Folha de S. Paulo


'Não me machuca ser chamado de marrento', diz santista Gabriel

Ricardo Saibun/SantosFC
SANTOS,SP - Gabriel Gabigol em treino do Santos / ou durante partida do Santos na Vila Belmiro. (Foto: Ricardo Saibun/SantosFC) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Gabriel durante treino do Santos na Vila Belmiro

O atacante Gabriel Barbosa Almeida, 19, já venceu parte expressiva da pressão que sempre o acompanhou.

Virar realidade no Santos em meio a busca intensa por sucessores de Neymar e justificar alto investimento no período de formação no clube foram desafios de peso.

O atual camisa 10 do clube agora revela uma autenticidade pouco conhecida, nem sempre vista com bons olhos. Em entrevista à Folha, diz que é difícil ser sincero no futebol brasileiro.

Ele se refere ao fato de ter admitido que forçou um cartão amarelo na vitória por 5 a 3 diante do Capivariano, no último dia 3, no penúltimo jogo da primeira fase do Paulista. "Não é a primeira vez e não vai ser a última, temos o regulamento em baixo do braço e vamos usá-lo."

Gabriel, também conhecido como Gabigol, vive a melhor fase da carreira. Alcançou recentemente a marca de 50 gols pelo Santos, foi presenteado com a primeira convocação para a seleção principal e está próximo dos Jogos Olímpicos pela seleção sub-23.

Neste sábado (16), o atacante estará na Vila Belmiro para a partida contra o São Bento pelas quartas de final do Campeonato Paulista.

Folha - Recentemente, você confessou ter forçado um cartão. Ser sincero no futebol custa caro?

Gabriel - Ser sincero é difícil. [Forçar um cartão] É algo do futebol, acontecem coisas até mais relevantes, fui muito sincero na entrevista. Acho que é uma coisa normal do futebol, nada demais.

Houve uma interpretação errada sobre isso?

Não, mas acho que as pessoas poderiam procurar outras coisas para falar, não sobre um cartão, que é o terceiro, e que outros titulares também tomaram. Há pontos muito mais relevantes do que um cartão que vai me deixar fora de um jogo. Temos o regulamento em baixo do braço e vamos usá-lo. Como agora, ao usar a Vila a nosso favor, é algo normal no futebol. Mas, como poucos são sinceros, quando alguém fala acaba virando o que não precisava.

Você recebe um tratamento diferente desde a infância. Isso o incomoda ou já se acostumou?

Não tenho muito o que reclamar, não, mas às vezes vejo coisas que não existem. Ser chamado de marrento ou mascarado, já ouvi tudo isso. Não chega a me machucar. Mas dizem coisas que não são verdadeiras sobre minha mãe, minha família. Sobre mim, vejo e dou risada, sou muito tranquilo. Mas há assuntos coisas que gosto de esclarecer.

Seu temperamento muda quando entra em campo?

O pessoal me vê discutindo, explodindo. Não gosto de perder. Se tiver que brigar com alguém, xingar e reclamar, vou fazer. Às vezes, as pessoas me vêem, com cabelo diferente e tatuagem, e acabam tachando.

Você, sua família e seu empresário sempre trataram a Olimpíada como o plano da sua carreira. Acha que vai?

Tenho mantido uma sequência boa. Comecei bem neste ano, fui para as seleções principal e a olímpica. Tenho vivido grandes momentos no Santos. Claro que tive altos e baixos, mas faz parte. A Olimpíada é o objetivo neste ano, sem deixar de lado o Santos. Se não for bem aqui, não vou. Projeto meu ano até a Olimpíada, depois vamos ver o que acontece.

Pensa em formar dupla com Neymar na Olimpíada?

Claro, a expectativa é muito grande. Será um marco na minha vida.

O Modesto [Roma Junior, presidente do Santos] disse que você pode ser negociado. Seu ciclo no clube pode estar chegando ao fim?

Não tenho [prazo], tenho muito o que queimar ainda. Ele [Modesto] pode ouvir [propostas], mas é preciso ver se eu quero. Sei da situação do clube, mas, com todo o respeito, o problema não é meu. Se for bom para os dois, vai acontecer, mas o meu foco é totalmente o Santos. Respeito muito o nosso presidente, mas quero ficar no momento.

Você tem o Geuvânio, um amigo e ex-companheiro de Santos, que foi para a China. Iria, também, ou diria não de cara em caso de proposta?

Já tive propostas da China e não quero no momento. Neste momento, pelo menos, não. Tenho 19 anos e muito tempo para jogar futebol ainda. Lógico que dinheiro é importante, mas precisamos realizar os nossos sonhos. Quero um dia estar na Europa, ser da seleção principal, e essa situação não me traria isso.

Você tem uma boa relação dentro e fora de campo com o Lucas Lima e o Ricardo Oliveira, mas há a possibilidade de eles saírem. Teme ficar sozinho sem eles no Santos?

