Folha de S. Paulo


MINHA HISTÓRIA: FERNANDO ARANHA ROCHA, 37

Retirado dos pais aos 4 anos, para-atleta sonha com medalha no Rio

O para-atleta Fernado Aranha Rocha, 37, já ganhou inúmeros títulos em corridas de rua para cadeirantes, foi precursor do "handbike" (do inglês, bicicleta de mão) no Brasil e tornou-se o primeiro para-atleta brasileiro a disputar os Jogos de Inverno. Incansável, Aranha agora busca uma vaga no paratriatlo na Olimpíada de 2016, no Rio.

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Uma poliomielite aos três anos de idade e a consequente perda dos movimentos da cintura para baixo. Se para muitos seria o fim da vida, para mim era uma das muitas batalhas que iria enfrentar.

Vindos de família pobre, sem condições de nos dar sustento, meus irmãos e eu –então com 4 anos– fomos retirados dos meus pais pelo Juizado de Menores e encaminhados para o que se chamava na época de Febem (atual Fundação Casa).

A segunda parada foi em um reformatório em Limeira, a 151 km de São Paulo, até chegar ao Pequeno Cotolengo, um internato católico na cidade de Cotia que abriga deficientes físicos e mentais.

Lá, o esporte me foi apresentado. Primeiramente, na forma de livros. Eu, muito espevitado, olhava as imagens de salto em altura e ia para o meu quarto me jogar de uma cama para outra para ver se conseguia fazer igual.

Pegava uma bola de basquete e batia no chão por horas para ver do que eu era capaz.

PULANDO O MURO

Aos 15 anos, aquele mundo do internato estava muito pequeno para mim. Por eu ser menor de idade, os padres não liberavam saídas na rua.

Por um amigo, soube que existia basquete para cadeirantes e, então, fui obrigado a pular o muro e ir atrás do que me fazia bem: o esporte.

Cheguei ao ginásio do Ibirapuera e me encantei pelo quique da bola. Um treino, e o técnico me chamou para ficar. Tive que pular o muro por mais um ano e meio até o padre descobrir. Sofri punições, mas depois fui liberado para participar de competições.

Em 1999, vi uma cadeira de rodas para corrida em um dos treinos de basquete e resolvi experimentar. Foi amor à primeira vista. Treinei e me inscrevi para a São Silvestre. Acabei campeão de cara.

Sem incentivo no esporte, não tive outra opção que não fosse buscar um trabalho. Em 2004, entrei para a faculdade e o basquete teve que ser jogado para linha de fundo.

Por não necessitar de treinos coletivos, passei a me dedicar às corridas de ruas. Investia parte do dinheiro que eu ganhava no trabalho em equipamentos. Faturei títulos, mas não bastava.

Fui apresentado ao "handbike". Me encantei e virei o precursor da modalidade.

Bom, eu já sabia correr e pedalar. Por que não juntar os dois e me aprimorar em uma nova modalidade?

Pouco conhecido no Brasil há dez anos, o paratriatlo estava ganhando novos adeptos. Arrisquei-me. Na primeira competição caí na água sem ao menos saber nadar. Resultado: 750 m em 45 minutos, mas mesmo assim cheguei em segundo. Detalhe, apenas eu e o Motorzinho (Elizário dos Santos, um dos precursores da modalidade no Brasil) estávamos participando da prova extraoficial.

Faltava a natação. Com um amigo, consegui bolsa em uma academia que tem aulas de natação. Aos 33 anos, aprendi a nadar e uma nova paixão surgiu na minha vida.

PARAOLIMPÍADA

Após muita luta, o paratriatlo ganhou espaço na Rio-2016, e aí começou um novo desafio. Treinar para buscar uma medalha paraolímpica para o meu país e divulgar ainda mais o esporte.

Com maior visibilidade nos esportes de alta performance, fui convidado a participar da Olimpíada de Inverno de Sochi-2014, na Rússia, na modalidade esqui cross country.

Aceitei o desafio, mas quando vi os equipamentos de treino quase fui ao chão.

Eu não fazia a mínima ideia de como se usava aquela engenhoca. Fiquei meses entre Europa, Brasil e EUA praticando. Até que fui demitido do emprego em São Paulo e acabei obrigado a me sustentar com o Bolsa Atleta.

Tornei-me o primeiro para-atleta brasileiro a participar dos Jogos de Inverno. A experiência foi incrível, mas o meu objetivo principal ali era treinar para o paratriatlo e fazer bonito nos Jogos de 2016.

Foi o melhor que podia ter acontecido comigo em relação a treinamento. Atualmente, sou oitavo do mundo e primeiro no Brasil no paratriatlo. Busco a vaga para o Rio.

Acreditar em medalha sempre acreditarei, mas a cada nova prova vejo meus adversários estrangeiros um passo à frente pelo incentivo que recebem de seu país.

A medalha paraolímpica será consequência, mas nunca vou me esquecer que por meio do esporte ganhei tudo o que tive na vida. Amores, desamores, conhecimento de novas culturas, línguas, amizades, gratidões etc.

Talvez, se eu não tivesse pulado aquele muro em 1993, hoje eu seria mais um dentro do internato.

Alguém que tem muito potencial, mas que não produz nada para a sociedade.

Apesar de ainda morar lá, me vejo como uma pessoa que produz muito e que pode mostrar aos jovens que nele residem que nada é impossível quando se vai à luta.


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