Folha de S. Paulo


De olho na aposentadoria, jogadores da NFL estudam administração

Nick Hagen/Financial Times
Julius Peppers, do Green Bay Packers, e sua namorada, a modela Claudia Sampedro
Julius Peppers, do Green Bay Packers, e sua namorada, a modela Claudia Sampedro

Apertados em uma sala de reuniões no escritório de uma imobiliária em Ann Arbor, Michigan, 44 homens parrudos –muitos dos quais com altura bem superior a 1,85 metro– estão atentos a uma palestra de executivos que ensinam como comprar e vender imóveis.

É um território desconhecido para muitos desses jogadores da National Football League (NFL), a principal liga de futebol americano dos Estados Unidos. O provável é que a maioria deles tenha dedicado sua vida adulta a uma coisa e uma coisa só: o futebol americano profissional.

Mas por alguns dias, em lugar de vigorosas sessões de condicionamento físico para a nova temporada, eles estão sentados em suas carteiras na Escola Ross de Administração de Empresas, Universidade do Michigan, para aprender sobre o mercado de imóveis, franquias e inovação de produtos.

Estão sendo ensinados a negociar acordos, ler balanços e preparar planos de negócios. É uma espécie de campo de treinamento para ajudar os jogadores a começar a pensar sobre como será sua vida depois do futebol americano.

Há bons motivos para isso. Os atletas da NFL podem ter renda muito mais altas –de centenas de milhares a milhões de dólares anuais– do que outras pessoas conseguem obter em prazo tão curto. Mas depois que encerram suas curtas carreiras (elas duram em média três anos e seis meses), há muitas histórias sobre ex-jogadores que permitiram que suas economias se esgotassem. Mesmo que sejam cuidadosos, a maior parte deles não terá garantido ganhos suficientes para uma aposentadoria completa depois de deixar o esporte.

Nick Hagen/Financial Times
Andrew DePaola (centro), do Tampa Bay Buccaneers, e Konrad Reuland (dir.), do Baltimore Ravens
Andrew DePaola (centro), do Tampa Bay Buccaneers, e Konrad Reuland (dir.), do Baltimore Ravens

"Estamos tentando descobrir como aproveitar o pouco de riqueza que temos agora, ampliá-lo em longo prazo e tentar evitar a necessidade de trabalhar oito ou dez horas por dia em um emprego qualquer pelo resto de nossa juventude", disse Eric Kush, 26, que joga pelo Los Angeles Rams e participou do curso de quatro dias na Escola Ross com sua mulher, Stephanie.

Quase 16% dos jogadores da NFL pediram falência pessoal no máximo 12 anos depois de encerrar suas carreiras, de acordo com uma pesquisa publicada no ano passado pelo Serviço Nacional de Pesquisa Econômica norte-americano.

Ed Butowsky, administrador de patrimônio que assessora atletas profissionais, foi um dos entrevistados em um artigo na revista "Sports Illustrated", em 2009, que expunha a dimensão dos problemas que alguns atletas aposentados da NFL vinham a enfrentar. Ele diz que seus dados demonstram que, excluídos os 10% mais bem pagos dos jogadores da liga, os demais 90% encontram alguma dificuldade financeira no máximo cinco anos depois de sua aposentadoria.

As histórias sobre dificuldades financeiras diminuíram nos últimos anos, e a NFL e a Associação de Jogadores da NFL passaram a concentrar esforços em ajudar os atletas que estão deixando o esporte. As duas colaboram com universidades para oferecer cursos de negócios, campos de treinamento e aulas de planejamento financeiro, e a associação dos jogadores tem um fundo de investimento para atletas que oferece US$ 25 milhões ao ano em apoio a jogadores no planejamento de sua transição para uma nova carreira.

Para atletas acostumados a comer e dormir pensando em futebol americano, ter subitamente de enfrentar um mundo sem camaradagem de vestiários, glamour, torcedores lutando por sua atenção e, claro, holerites polpudos, é uma experiência intensa.

