Folha de S. Paulo


Presidente do São Paulo admite bancar Carnaval e dar ingressos a organizadas

Presidente do São Paulo há três meses e uma semana, Carlos Augusto Barros e Silva, o Leco, 78, ainda tenta colocar ordem no Morumbi depois de um período turbulento de Carlos Miguel Aidar, que renunciou ao cargo em 13 de outubro de 2015, sob acusações de corrupção.

Ele prega clareza e transparência, ausentes, em sua opinião, nos meses que lhe antecederam.

É certo que não se pode criticá-lo por recorrer a evasivas. À Folha, admite que o clube financia torcidas organizadas com dinheiro e ingressos.

"Não tem como não conviver com elas. São concessões que temos de fazer. Ajudar no Carnaval e a entrar no estádio", afirmou.

Leia os principais trechos.

*

Folha - O que mais te surpreendeu desde que chegou?

Leco - O fato de existirem pessoas que não param de fazer picuinhas e de desenvolver questões políticas o tempo inteirinho. Não dão sossego para administrar. Faz parte da miséria humana.

Teve alegrias?

Sim. Muitas. Alegria de ver o São Paulo mais tranquilo. As pessoas agora têm confiança. Não há mais clima de terror por aqui. Não tem mais aquela coisa que os oprimia e os fazia inseguros. Saiu uma nuvem negra.

As investigações, em relação ao Carlos Miguel Aidar, ex-presidente do São Paulo, como estão?

Isso é da alçada da comissão de ética. O presidente do Conselho deliberou mudar os membros da comissão que eu tinha definido e escolhido. Segundo uma visão generalizada, isso tem um viés político. A questão é apurar os fatos. Apurar o que houve de irregular. O que houve de incorreto, se houve. Se não houve, não houve.

Você foi aplaudido na posse quando disse que as coisas não iam para debaixo do tapete. O que você está fazendo nesse sentido?

Da minha parte é isso mesmo.

Mas o que você está fazendo?

Não depende só de mim. Eu exercerei na medida das minhas atribuições toda a pressão para que tudo seja esclarecido. Minha gestão será de transparência e clareza.

Você já recebeu alguma proposta para levar dinheiro?

Não, até agora não. Nunca vai dar para ter controle absoluto de todas as pessoas. A primeira coisa que eu fiz quando eu sentei aqui foi pedir para destruir todo o forro e tirar toda a fiação. Eu precisava ter a garantia de poder sentar aqui. Aqui deveria ter muita assombração. Tinha lobisomem aqui dentro. E fiz uma varredura total.

Tinha alguma coisa?

Não. Se tinha, estava ali em cima, na fiação.

Falou com o Carlos Miguel?

Falei. Duas vezes. E não tenho mais vontade de falar. Ele fez algumas referências que foram desrespeitosas e o que ele tem de fazer de melhorar é ficar preocupado com o que fez de ruim aqui no São Paulo, se é que fez, mas é o que estamos apurando.

Ele veio aqui?

Não. Nenhuma vez. Não me ligou. Encontrei ele num evento no tribunal de Justiça e em uma missa. Não nos cumprimentamos em nenhuma das vezes.

A passagem do Aidar já foi superada?

Totalmente. Como que faz gol no último minuto [contra o Figueirense, na penúltima rodada do Brasileiro] e se classifica para a Libertadores?

Baixou uma energia melhor. Não tenho dúvida. Mas tem um monte de porcaria, que ficam incomodando com coisas que não fazem o menor sentido. Ciúme de homem é uma merda. Não tem nada igual.

Quando o Aidar estava sentado aí ele falava as mesmas coisas que o senhor está falando. E dizia que a oposição era complicada.

Nunca tinha acontecido o que aconteceu na última gestão com o São Paulo. Fazer negócios com o São Paulo tem um monte de gente querendo. Tem um monte de gente que vem aqui fazer nada. Não fazem nada, mas gostam de cumprimentar o presidente.

Não significa que nunca tenhamos que ver negócios que tenham intermediação. Pelo contrário. No futebol, nada é feito sem intermediação. Você contrata um jogador e tem de pagar para o empresário a comissão. É assim.

E não pode falar não?

