Folha de S. Paulo


Polêmicas e ousadias marcaram a trajetória do genial Cruyff

Não foram poucas as polêmicas em que Cruyff (68) se envolveu nem foram poucos os alvos em que ele atirou. Cristiano Ronaldo, do rival Real Madrid, e Neymar, de seu próprio Barcelona, foram apenas alguns dos mais recentes.

O ex-jogador morreu quinta-feira (24). Ele lutava contra um câncer no pulmão. A doença havia sido diagnosticada em outubro de 2015.

Até hoje há quem duvide da real razão apontada pelo craque holandês para ele não ter jogado a Copa de 1978. Falou-se muito que ele não teria disputado aquele Mundial por não concordar com a violenta ditadura argentina na época. Também houve especulação sobre um alto pedido financeiro dele para defender sua Holanda.

Cruyff, no entanto, declarou 30 anos depois daquela Copa que ameaças feitas a ele e à família dele o levaram a se afastar da seleção. Ele relatou uma tentativa de sequestro, o que o levou a viver com proteção policial por pelo menos quatro meses.

"Eu tive um rifle apontado para a minha cabeça. Eu, minha esposa e meus filhos fomos amarrados no nosso apartamento em Barcelona." Assim Cruyff justificou a decisão de não se expor na Argentina, alegando que há valores maiores na vida e que para ir a uma Copa é preciso estar 200%.

Em 1974, quando encantou o mundo com o Carrossel Holandês, ele usava um uniforme diferente em relação a seus companheiros. A camisa de Cruyff tinha duas listras, não as três tradicionais da Adidas. Isso porque ele tinha contrato com a Puma. 

Apenas um técnico tentou barrar o cigarro de Cruyff enquanto ele era jogador. O alemão Hennes Weisweiler foi quem entrou nessa dividida com o gênio holandês no Barcelona: acabou perdendo o emprego.

Desafeto assumido do ditador Franco na Espanha, Cruyff decidiu batizar seu filho com um nome catalão: Jordi. Teve que ir até a Holanda registrar o garoto para driblar autoridades espanholas. O craque era monarquista e dizia não ligar para direita ou esquerda.

Cruyff, que nunca foi treinador da Holanda, abraçou tanto a causa da Catalunha que comandou a seleção da região. Jordi, o filho que virou jogador, mas não craque, a defendeu. 

Um ano depois da Copa da Alemanha, Cruyff atuou duas vezes pelo Paris Saint-Germain apenas por ser um admirador do estilista Daniel Hechter, idealizador do prêt-à-porter que presidia então o clube francês.

Também foi atuar nos EUA, onde morou em Washington e estreitou laços com o presidente Jimmy Carter, mas reclamava dos pisos sintéticos em que vez ou outra tinha que jogar. Por isso também retomou sua carreira na Europa no início dos anos 80.

Cruyff começou e terminou a carreira com polêmicas na Holanda. Foi o primeiro jogador a ser expulso pela sua seleção, isso logo em seu segundo jogo pela Laranja. Recebeu então uma suspensão de um ano da federação holandesa.

Na sua volta para o futebol holandês nos anos 80, já veterano, atuou como consultor técnico e jogador do Ajax, mas seu clube de coração não quis renovar seu contrato em 1983 por causa de sua idade. Revoltado, assinou com o rival Feyenoord.

Ele jogou sua temporada derradeira pelo clube de Roterdã. Foi campeão lá aos 37 anos em 1984 (ficou fora apenas de um jogo de seu último campeonato e fez boa parceria com Gullit).

Jogador moderno, Cruyff não usava muita tecnologia. Era avesso a telefone celular e e-mail, só curtia mesmo seu relógio Rolex dourado. Claustrofóbico, Cruyff não andava de metrô e tinha medo de altura. Experimentou várias formas de tratamento e relaxamento, como ioga, meditação e ayurveda, conhecimento médico desenvolvido na Índia. 

Pouco religioso, Cruyff questionava os jogadores que faziam sinal da cruz em campo, mas dizia acreditar em algo superior, não necessariamente Deus. 
Homem que dominava vários idiomas, Cruyff começou sua carreira de técnico no Ajax em 1985 sem ter uma formação oficial para isso, algo exigido na Europa. 

Montou o esquema tático que levaria o Ajax a novos títulos continentais (havia ganhado três como atleta), desde a Recopa de 1987, com gol de Van Basten e com ele no banco, até a Champions League de 1995, com ele como torcedor apenas (na verdade ele ainda comandava o Barcelona).

Como técnico, ele ganhou 11 títulos no Barcelona entre 1989 e 1994, formando o que ficou conhecido como Dream Team. Foi quando sua carreira de técnico, pelas vitórias e pelo estilo de jogo, equiparou-se à sua carreira de atleta.

A IFFHS (Federação Internacional de História e Estatística do Futebol) o colocou como o segundo melhor jogador do século 20. A tradicional revista "France Football" o apontou "apenas" como o terceiro melhor. E a União Astronômica Internacional batizou um asteróide com o nome dele: 14282 Cruijff (em holandês, Cruijff e Cruyff são aceitos).

Em campo, Cruyff teve alguns momentos estelares mesmo. Em 1970, fez seis gols num 8 a 1 do Ajax no AZ. Na final da Copa de 1974, fez bela jogada e sofreu um pênalti sem que a Alemanha tivesse tocado na bola (só foi fazê-lo após o 1 a 0 no placar para a Holanda).

Em 1982, converteu um pênalti após quatro toques na bola, tramando uma jogada inusitada que contou com a participação de Jesper Olsen em jogo do Ajax contra o Helmond Sport. Por essas e outras genialidades o clube de Amsterdã aposentou a camisa 14, e o Barcelona o declarou presidente honorário. E a Holanda, quando Cruyff marcou, jamais foi derrotada.  

Rodrigo Bueno é comentarista dos canais Fox Sports

A vida de Johan Cruyff


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