Folha de S. Paulo


Caso de Sharapova é a ponta do iceberg de iminente enxurrada de doping

O doping de Maria Sharapova, 28, é muito mais do que um erro na carreira da atleta mais bem paga do mundo. É o pequeno pedaço de um iceberg que está longe de ser desvendado. Um caso que mostra como o uso de substâncias dopantes é polêmico e complexo e como potências esportivas se beneficiam dele.

A tenista foi flagrada com uma droga que estreou só em janeiro na lista da Wada (Agência Mundial Antidoping). Todos os anos, a listagem é revisada e novos elementos entram e saem dela.

O meldonium estava na mira havia mais de um ano. Ele é um medicamento utilizado para o tratamento de isquemia, que é a diminuição de irrigação sanguínea em uma determinada parte do corpo.
Parece não ter ligação nenhuma com o esporte, muito menos com atletas que buscam melhorar suas performances. Mas estudos já mostravam que podia, sim, estar sendo usado para este fim.

Um deles diz que 17% dos testes de urina feitos em atletas russos apresentavam resultado positivo para meldonium. Em uma amostra global, a taxa era de 2,2%.

O "British Journal of Sports Medicine" também publicou que 66 amostras de 762 examinadas nos Jogos Europeus, em 2015, tinham a substância. A publicação crê que cerca de 490 atletas possam ter se beneficiado dos efeitos da droga naquele evento.

O meldonium, além de ajudar em quadros de isquemia, melhora a resistência dos atletas, a ativação do sistema nervoso central, auxilia na recuperação após os exercícios e protege do estresse. Era um medicamento legal, que podia ser usado sem problemas por aqueles que queriam obter vantagens no esporte.

Por isso, a Wada passou a monitorá-lo e reunir evidências que comprovassem o uso dele como doping.

A preocupação da agência tem se mostrado acertada. O porta-voz da Wada, Ben Nichols, anunciou que já foram encontrados 99 resultados adversos para a droga desde o início do ano. Dos 16 já confirmados, sete são de russos.

Sharapova é o caso mais midiático, mas os números não param de crescer.

Para Nichols, é pouco provável que a avalanche de positivos tenha acontecido por negligência de atletas e equipes, argumento usado pela tenista russa para se explicar. É difícil imaginar que existam tantos esportistas sendo tratados de casos isquêmicos com a mesma droga.

Sharapova, que só em 2015 faturou US$ 23 milhões em publicidade, segundo a revista "Forbes", alega que tomava o medicamento havia dez anos para tratar problemas de saúde. Ela disse que não sabia que o remédio havia se tornado doping.

Em 2014, a Wada divulgou que o meldonium estava em observação. Em outubro de 2015, anunciou que a substância entraria na lista em janeiro deste ano. As agências antidoping e as entidades que comandam os esportes avisam os esportistas sobre a inclusão de novas substâncias dopantes. Sharapova teria recebido pelo menos cinco avisos e ignorado todos eles.

Caso tivesse aberto um dos e-mails, poderia ter pedido liberação para usar o remédio, exceção que ocorre quando, por questões de saúde, um atleta precisa de uma substância que está na lista proibida. Se a partir daí ele testar positivo para aquela droga, não será punido.

A maioria dos casos positivos para meldonium já divulgados são de atletas russos ou do Leste Europeu. A droga é fabricada na Letônia desde os anos 1970 e não tem a venda autorizada nos EUA e em boa parte da Europa.

Os russos estão sob os holofotes por causa da investigação da Wada que mostrou um esquema de uso de doping e acobertamento de casos positivos que envolvia até o governo. Os atletas russos estão suspensos de eventos internacionais e podem ficar fora da Olimpíada do Rio.

Os casos de meldonium mostram que há muitos outros modos e esquemas para se conseguir vantagem no esporte, que não estão restritos só a uma modalidade ou a produtos super tecnológicos.

Eles podem ser forjados com algo simples. Basta uma receita médica e uma visita à farmácia.

ENTENDA O CASO

1 O que é meldonium?
É uma substância usada no tratamento de isquemia, diminuição da irrigação sanguínea em uma parte do organismo. É usado em casos como angina (dor torácica), infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca crônica

2 Por que é doping?
Estudos mostraram que a substância aumenta a resistência dos atletas, ajudando na recuperação dos exercícios e melhorando a ativação do sistema nervoso central

3 Por que só entrou neste ano na lista de substâncias proibidas?
A droga era analisada há mais de um ano pelo Programa de Monitoramento da Wada (agência mundial antidoping). Estudos apontaram a presença da substância em amostras de urina de atletas, em maior quantidade nos russos

4 Quando a Wada informou que a droga seria proibida?
A decisão foi tomada em 16 de setembro de 2015 e divulgada em 1º de outubro. Só passou a ser considerada doping no dia 1º de janeiro

5 É possível que o atleta não saiba que a lista mudou?
É difícil. Os atletas conhecem o funcionamento do controle de dopagem e são alertados sobre as alterações

6 Qual a suspensão pelo uso do meldonium?
A suspensão pode ser de até quatro anos. Assim Sharapova perderia os Jogos do Rio.

RÚSSIA ESTÁ SUSPENSA DO ATLETISMO MUNDIAL

Em novembro, uma comissão independente constituída pela Wada divulgou relatório no qual afirmou que havia uma política estatal de dopagem na Rússia, que envolvia governo, serviço secreto, atletas, técnicos, a agência antidoping nacional e a federação de atletismo do país.

O órgão recomendou a suspensão da Rússia de todas as competições internacionais de atletismo até segunda ordem, o que acabou acatado pela IAAF (federação internacional). Por ora, nenhum atleta russo pode competir nos Jogos do Rio, por exemplo. Para mudar a situação, as autoridades do país devem cumprir uma série de determinações da IAAF.


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