Se eu falar não, eu não contrato. Demora muito para contratar um jogador. O presidente do Cerro não queria me mandar o contrato do Lugano. Ficou enrolando um tempão. Dez vezes a gente pediu e ele não mandou. E eu dei um ultimato. Disse que se não viesse até as 20h, eu não ia mais fazer a negociação.

Essa é outra coisa. Não tinha que ter jogo nenhum lá. Eu não só vou jogar lá sem receber nada, como não vou ter os direitos de televisão do Brasil, e vou pagar a viagem e o hotel. Vou pagar tudo. Isso porque o Cerro precisava ganhar alguma coisa.

Outra opção era o Lugano entrar na Fifa. Pelo contrato, ele se liberaria. Mas tinha que entrar na Fifa, através da Conmebol. Quando a gente ia ter ele? Em março ou abril. E o que eu ia fazer com a ansiedade da torcida?
Ele adiou quatro vezes a viagem. E eu falava: não venha sem a assinatura.

E qual foi o prejuízo?

Vou pagar hotel, avião...

Teve comissão?

Acho que teve. Não sei te dizer.

Com Mena e Kieza teve?

Sim, claro que teve. Ele [Mena] veio para o São Paulo porque o Cruzeiro disponibilizou. O Cruzeiro tem uns 70 jogadores inscritos. Veio de graça. E a gente se interessou. Já jogou Copa América, tem experiência, não vai se assustar. E eu tive que pagar para o empresário dele.

Estipulou um teto?

10% é a praxe. É 10% em cima do contrato todo. Eu vou acabar pagando mais do que 10% dele [Mena]. Vai sair mais do que 10%.

Por quê?

Porque colocaram um número redondo.

Qual o valor do Kieza?

O jogador vai custar US$ 1,1 milhão. Para um chinês que fica no Brasil, mais US$ 100 mil, e mais US$ 200 mil de comissão ao empresário. É isso que vai custar. É assim o futebol. É desse jeito.

Tinha R$ 11 milhões para contratações?

Talvez um pouco mais, porque ganhamos R$ 7 milhões do Maicon. Estamos olhando para contratar mais.

Quantos reforços?

Não sei. Não dá pra falar número. Tem também os jogadores da nossa base. Tem alguns jogadores lá para subir. Se não contratar ninguém, já dá. Como que temos, já dá.

O [Edgardo] Bauza [novo técnico do São Paulo] está alinhado com isso?

Sim, está. Ele tem olhado a base e tem gostado. E ele falou que vai precisar da base. Se tudo correr bem, vamos jogar 28 jogos até abril. E vamos precisar de muitos jogadores.

Banca o Bauza até o fim do ano?

Sim. Espero que por muito mais. Não posso garantir resultados, mas a proposta é muito boa.

Você falou sobre reformulação no ano passado. Você acha que as contratações já foram suficientes?

E não teve? O que fizemos agora não foi? A comissão, os jogadores Tem essa cara, já, sim. Gostei muito do Kieza, do jeito dele. A energia dele é boa. Posso até ter esperança do que o empresário dele me disse, que é o como o Luis Fabiano. Ou seja, o cara que faz o gol.

Teve alguma conversa marcante com o Bauza?

Eu converso muito com ele, mas nada de concreto.

Ele me falou uma coisa hoje (18) no almoço, por exemplo. Ele perguntou para algumas pessoas, porque eles treinavam tão pouco cobrança de faltas antes. E disseram: porque o Rogério estava aqui, era ele que batia.

O Rogério esteve lá ontem, aliás. Está fazendo a desocupação do apartamento dele. Conversaram muito. O Ganso bate muito bem falta, o Bauza me falou.

Como uma coisa positiva, de ter dado espaço para mais gente?

Isso. E ele falou que falou assim para o Ganso: "Ganso, quero te ver enojado". Ou seja, quero você puto, quero você bravo. Quero você não se conformando e não aceitando as coisas placidamente. Se conseguir isso, a seleção volta naturalmente.

Tem alguma proposta por jogadores?

Algumas coisas, mas nada concreto. Já estão namorando os nossos jogadores da Copinha. Vieram falar comigo sobre dois. Sobre o Lucas Fernandes e o Inácio.

Está disposto a negociar?

Não.

O Kieza apareceu com o boné da Independente no CT...

