Folha de S. Paulo


Essa é Pamela Rosa, 16, a melhor skatista do Brasil

Guilherme Santana/ Vice
A skatista Pamela Rosa faz uma manobra
A skatista Pamela Rosa faz uma manobra

Quando encontrei com a skatista Pamela Rosa, no início do ano, ela estava inquieta. A neblina sonolenta pendia sobre seus olhos. Há dias que a adolescente de 16 anos não dormia direito pensando na grande meta de sua vida: faturar a medalha de ouro nos X Games em Oslo, na Noruega.

"Embarco para o campeonato mundial na semana que vem e estou aqui contundida", me disse, apontando para o pé. "Já faz um mês que não subo no skate." Mesmo debilitada, ela não fugiu da sessão de fotos. Então bicampeã mundial no skate feminino, a jovem moradora de São José dos Campos, interior de São Paulo, exibiu para as lentes da VICE um nível de skate que muitos com a integridade física intacta levarão a vida inteira para alcançar.

Boardlisdes, fifties, kickflips, smith grinds, em suas mais diversas variações, sem aquecer e sem errar. Ela só perguntava: "Pode ir?". "Pode!", respondia o fotógrafo. E a mina saia no gás acertando tudo de primeira. Parecia ter nascido com o skate grudado no pé. Era como se a prancha fosse extensão natural do seu corpo. A analogia não é absurda. Ela anda todos os dias desde os 8 anos de idade e, mesmo nos primeiros movimentos, demonstrava habilidades natas. Quem afirma é a mãe, Evânia da Silva Lima Rosa, 51 –aka Tia Evânia pra galera do skate.

"Mesmo sem entender de skate na época, eu percebi que ela tinha um talento fora de série", observa. "Nós da família decidimos dar todo o apoio que pudéssemos para ela chegar o mais longe possível".

A disciplina cobrada de perto pela mãe e pelo pai, Paulo César Leite Rosa, 48, surtiu efeito. Pamela Rosa venceu, na tarde de uma quinta-feira (25 de fevereiro), o campeonato que tanto lhe tirou o sono. Pamela é ouro no street skate feminino dos X Games, desbancando a midiática Leticia Bufoni, que sequer subiu ao pódio, e duas minas que são verdadeiras feras do skate feminino mundial, as estadunidenses Lacey Baker e a Vanessa Torres.

Guilherme Santana/ Vice
Pamela Rosa em uma pista de skate
Pamela Rosa em uma pista de skate

Nada mal para quem começou a andar com skates emprestados dos moleques do Jardim Cerejeiras até que seus pais, de situação econômica humilde, pudessem comprar um skate pra ela. "Tinha uma pista aqui próxima da minha casa e eu tinha tanta vontade de andar que ia até lá na cara de pau e falava pra me deixarem dar umas voltas", relembra.

Única mina da crew de skatistas que faz parte, a Pamela firmou sua base explorando os esquálidos picos de skate na cidade. "As pistas dos campeonatos gringos não têm nada a ver com os lugares que uso pra treinar", avalia a garota. "Aqui, pista legal mesmo não tem. A melhorzinha é uma pista pública que fica longe de casa e é muito pequena, chama-se Aquarius. Então nem colo muito lá".

O pico onde ela mais anda, e onde aprendeu manobras básicas como o ollie, foi no Centro Poliesportivo Vila Tesouro, que é mais acessível. Quando não está machucada ou chovendo, ela treina por lá ou no Centro da Juventude, popularmente conhecido como "pavilhão", onde o piso é amplo, coberto e lisinho como a marquise do Ibirapuera.

A rotina é sempre a mesma. Ela espera o pai voltar do trabalho e sai com ele para treinar. "Nós acompanhamos ela a todos os treinos e eventos. No meio do skate tem muita gente legal, mas também tem muito pilantra e maconheiro", diz Tia Evânia.

"A Pamela é novinha, não quero que costumes destrutivos e más companhias atrapalhem o foco dela, que é ser a melhor skatista do mundo". Os olhos da mãe brilham e ela até fala mais alto ao entoar tais palavras. Por causa da filha, Evânia conhece tudo de skate, dos nomes das manobras às histórias dos campeonatos e principais marcas. Às vezes, até mais do que a Pamela.

Todos os movimentos que a jovem skatista faz nos campeonatos são definidos com a consultoria dos pais dela, de um amigo da família que dá apoio financeiro, o médico Hamilton Freitas Filho, e do skatista profissional Kelvin Hoefler, 22, que ela considera um misto de irmão e mentor.

