Folha de S. Paulo


'O futebol brasileiro deixou de ser coletivo', diz Dorival Júnior

De candidato ao rebaixamento nas primeiras rodadas do Brasileiro, o Santos passou à quinta colocação no campeonato e chega como favorito à final da Copa do Brasil contra o Palmeiras —o primeiro jogo será disputado na quarta (25), na Vila Belmiro.

A mudança de patamar no segundo semestre coincide com a chegada do técnico Dorival Júnior ao time.

Feliz com o desempenho e o futebol vistoso e "nostálgico" da equipe, inspirado nos melhores anos do futebol brasileiro, Dorival se revolta ao falar de tudo que acontece fora das quatro linhas.

Partindo do lamento à instabilidade dos técnicos em seus cargos no Brasil, ele envolve a CBF e os políticos do país em sua crítica direta. Sem papas na língua, ele sentencia à Folha: "o brasileiro está com o DNA comprometido pela corrupção, pela safadeza, pela sacanagem."

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Folha - O Santos é o time que joga mais bonito no Brasil?

É difícil falar. Prefiro que os outros avaliem o meu trabalho. O Santos joga de uma maneira agressiva, com toques rápidos, é envolvente, tem boa velocidade e movimentações constantes. Isso chama a atenção.

Você trouxe das suas recentes viagens para a Europa uma filosofia de jogo moderna?
É o terceiro ano que eu vou me preparar na Europa, mas não divulgo muito isso, porque não acho tão relevante assim. Se você pegar as equipes que treinei anteriormente, elas jogavam da mesma maneira, com troca de passes, muita posse de bola. O que vi na Europa complementou o que eu fazia. O futebol brasileiro deixou de ser coletivo, virou muito individual, de carregar a bola e partir em velocidade. Nunca foi assim. A essência do futebol brasileiro é a troca de passes e a organização em campo como bases para o surgimento da individualidade. O futebol brasileiro sempre foi coletivo.

Então mais que europeu, dá para dizer que seu estilo de jogo é nostálgico?
Eu gosto desse tipo de trabalho, inspirado na essência do futebol brasileiro. Gosto da manutenção da bola, de um estilo agressivo, de um time que busca o gol a todo momento. Se isso é nostalgia, então dá para dizer que sim.

O Lucas Lima é o melhor meia do futebol brasileiro?
Acho que sim. É um jogador muito regular, que está com muita confiança. E contribui não só com as suas características individuais, com a facilidade de colocar o companheiro na cara do gol, mas também coletivamente, roubando uma média de cinco a sete bolas por partida.

Você vai enfrentar o Palmeiras pelas finais da Copa do Brasil. Como você avalia sua passagem por lá em 2014?
Peguei o clube com problemas. Eu tinha 44 jogadores se trocando no mesmo vestiário, alguns atletas ainda chegando, recém contratados, e assumi o time depois da Copa do Mundo, sem pré-temporada. Depois da contusão do Valdivia, que era muito importante para o time, surgiram as complicações. Mas o mais importante era manter o time na Série A, e isso nós conseguimos.

Você se sentiu injustiçado após sua demissão?
Não é questão de injustiça. Eu tinha um acerto com o presidente [Paulo Nobre] na assinatura do contrato de que eu só assumiria o time naquele momento se tivesse a garantia de que continuaria no ano seguinte. Abri mão de prazo de contrato, multa rescisória, e só definimos isso. Fiquei surpreso. Mas não guardo mágoa alguma.

O Santos é favorito?
Não, é um clássico. É favorito com 50% de chances [risos], como o Palmeiras. Mais importante, nosso ambiente não se deixou contaminar por tudo o que tem sido dito sobre o nosso suposto favoritismo. Sabemos que teremos um adversário muito duro pela frente, teremos muito trabalho.