Se bobeasse, o Lugano ia sair com o boné Eles vão lá e enfiam. Eu sei como aconteceu. Foi gente do lado dele que botou o boné na cabeça dele.

Como é sua relação com as organizadas?

Não tenho nenhuma intimidade [com as organizadas], mas também não tenho hostilidade. Não tem como não conviver com elas.

Você já as recebeu desde que assumiu o cargo?

Querida, eu tenho mais de 30 anos de São Paulo. Eu sei como é torcida. A Independente, e a Dragões também. Eu tive duas ou três situações, que me fizeram ser respeitado por eles.

Há muitos e muitos anos, eles queriam matar um jogador que eles diziam que era gay, aquela coisa do machismo [em referência a Richarlyson]. Na torcida tem um monte de gays, como em todos os lugares. Eu era vice-presidente de futebol, e eles foram lá falar comigo. Estavam ameaçando invadir, recebi uns 12, das duas torcidas. Conversamos e foi tudo bem. Defendi o jogador.

Ele era correto, bom jogador, um profissional impecável. As coisas aqui fora, dele, eu não quero saber. Eu não tenho controle sobre isso. E eles ficaram impressionados pelo fato de terem sido recebidos.

Quando assumi [a presidência], ainda que temporariamente, no período de 13 a 27 de outubro, logo no primeiro sábado eles marcaram uma manifestação no CT. E todo mundo estava vendo uma ameaça, porque eles iam fazer e acontecer. E se eles querem eles fazem mesmo, a gente sabe como é.

Eu autorizei, e vocês sabem que não é fácil isso, porque tem resistências aqui dentro. Tem pessoas conservadoras, homofóbicas, preconceituosas. Eles foram e foi uma puta festa. E aí, dois torcedores falavam assim: "Dr. Leco é mano, é na moral! Ele recebe a gente e conversa com a gente, ele nunca deixou de conversar com a gente".

O que você ouviu de reivindicações agora?

As mesmas de sempre: ingresso e ajudar no Carnaval.

E o São Paulo ajuda?

É claro! Isso é histórico de dar uma verba para ele no Carnaval.

E como funciona com ingressos?

Você tem que dar ingresso para eles e eles vão no jogo. Não é que vai dar viagem, ônibus. Dá o ingresso para eles e eles vão. Isso é uma prática.

Isso é pequeno dentro de todo esse universo. Eles prestigiam, eles ajudam. O jogador faz gol e faz o sinal da Independente [maior torcida do clube]. Não faz para ser agradável, faz porque tem medo de tomar dura.

O que a gente dá é muito pequeno no contexto, porque eles podem fazer muito estrago. Vocês viram o que eles fizeram ontem [no domingo (17) a torcida do São Paulo entrou em confronto com a Polícia Militar, durante jogo da Copa São Paulo, em Mogi das Cruzes]?

Reprodução/Sportv
Torcida organizada do São Paulo entra em confronto com a PM em Mogi
Torcida organizada do São Paulo entra em confronto com a PM em Mogi

Parece uma relação de chantagem. Não é?

É dificílima, mas não chega a ser chantagem. Não nos submetemos a nada. Mas tem de fazer algumas concessões. Não tem como cortar. [A assessoria do São Paulo disse que o clube dá 1.500 ingressos às organizadas para cada jogo no Morumbi e 500 quando a partida é fora, além de R$ 150 mil, que são divididos pelas torcidas para financiar seus desfiles de Carnaval].

Não acabam sendo cúmplices de episódios de violência?

Cúmplices? Não, claro que não. Por ajudar a entrar no estádio? Não. Não aceitamos [violência], reprovamos verdadeiramente, repudiamos, e estamos à disposição das autoridades para participar de todo esse processo.

Os clubes não estão muito parados em relação à CBF?

Não acho. Tem uma dinâmica de acontecimentos muito grande. O São Paulo não votou no coronel Nunes. Isso não tem significado? O São Paulo gostaria que uma liga fosse criada e que a seleção ficasse com a CBF.

Mas também tem o seguinte: na hora que fizerem [a liga], os clubes vão brigar entre si. Nada garante que vai ser bom. Porque se o [Alexandre] Kalil toma conta nós estamos perdidos. O Kalil também não vai gostar que eu tome conta. E o Andrés [Sanchez] talvez não goste também, entendeu?

