Folha de S. Paulo


'Os problemas do futebol brasileiro são estruturais', afirma Mano Menezes

Ex-técnico da seleção brasileira e atual treinador do Cruzeiro, Mano Menezes, 54, acredita que o futebol do país tem problemas estruturais.

Segundo ele, o vexame do Brasil na Copa do Mundo de 2014 aumentou a cobrança sobre os técnicos brasileiros. Ao mesmo tempo, os clubes passaram a apostar mais em treinadores de fora, sem o sucesso esperado.

Para Mano, os problemas do futebol brasileiro vão muito além dos técnicos. Ele diz que, por exemplo, a falta de continuidade dos trabalhos é uma dificuldade que vem se agravando nos últimos anos.

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Folha - Muita gente hoje questiona os treinadores do Brasil. Você acha que os nossos técnicos estão defasados?
Mano Menezes - Depois da última Copa, era natural que tivéssemos uma cobrança maior no futebol brasileiro. E a maior conta recaiu sobre os técnicos. Vieram muitos treinadores estrangeiros, e eles não conseguiram resolver o problema. Nenhum deles fez um trabalho que chamasse a atenção. Isso deixa bastante claro que os problemas são estruturais, e não de um segmento isoladamente.

Pode dar um exemplo?
Nós temos um problema –que nos últimos anos vem se agravando– que é a falta de continuidade dos trabalhos. É impossível você fazer um trabalho em três meses. Se eu não estiver enganado, no Campeonato Brasileiro nós temos apenas uma equipe entre as 20 que manteve o técnico até agora [desde o início do ano. Trata-se do Santos, com Dorival Júnior].
Isso demonstra que precisamos pensar diferente. Não há milagre no futebol, precisamos trabalhar, errar, consertar os erros, rever conceitos. Um trabalho de dois, três anos traz tudo isso imbuído.

O que mais?
Nós temos várias situações que precisamos ver. Acho que o Brasileiro é uma das poucas ligas grandes do mundo que não têm limite de inscrição para os campeonatos. Hoje nós estamos na 26ª rodada da competição e o meu time pode contratar dez jogadores e inscrever todos eles amanhã. Isso é um absurdo.

Você substituiu um técnico estrangeiro de renome [o português Paulo Bento] e em pouco tempo deu uma cara nova ao time. O que você fez de diferente?
É muito difícil você falar do trabalho de outro profissional. Eu fiz o mesmo do ano passado [quando também trabalhou no Cruzeiro], que é estabelecer uma linha de trabalho que repete mais a equipe e define uma maneira de jogar. E, certamente com mais conhecimento do futebol brasileiro, pude contribuir em determinados momentos de forma mais completa sobre o contexto geral.
Nós temos peculiaridades aqui, por exemplo, os últimos colocados podem ganhar dos primeiros a qualquer momento. Conhecemos as peculiaridades de cada lugar, de cada estádio, e isso influencia às vezes no resultado.

Como você vê o cenário atual do Brasil dentro de campo?
Não acho que falte especificamente alguma coisa que possamos direcionar.
Quando perdemos, os senhores [jornalistas] querem nos transformar, e o resultado significa muito na avaliação que se tem hoje. Você não pode ser em um dia muito bom e no outro muito ruim.
Podemos citar a seleção brasileira como exemplo. Antes de jogar contra o Equador, era tudo muito ruim. Então a seleção venceu dois jogos, contra Equador e Colômbia, e parece que 90% dos nossos problemas acabaram. Essa diferença tão grande na avaliação em um curto espaço de tempo contribui para os erros que a gente comete.

O que precisa ser modificado?
Penso que os treinadores não têm toda a visão do futebol brasileiro. Eles têm a visão do segmento dos treinadores. Acho que vocês da imprensa têm a visão do segmento da imprensa. Os dirigentes têm a visão do segmento diretivo. E eu defendo há bastante tempo que a gente deve, dentro de cada segmento, desenvolver lideranças capazes de apontar soluções e melhorias dentro de cada segmento.
Depois que cada um desenvolver isso, acho que é o caminho para a gente se reunir e cada um apontar o melhor para o futebol brasileiro.

E não existe isso hoje?
Existem pequenos pontos de início disso, mas que precisam ser mais intensos e representativos, e é preciso ter calma para tomar a decisão de modificação logo em cima de alguma campanha momentânea que aconteça.

Por exemplo, na arbitragem. Hoje se colocam dez árbitros em um sorteio para um jogo. Você acha que isso é um caminho bem escolhido para solucionar o problema?
Temos os principais árbitros do país fora dos principais jogos porque sorteio é sorteio. Então você pode, na ânsia de encontrar uma solução, piorar um pouco mais.

Você chegou a ser procurado pelo Corinthians depois da saída do Tite?
Não.

Ficou alguma mágoa com o presidente do clube [Roberto de Andrade]?
Futebol não é só mágoa. As pessoas têm suas preferências, ele tem todo o direito de ter as dele, assim como eu tenho as minhas, e às vezes não quero assumir um trabalho porque não são as pessoas nas quais confio plenamente.

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RAIO-X: MANO MENEZES

Nascimento 11.jun.1962 (54 anos), em Passo do Sobrado (RS)
Formação Educação física
Principais equipes como técnico Grêmio (entre 2005 e 2008), Corinthians (entre 2008 e 2010 e em 2014), Flamengo (em 2013), Cruzeiro (em 2015 e em 2016), Shandong Luneng (CHN, em 2016) e seleção brasileira (entre 2010 e 2012)
Principais títulos Campeonato Gaúcho (2002, 2006 e 2007), Série B do Campeonato Brasileiro (2005 e 2008), Paulista (2009), Copa do Brasil (2009), Superclássico das Américas (2011 e 2012)


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