Eles são muito amigos mesmo. O Victor Ferraz também é um cara excepcional dentro e fora de campo. Brinco com ele que é paraibano, minha mãe também é. Virei o seu fã, assim como do Elano, Ricardo Oliveira e do Lucas, que é o melhor jogador do Brasil disparado, atualmente. O Santos não acabou sem Pelé, Robinho ou Neymar. Se forem embora, também não vai acabar. É algo normal, vou ficar triste, claro, são grandes jogadores, mas não é motivo para nos desesperarmos. Depois vem outros, como sempre foi.

Jejum de gols é algo que te incomoda muito? Você sofreu com um, recentemente. Como você se cobra e encara esses períodos?

Vejo na Europa atacantes que ficam até sete jogos sem marcar. É porque estava fazendo outra função, marcando mais. Aqui no Brasil ficar sem fazer [gols] parece que é ruim. É normal isso acontecer, não precisa alarmar. Lógico que sou atacante, minha função é fazer gols, mas tenho funções dentro de campo. Tanto que, quando fui para a seleção, não estava fazendo gols, e muitas pessoas viram isso, que estava dando passes, abrindo espaço, marcando. Precisam abrir a cabeça para mais coisas, atacante virou muito mais do que isso hoje.

Você chegou a marca de 50 gols pelo Santos em 141 jogos. Considerou rápido? Tem uma meta estabelecida para 2016?

Fiquei impressionado porque falaram que fui um dos mais jovens a chegar a essa marca. Sempre procurei pelos meus números, mas quando chega ficamos assustados por ser tão rápido. Espero aumentá-los. Fiz 21 gols por dois anos seguidos (2014 e 2015) e procuro manter. Precisa ser disso para melhor, mas não é algo que fico buscando. Tem que ser natural.

Você foi protagonista em diversos momentos, mas nunca em uma conquista. Sonha com a taça do Paulista?

Não sou muito de pensar lá na frente. Lógico que penso em ser campeão, marcar o meu nome, mas penso jogo a jogo, no amanhã, em ajudar o Santos a passar de fase. Assim as coisas vão acontecendo. Quero me firmar ainda mais na história do clube, poder fazer mais gols. Gostaria de ganhar tudo o que for possível. Títulos individuais são importantes, mas o que marca o nome na história é conquistar um Paulista, Brasileiro ou Copa do Brasil. Quero ajudar o time a ser campeão e, o que puder fazer por isso, vou fazer.

Muito tem se falado sobre o novo estilo de jogo adotado pelo Dorival, priorizando posse de bola. Já se adaptou a ele? Acredita que beneficiou os atacantes?

O futebol hoje em dia pede isso. Se a bola sai da defesa redonda, como falamos entre nós, e chega ao ataque, a chance de gol é grande, pois temos jogadores rápidos e fortes que gostam de trabalhar a bola no chão. Não tem porque não fazer isso, o Dorival tem implantado bem esse estilo de jogo, só nos complementou taticamente. O Santos tem essa cara e pode se manter assim.

Acredita que o Santos hoje tem apresentado futebol para brigar como um dos favoritos nas competições?

Temos uma forma de jogar, não abdicamos disso. Sabemos que precisamos melhorar, mas estamos entre os melhores, sim, certamente. Até pelo nosso elenco e o treinador. Confio que vamos brigar [pelos campeonatos].

E quanto à marcação, continua sendo a sua principal dificuldade? O Dorival tem lhe auxiliado?

Aprendi muitas coisas taticamente, hoje corro menos, mas consigo marcar. Antes, corria muito errado e não pensava, ficava sem fôlego quando chegava na frente. Aprendi muito taticamente, e isso me ajudou bastante.

Algo incomum é que você não esconde o seu amor pelo Santos. Acha que isso pode até atrapalhar para jogar em um rival?

No futebol as coisas são muito rápidas, mas todos sabem que a minha vontade é ficar no Santos por muito tempo, ir para a Europa e voltar para cá. Lógico que precisam acontecer as coisas. Sou santista, não escondo isso, gosto muito do clube que me criou, que me acolheu como um filho, e só não volto para cá, depois de sair, se não me quiserem. Será sempre minha opção número um.

Você costuma crescer em decisões, marcou nos jogos mais importantes da Copa do Brasil. Prefere jogo assim? E pênalti é da mesma forma, também? Não sente pressão para bater?

Eu gosto, acho que é um momento em que os nervos estão à flor da pele, a torcida se inflama mais. É quando mais gosto de jogar futebol. O pênalti também, me sinto muito bem e calmo [para bater], gosto da pressão. Meu primeiro gol pelo Santos também foi em um jogo decisivo, um momento legal.

RAIO-X

Nome: Gabriel Barbosa Almeida

Idade: 19 anos (30/8/1996, em São Bernardo do Campo, SP)

Clubes: Santos

Jogos/gols: 141/50

Título: Campeonato Paulista de 2015


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