Você não assinou a carta da Federação Paulista para votar em bloco no Coronel Nunes, candidato do Del Nero?

A carta é diferente. Assinou todo mundo junto, tem viés político. Claro que se ele [Coronel Nunes] perdesse por um voto eu seria muito cobrado, mas não era o caso.

O São Paulo está ciente da necessidade de uma modernização, de uma transformação na estrutura do futebol.

Está tendo uma guerra do Esporte Interativo e a Globo. Para nós é bom, porque nós aproveitamos isso para uma negociação melhor, que está em curso.

O sr. não descarta fechar com o Esporte Interativo?

É uma coisa que está em curso. Estamos conversando, sim. Mas nossa prioridade é fechar com a Globo. A Globo nos ofereceu R$ 40 milhões de adiantamento. O Esporte Interativo ofereceu R$ 40 milhões, mas de luvas. E, então, a Globo vai ter que me dar esse dinheiro como luvas. Essa é a negociação básica. E aí eu assino com eles.

Nós estamos buscando condições melhores. O São Paulo quer melhorar a sua posição em relação a Corinthians e Flamengo. Essa coisa dos dois estarem numa posição muito melhor não se justifica. Isso acaba com o futebol.

O sr. acha que Marco Polo Del Nero deveria renunciar?

É uma afirmação que eu prefiro não fazer. Eu não tenho dados para avaliar. Agora, o desgaste é cada dia maior.

Quem escolheria como técnico da seleção, se fosse o presidente da CBF?

O Tite. E aproveitava para tirar ele do Corinthians. Resolveria os dois problemas. Ele é muito competente. A estrutura do Corinthians é muito boa.

Quem o sr. acha que serão os 4 times no topo do Brasileiro?

Eu vou colocar o meu desejo. São Paulo, Atlético, Grêmio e Palmeiras.

A relação com o Nobre, está boa?

Muito boa. Como com o Modesto [Roma, presidente do Santos] e o Roberto [de Andrade, presidente do Corinthians]. É uma relação respeitosa. A gente se mata lá dentro do campo. Fora, nós temos que ter discernimento para conversar porque nós temos conta para pagar o tempo inteiro.

Qual foi o prejuízo em 2015?

R$ 72 milhões.

Dá para dizer que Carlos Miguel Aidar desviou algum dinheiro do São Paulo?

Essa afirmação eu não faço, mas eu posso dizer que ocorreram negócios aqui muito danosos para o São Paulo.

É possível fechar 2016 no azul?

No azul não, mas um vermelho quase rosa. Esse ano é ano rosa.

Tem um teto salarial?

R$ 300 mil. Mas nós já temos jogadores que ganham mais.

E o patrocínio máster da camisa?

Já firmamos dois, mas está sendo trabalhado. Temos uma boa perspectiva de que está sendo trabalhado um patrocínio máster.

Te incomoda o "bambi"?

Me incomoda quando tem um efeito pejorativo, desrespeitoso. O Andrés [Sanchez] não pode me ver que ele me chama de "bambi", num ar super brincalhão. Eu me dou super bem com ele. Quando tem essa coisa da gozação, da brincadeira, tudo bem.

O futebol é corrupto?

É. O futebol é muito complicado. Tem muita corrupção, claro. Tem, no meio do futebol, uma exploração financeira e de interesses que é inesgotável. E ela ocorre fundamentalmente nessa relações negociais; empresário e acertos, e isso e aquilo.

E os números são incorretos, irreais. Não são números que possam ser praticados em um país que tem tanta demanda social, tanta necessidade. Gente ganhando um milhão. Como você explica isso?

Enquanto um cidadão trabalhador - e eu tenho exemplos admiráveis aqui, nessa estrutura - que para ganhar três paus trabalha pra caramba. E o que eles precisam é respeito. E eu dou.E um burrinho que sentou aqui antes tratava a gente mal.

Se não fizer sacanagem, se não roubar, o São Paulo, sozinho, pelas suas forças, consegue ir se recuperando. E essa recuperação passa fundamentalmente pelo futebol.

Porque os caras não me xingaram [no jogo contra o Figueirense, em que o São Paulo virou aos 49 min] por cinco minutos. Porque, se perde, estou morto. E ainda tem gente insuflando. A gente voa na glória e aterrissa na desgraça.


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