"Não consigo imaginar que cara o futuro teria se, quando eu concluí meu doutorado, alguém tivesse me dito que a partir dali eu teria de fazer alguma coisa completamente diferente", diz Francine Lafontaine, diretora associada de pesquisa e coordenação de docentes na Escola Ross. Especialista em franquias, ela ensina aos jogadores sobre os pontos fortes e os pontos fracos desse setor durante o curso.

Aqueles que sofrem lesões de tratamento prolongado também podem ter de enfrentar custos médicos altos. Pode ser difícil resistir ao consumo indiscriminado, bem como à pressão de círculos de amigos aproveitadores determinados a desfrutar dos momentos felizes. Muitos investimentos de negócios fracassados de jogadores da NFL nascem de uma aposta em uma ideia de alguém que eles conhecem bem. Outros jogadores dependem demais dos agentes para cuidar de suas finanças, e há muitos consultores financeiros com qualificações dúbias oferecendo serviços a atletas.

"Os jogadores de futebol americano são os mais difíceis de lidar, e os de basquete são os melhores", diz Butowsky. "Muitos dos jovens da NFL confiam nos agentes para tudo. Os jogadores de beisebol e os da National Basketball Association [NBA] têm carreiras mais longas, e os da NFL não têm a chance de amadurecer dentro de seu esporte".

É nesse ponto que entram cursos como o da NFL Business Academy, administrada pela Escola Ross (a escola leva o nome de Stephen Ross, proprietário do Miami Dolphins, um dos times da NFL).

Al Messerschmidt - 11.nov.2013/Getty Images/AFP
Stephen Ross, proprietário do Miami Dolphins e que dá nome à Escola Ross
Stephen Ross, proprietário do Miami Dolphins e que dá nome à Escola Ross

Ao contrário de Peyton Manning, quarterback do Denver Broncos que está por fim se aposentando depois de 18 anos no esporte, e com muitos contratos publicitários lucrativos, é raro que jogadores da NFL deixem o esporte por escolha. A saída acontece geralmente quando eles se lesionam demais para continuar ou quando os times já não se interessam por eles.

O objetivo do curso é dar aos jogadores uma gama ampla de opções de carreira e enfatizar a importância de que eles preparem planos de negócios, escolham bem a estrutura jurídica de suas empresas e escolham sócios confiáveis para os seus negócios.

Conversar com antigos jogadores que conquistaram sucesso em suas carreiras pós-aposentadoria é uma das maiores inspirações, disseram muitos dos participantes. Bradie James, 35, que se aposentou duas temporadas atrás, concorda. Ele criou a Mooyah, uma cadeia de casas de hambúrguer franqueadas, e já tem cem lojas. Também trabalha para o fundo de apoio aos atletas da Associação dos Jogadores da NFL e fez uma palestra em um dos cursos recentes da Escola Ross.

"Os caras entendem o que importa ao verem antigos atletas da NFL que encontram sucesso", disse Bradie James, acrescentando que desenvolver uma nova carreira requer tempo e que ele ainda está trabalhando na sua.

Ele acredita que hoje o acesso a informações é melhor sobre como realizar uma transição bem sucedida ao sair da NFL, mas que ainda há espaço para melhoras. As histórias de calamidades financeiras eram mais comuns anos atrás, e seu número está caindo, e aquelas que falam de jogadores frugais durante sua passagem pelo esporte e bem sucedidos depois dela estão se tornando mais comuns.

Alfred Morris, do Dallas Cowboys, ganhou manchetes nos últimos anos não só por seu sucesso no esporte mas pela extrema cautela com que gere seu dinheiro. Ele dirige um velho Mazda em lugar de um reluzente carro esporte, e muitas vezes vai trabalhar de bicicleta.

Marshall Newhouse, tackle ofensivo do New York Giants, diz que uma das maiores lições do curso para ele foi o quanto é importante "se proteger, antes e acima de tudo, seja legalmente, com um advogado, seja nos negócios [em termos de que tipo de empresa você cria], seja pesquisando muito bem antes de mergulhar em alguma coisa".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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