De 2004 para cá, você treinou 12 equipes. O que você pensa dessa troca constante de treinadores no Brasil?
Eu lamento. Infelizmente, é uma falta de cultura que vai continuar prevalecendo. A grande verdade é que o dirigente tem que se preparar melhor, e a mídia tem que parar de ser tão agressiva. Está na hora de pararmos de associar as derrotas à figura do treinador.
A ciranda de treinadores vai continuar. Nosso país carece de pessoas que assumam responsabilidades. É muito fácil apontar o dedo, mas ninguém volta o dedo a si mesmo no Brasil.

O caso do Doriva [demitido do São Paulo após sete jogos ] parece emblemático nesse sentido, não?
É só mais um. É um grande profissional que conquistou títulos em dois anos de carreira, tem o vestiário nas mãos... Foi uma situação desnecessária. Mas em um país que até junho de 2015 já tinha demitido mais de cem profissionais, entre eles o campeão do Brasileiro [Marcelo Oliveira], não é novidade.

Como o momento político do futebol brasileiro te impacta? O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, não tem acompanhado a seleção brasileira em suas viagens.
Infelizmente, é uma degradação natural. Perdemos os valores da educação e da família. No nosso país, isso tem sido corriqueiro. Essas situações trazem incompreensão e insatisfação de início, mas não tomamos atitudes. Nosso povo é muito pacato, despolitizado, relaxado em todos os sentidos. Cobra muito de situações muito pequenas, mas não sabe cobrar os seus direitos nem exigir das pessoas caráter, civilidade e dignidade, que perdemos há muito tempo.

Uma pessoa se torna dirigente por um período longo e quer se tornar dona da instituição, mesmo errando demais, apropriando-se de uma maneira equivocada de situações já conhecidas. Nosso país é o único que tem o fato ocorrido, as provas levantadas, as pessoas envolvidas, mas não conseguimos penalizar aqueles que erram. A lei facilita a vida do bandido.

É degradante. É uma situação que foge do nosso controle, mas ao mesmo tempo é nossa responsabilidade direta, porque não conseguimos nos impor nem cobrar.

Qual a oportunidade que podemos tirar desse momento do futebol brasileiro?
Acho que não é só o futebol. O brasileiro está com o DNA comprometido pela corrupção, pela safadeza, pela sacanagem. O brasileiro se acostumou com tudo isso. De modo geral, o que vemos são desmandos absurdos de um governo que quer se manter à força, independentemente do bem ou do mal que tem feito ao país. Educação e saúde jogados às moscas, uma recessão forte, por culpa de vários governos que se sucederam e pela irresponsabilidade de um povo que não sabe cobrar.

Acho que vamos tirar pouco proveito de tudo isso. Mas espero que haja pelo menos punição. E quero parabenizar o trabalho da Polícia Federal e também ao Sergio Moro, que tem sido brilhante. Só espero que o [Supremo] Tribunal Federal mantenha tudo o que foi levantado sobre pessoas que muito mal fizeram ao nosso país nos últimos anos.

OUTRO LADO

A CBF e o Palmeiras, por meio de suas assessorias, não quiseram comentar as declarações em tom crítico do técnico em entrevista à Folha.

O Palmeiras, clube no qual Dorival trabalhou entre setembro e dezembro de 2014, disse apenas que o considera um bom treinador e deseja a ele sucesso na carreira.

Porém, a reportagem apurou com pessoas ligadas à diretoria palmeirense que o clube entendeu que ele perdeu muitos jogos na reta final do Brasileiro e que a permanência do time na primeira divisão só ocorreu graças a outros resultados que favoreceram à equipe. Daí ter optado pela demissão.

RAIO-X - DORIVAL JÚNIOR

Nascimento: 25.abr.1962 (53 anos), em Araraquara (SP)

Principais clubes: Cruzeiro, Vasco, Atlético-MG, Inter, Flamengo, Fluminense, Palmeiras e Santos

Principais títulos: Série B (2009), Paulista e Copa do Brasil (2010), Recopa Sul-Americana (2011) e Gaúcho (2012)


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