Folha de S. Paulo


Depoimento

Na solidão, nenhum grito de 'vai, Curintia'

A rua estava tranquila. Nem bandeira. Nem camisa. Nem emoção. Me senti num país estrangeiro, a 400 quilômetros do epicentro, da casa do time que poderia, que foi, que é campeão brasileiro.

Nem um grito na janela. Nem um "chupa". Nem um "aqui é Curintia". Um silêncio broxante.

Ainda se fosse contra o Flamengo, talvez tivesse gritaria contra. Não tem.

Tudo é silêncio. Quero gritar. Ninguém quer gritar comigo. Ninguém torce comigo. Peço comida. Até quando o interfone toca quero gritar gol. Não tem gol.

Meu marido, carioca, troca receitas com minha amiga paulista. Engulo a comida. Tomo um gole de bebida. Sorrio. Corro pra TV. Pego a sobremesa. Que jogo amargo sem gol.

Quero gritar gol.

Olho pela janela. Nada. Que solidão de bosta. Pego mais um drinque. O São Paulo faz gol. Faz dois. Faz três. Faz quatro. Nem um grito. Quero o nosso gol.

Nessa hora não sou colunista, jornalista, escrevinhadora. Sou torcedora. Só eu. Solitária. Quero gritar. Quero gritar gol. Quero gritar campeão.

Goooooool. Só eu. Ninguém mais grita. Um silêncio. Uma angústia. Que cidade morta. Que cidade sem emoção. Que cidade sem Love. Que cidade sem Corinthians.

Abri a janela, olhei pro Cristo e gritei: Vai, Curintia!!, na esperança de alguém gritar de volta. Nada. Silêncio. Voltei lá e gritei: chupa, mundo. Deu um alívio.


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