Folha de S. Paulo


Usar camisa da CBF contra corrupção é contrassenso, diz criador de uniforme

Protestar contra a corrupção usando a camiseta da seleção brasileira, com a marca CBF no peito, é um contrassenso. E quem faz a afirmação tem autoridade no assunto. "Esses mal-informados usam a camisa da entidade mais corrupta do mundo", disse Aldyr Garcia Schlee.

Criador da camiseta em 1953, o escritor, jornalista e desenhista se refere à Confederação Brasileira de Futebol. "As pessoas são tão ignorantes que não se dão conta que estão usando um símbolo da corrupção para combater a corrupção", completou ele à Folha em entrevista por telefone do seu sítio em Capão do Leão (a 226 km de Porto Alegre), no sul do Estado.

A CBF está envolvida no "Fifagate", escândalo de corrupção mundial da Fifa (gestora do futebol mundial) que veio à tona no ano passado. O presidente da entidade brasileira, Marco Polo Del Nero, e o ex-chefe da CBF Ricardo Teixeira foram indiciados.

Paulo Rossi-14.jun.2010/Folhapress
Aldyr Garcia Schlee com camisas da seleção brasileira
Aldyr Garcia Schlee com camisas da seleção brasileira

Para criar a camiseta, Schlee venceu o concurso do jornal "Correio da Manhã". Tinha 19 anos na época e sua ideia foi a escolhida entre outras 200. Até então, o uniforme do Brasil era uma camisa branca. A mudança foi idealizada após a então única trágica derrota do Brasil para o Uruguai, por 2 a 1, na final da Copa de 1950, no Rio.

O curioso é que Schlee vibrou com aquela vitória uruguaia porque, nascido em Jaguarão, na fronteira do Uruguai, sempre ficou dividido entre os dois países.

"No Uruguai sou considerado um autor uruguaio", diz Schlee. O escritor tem diversos livros em espanhol. Um deles, "El dia en que el papa fue a Melo" (1991), inspirou o filme "O banheiro do papa" (2007) sobre a visita de João Paulo II à pequena cidade de Melo, em 1988. Em 2013, foi publicado em português, pela editora Ardotempo.

No Brasil, Schlee ganhou duas vezes o prêmio Nestlé de Literatura e outras cinco o Açorianos. Como jornalista, Schlee levou o Esso, principal prêmio jornalístico do país, em 1962.

"Minha obra é toda desenvolvida no mundo literário sob a fronteira do rio Jaguarão, do lado de cá e do lado de lá [Uruguai]. É mais do que uma ligação de nascimento, passa-se no mundo dos sonhos, da invenção literária", conta o autor.

TESE CENSURADA

Em 1965, Schlee foi impedido pela ditadura militar (1964-85) de defender sua tese de doutorado em direito intitulada "O direito de autodeterminação dos povos", na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

"As únicas três cópias em papel da tese foram apreendidas pelos militares, passaram doze anos no porão de um quartel e só me devolveram bem depois", relembra. A tese acabou defendida apenas em 1977.

"Quando a defendi, já estava consagrada universalmente [a tese de autodeterminação dos povos]. Ninguém mais alegava nada contra e o Brasil tinha ratificado todos os pactos de direitos humanos que foram geridos na ONU", conta Schlee, que foi preso três vezes desde 1964.

A acusação contra o escritor era definida, diz ele, por uma "palavra vaga e que hoje ninguém se preocupa com seu significado": subversivo.


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