Folha de S. Paulo


Após crise, CBV contratou cartola processado por desviar verba pública

Recém-saída do maior escândalo de sua história, a CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) contratou para compor sua cúpula um dirigente que acumula acusações de má gestão, como enriquecimento ilícito e improbidade administrativa.

José Virgílio Lima Pires, 57, assumiu em 1º de julho de 2014 o cargo de chefe do gabinete de presidência, cerca de quatro meses após a ESPN Brasil revelar que empresas de cartolas da própria entidade receberam pagamentos de R$ 10 milhões cada para intermediar contratos negociados diretamente com patrocinadores.

Segundo a Folha apurou, Pires é braço direito do mandatário da CBV, Walter Pitombo Laranjeiras, sucessor de Ary Graça, que renunciou à chefia da instituição em março de 2014 em meio à crise. Graça preside a FIVB (Federação Internacional de Vôlei) desde o início de 2013.

Embora a confederação diga que Pires cumpre somente funções de secretariado, ele geralmente é convidado para participar de reuniões do conselho diretor, como mostra ata de encontro realizado no dia 17 de dezembro.

O cartola ocupou, entre o começo da década passada e 2013, o cargo de chefe da Federação Cearense de Vôlei.

Durante seu mandato à frente da entidade, somou ações judiciais por má administração, conforme consultas feitas pela Folha.

Além das já citadas improbidade administrativa e enriquecimento –movidas pelo Ministério Público Federal (MPF)–, Pires também aparece como réu em processos de estelionato e crime contra o patrimônio.

Em fevereiro de 2002, o dirigente firmou convênio com o então Ministério de Esporte e Turismo e recebeu da pasta a quantia de R$ 270 mil para a realização de quatro competições em nome da federação. De acordo com processo penal do MPF, Pires nunca prestou contas, nem após insistentes notificações.

O caso foi encaminhado para a CGU (Controladoria-Geral da União) e virou objeto de inquérito da Polícia Federal. Em agosto de 2013, juiz da 11ª Vara Federal (Ceará) condenou Pires por peculato, de início com três anos de reclusão em regime aberto, em seguida convertidos à prestação de serviços comunitários.

Porém, em maio de 2014, Pires apelou e conseguiu extinguir a pena imposta, sob argumento de prescrição. A diferença da data do delito (2002) e o recebimento da denúncia (2012) superava o prazo legal de oito anos.

Divulgação/CBV
Walter Pitombo Laranjeiras, conhecido como Toroca, presidente da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei)
Walter Pitombo Laranjeiras, conhecido como Toroca, presidente da Confederação Brasileira de Vôlei

OUTRO LADO

A Folha solicitou entrevista com Pires e enviou perguntas à CBV, que enviou um comunicado em retorno.

Sobre a contratação do funcionário em 2014, a entidade afirmou que "os fatos em questão sempre foram públicos e a CBV tem conhecimento da extinção do processo em questão".

O comunicado enfatizou que Pires exerce função apenas de secretariado e não assina pela entidade, ou seja, não tem poder decisório.

Porém, a CBV confirmou que o cartola assessora diretamente o presidente e o diretor executivo, "cuidando das respectivas agendas, auxiliando no envio de correspondências e no contato com as entidades filiadas".

A Folha indagou se a confederação não via problema em contratar, após grave crise interna, um funcionário que aparece como réu em diversos processos recentes.

Ao que a entidade respondeu que a escolha "foi embasada apenas em critérios técnicos, sobretudo no que tange ao conhecimento e dedicação que o funcionário sempre teve com o voleibol".

"Reafirmamos que o processo foi extinto pelo Estado, a quem cabe a responsabilidade pelo julgamento. Ratificamos o compromisso da CBV de sempre agir com transparência e dentro dos aspectos éticos e legais", complementou o comunicado.

ENTENDA O CASO

Em março de 2014, denúncias de irregularidades em contratos vieram à tona em reportagens da ESPN Brasil, segundo as quais duas empresas de dois ex-dirigentes da CBV, Marcos Pina e Fabio Azevedo, teriam recebido R$ 10 milhões cada uma em comissões para intermediação de contratos diretamente tratados com patrocinadores.

No mesmo mês, o então presidente Ary Graça, a quem os dois eram ligados, pediu renúncia da presidência e foi sucedido por Walter Pitombo Laranjeiras, o Toroca.

A confederação contratou auditoria externa que confirmou o pagamento de recursos sob suspeita. Em seguida, disse que os contratos (com duração até 2017) seriam suspensos. Graça sempre negou as acusações.

O caso foi investigado pela CGU (Controladoria-Geral da União). O órgão federal emitiu relatório que gerou a suspensão do contrato de patrocínio do Banco do Brasil, que perdurava desde 1991 e pagava anualmente R$ 70 milhões à CBV, segundo a Folha apurou em dezembro de 2014, data da ruptura.

Meses depois, o banco retomou o patrocínio depois de a confederação cumprir uma série de exigências.


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