"Já chego no campeonato com as minhas linhas definidas", me explicou Pamela. "Assim que recebo a planta, já pensamos juntos numa linha. Daí, chegando no treino que nos permitem fazer na pista do evento dias antes, a gente vê quais dessas manobras estou conseguindo encaixar sem errar com mais frequência, e definimos as opções".

Ainda assim, Pamela contou que sempre tem cartas na manga. "Às vezes, dependendo de como as outras competidoras se apresentam, eu preciso inserir alguma manobra do além para desbancar. De qualquer maneira, nunca tento fazer coisas que não tenho certeza de que conseguirei acertar. Senão, ferra tudo!".

No nosso encontro, Pamela se emocionou ao relembrar de quando recebeu o primeiro convite para participar de um X Games, em Foz do Iguaçu, em 2013. Ela acessou o e-mail e topou com uma nova mensagem escrita em inglês. Mesmo sem entender nada da língua, ela e a mãe sacaram que se tratava de algo que mudaria a vida da família para sempre.

"Congratulations, Pamela Rosa, you are invited to compete on the X Games", dizia o escrito.

Ela confessa que ainda não superou aquela sensação de que tudo parece um sonho. "O skate melhorou muito a minha qualidade de vida, me deu um melhor acesso aos estudos e estou conseguindo ajudar a minha família também. É disso que eu quero viver pra sempre", diz. "Só me incomoda um pouco o lance de não ter muitos patrocinadores e de ter demorado para conseguir alguns apoios".

Naquele campeonato em Foz do Iguaçu, Pamela ficou em sétimo lugar. Depois disso, evoluiu muito rápido. No ano seguinte, foi vice-campeã dos X Games em Austin, no Texas, e acumulou mais quatro títulos brasileiros, dois sul-americanos e dois paulistas.

"Não é porque ela é minha amiga, mas a Pamela é a melhor skatista da atualidade. Não entendo porque ela não tem tanta exposição ou patrocínio, como tem a Bufoni, de quem ela já ganhou várias vezes", diz Kelvin, que hoje mora em Los Angeles, nos Estados Unidos. "Acredito que o tempo dará um jeito nisso, porque a Pamela ficou conhecida da mídia internacional faz só três anos".

A fala de Kelvin tem convicção. Afinal, foi diante dos seus olhos que ela realizou um glorioso feito: varar de backside boardslide o corrimão com 12 degraus de extensão de um dos picos de skate mais famosos do mundo, a Hollywood High School, em Los Angeles, no final do ano passado.

Guilherme Santana/ Vice
A skatista Pamela Rosa exibe uma guitarra e seus troféus
A skatista Pamela Rosa exibe uma guitarra e seus troféus

Na quinta tentativa, Pamela acertou, entrando para a história como a primeira mulher a desbravar a cabulosa escadaria. O clique desse momento foi captado pela Ana Paula Negrão e estampou uma página inteira da edição de janeiro da revista Tribo Skate.

Incrível como a Pamela encara todas essas conquistas com naturalidade. Talvez por conta de sua origem simples, ela não queira ostentar vitórias nem pagar de estrela. Às vezes, é até difícil extrair declarações comemorativas da moça. Ela não faz o tipo egocêntrica nem baladeira. Curte a companhia da família, dos amigos mais próximos, e de escutar música. Passa as tardes escutando rap (durante a entrevista ela disse que gostaria de colocar "Da Ponte Pra Cá", do Racionais, como trilha sonora da sua linha no X Games), Alcione e Turma do Pagode.

O samba, aliás, é o tipo de som que ela mais curte. Tanto, que desfila todos os anos na Tom Maior, na bateria.

2016 começou melhor do que a encomenda para a Pamela Rosa, que, ao longo da nossa conversa, não parava de falar sobre a vontade de ganhar os X Games na Noruega, visivelmente aflita com o período curto que teria para treinar depois de um mês de molho. Agora que ela quebrou a banca com uma performance veloz, fluente e agressiva, a ambição de chegar ainda mais longe só aumenta.

"É do X Games para o Street League, em Chicago, e depois, o Kimberley Diamond Cup, na África do Sul. A jornada está só começando".

Vai com sangue nos olhos, Pamela.

Leia no site da Vice: Essa é Pamela Rosa, 16, a melhor skatista do Brasil


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