtos esportivos no local. "Essa Natação não tem nada a ver comigo. Aqui funciona pet shops há mais de dez anos. Eu comprei o estabelecimento há dois de uma veterinária", contou.

O Ministério do Esporte, que repassou verba federal para a licitação, afirmou que "acompanha as investigações e conta com o apoio dos órgãos de controle e da Justiça para garantir a correta aplicação dos recursos públicos".

Leia a íntegra da nota da CBDA:

"Esta nota se presta a esclarecer fatos veiculados sem a prévia oitiva da CBDA conforme determina o artigo 14 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Confiando na concessão do mesmo espaço e destaque, seguem os esclarecimentos pertinentes:

1. Ao contrário do afirmado, a CBDA seguiu rigorosamente a Lei nº 8.666 de 1990, na licitação objeto da matéria. A reportagem parte de premissa totalmente equivocada de que os equipamentos não foram entregues para treinamento dos atletas.

2. A CBDA possui em seus arquivos, disponíveis para consulta, cópias dos comprovantes de compra e entrega de todos os equipamentos utilizados para preparação dos atletas, não havendo o que se falar de desvio de dinheiro público.

3. Na licitação em exame a CBDA diligentemente observou a participação de empresas cujos sócios possuíam vínculos entre si, o que violava o item nº 3.5 do Edital e o artigo 90 da Lei de Licitações, o que comprometeria o caráter competitivo do certame.

4. Assim, das 5 empresas que inicialmente responderam ao edital público 4 foram eliminadas conforme obrigado por Lei. Mas ao contrário das acusações a empresa remanescente não foi declarada vencedora do certame.

5. A CBDA na verdade fez novo chamamento público e novas empresas apresentaram propostas, sagrando-se vencedoras aquelas que apresentaram o menor preço.

6. Então, a empresa Natação Ltda. foi vencedora apenas para fornecimentos dos itens em que orçou o melhor preço. Outras empresas, naturalmente, foram vencedoras para fornecimento de outros itens, sempre resguardado o melhor preço e o princípio da moralidade.

7. Foi a primeira licitação promovida pela CBDA vencida (parcialmente) pela empresa Natação Ltda. que não tem qualquer vínculo com a CBDA ou seus dirigentes.

8. Quanto ao endereço da empresa Natação Ltda., antes de assinar o contrato a CBDA verificou o endereço constante no contrato social e no cadastro nacional de pessoas jurídicas, não podendo lhe ser imputada responsabilidade em caso de divergência de endereço que pode decorrer inclusive de uma simples mudança.

9. Causa estranheza o fato da CBDA estar sediada no Rio de Janeiro e a investigação ser feita pelo Ministério Público de São Paulo.

10. Curiosamente o candidato de oposição à atual gestão da CBDA é justamente o presidente da Federação Paulista.

11. Outro fato curioso reside que no início do ano, às vésperas da Assembleia Geral Ordinária da CBDA, o MPF notificou todos os Presidentes das Federações gerando repercussão midiática.

12. A história se repete eis que o MPF decidiu divulgar suas ações novamente às vésperas da Assembleia Geral Extraordinária da CBDA marcada para 28/9/16.

13. O MPF vinha promovendo a investigação sem dar ciência para a CBDA, tendo um Juiz Federal verificado o abuso de poder e determinado liminarmente o fornecimento de cópia integral do processo o que até a presente data não foi atendido.

14. Portanto, a licitação ocorreu na forma da Lei, os bens foram adquiridos pelo menor preço e devidamente entregues, não havendo justificativa para as acusações.

15. As acusações e pedido de afastamento de dirigentes de uma associação de natureza privada democraticamente eleitos denotam o cunho eleitoreiro do inquérito, cuja conclusão, após a devida apuração dos fatos demonstrará a legalidade dos atos praticados."


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