Folha de S. Paulo


Demitido, Doriva diz que São Paulo sofre retrocesso na gestão

Rubens Chiri/saopaulofc.net
Doriva. De virada, São Paulo acaba derrotado pelo Cruzeiro. Com gol do aniversariante Luis Fabiano e grandes defesas de Denis, Tricolor largou na frente, mas não conseguiu impedir a reviravolta no placar
Doriva na partida contra o Cruzeiro, sua última como técnico do São Paulo

Demitido na última segunda (9) depois de só 33 dias no São Paulo, o técnico Doriva disse que a decisão da diretoria não teve critério e que foi surpreendido ao ser chamado no início da semana.

Dois dias depois de deixar o cargo, ele decidiu conceder entrevista para jornais, no escritório de seu assessor de imprensa. Para o treinador, do tempo que jogou lá, entre 1991 e 1994, para agora, o time do Morumbi regrediu na parte de gestão.

Doriva afirmou que nunca viu o São Paulo em situação tão ruim e acredita, inclusive, que o clube esteja atrás de todos os outros que ele trabalhou –Ituano, Vasco, Atlético-PR e Ponte Preta.

"Faz muito tempo [que eu joguei lá]. O São Paulo evoluiu bastante. Na parte de estrutura física, evoluiu muito, está muito bem. E regrediu nessa parte de gestão", afirmou o técnico, campeão paulista com o Ituano em 2014 e carioca com o Vasco em 2015.

"Com certeza. Pela marca que é, devia ser um clube no mínimo blindado. O que não está acontecendo. A todo momento o São Paulo está reproduzindo problemas. É uma pena, porque o São Paulo tem uma história linda, da qual eu faço parte, um grande clube, cheio de história".

Segundo Doriva, alguns jogadores lhe mandaram mensagem logo depois de saberem da decisão, como Pato, Ceni e Wesley. Milton Cruz, que ficou como interino, não entrou em contato.

Procurado para comentar as declarações de Doriva, o São Paulo afirmou que "agradece os serviços prestados e que tem Doriva em alta conta, profissional vencedor".

Leia abaixo a entrevista completa.

*

Folha - Você se arrepende de ter ido ao São Paulo?

*Doriva - * Não. A vida é feita de oportunidades. Meu primeiro objetivo na Ponte era livrar o time do rebaixamento. Estava com 41 pontos, esse objetivo estava feito e surgiu o convite do São Paulo. A partir daí, eu vislumbrei a possibilidade de dar um salto na carreira, trabalhando numa marca como o São Paulo. É inegável que é o sonho de todo profissional. Mas nunca imaginei que seria assim, que eu fosse viver isso que vivi. Com dois dias, o presidente que havia me contratado saiu. Mas eu não me arrependo.

Você regrediu na carreira?

O desfecho não foi o que eu esperava, mas eu não sabia disso antes de assumir. Com certeza vai acrescentar em nível de experiência e de maturidade. E muito. Na minha vida, eu sempre tirei boas lições dos momentos desfavoráveis. Eu vou olhar para frente e dar seguimento na minha carreira. Como eu sempre fiz, com honestidade, perseverança e vontade.

Em que momento você percebeu que não iria ficar?

Quando a pessoa que te contratou sai, obviamente passa pela sua cabeça que poderia ter uma demissão imediata. Não aconteceu. E a partir daí comecei a criar uma expectativa na minha cabeça de que eu poderia ficar, fazer o meu trabalho da melhor maneira possível e convencer as pessoas novas de que meu trabalho era bom e que se eu tivesse o tempo necessário eles poderiam ver que os resultados. Eu esperava ser avaliado no fim do ano. O trabalho teve início e meio, não teve fim. Eu não tenho mágoa, nem raiva, não tenho. Mas o trabalho só pode ser avaliado com início, meio e fim. E aí, no fim, você pode tomar uma decisão.

Foi uma surpresa, então?

Fui surpreendido. Foi sem critério. Eu imaginava que ia ser avaliado até o final. Se o trabalho não tivesse resposta, aí sim poderia vir uma decisão.

Você consegue avaliar o seu trabalho?

Eu vi evolução. Dois treinadores não são iguais. Eu nunca desrespeitei o trabalho do Osorio. A imprensa muitas vezes falou isso. Eu tenho o meu método e ele tem o dele, e eu respeito o dele, mas acredito no meu. Até hoje, o meu deu certo. Todos que eu comecei e terminei deram fruto. Eu vou continuar acreditando no meu trabalho.

Os resultados foram ruins. Qual foi o problema?

Tem a Copa do Brasil e o Brasileiro. E tem que separar as duas coisas. Se você pegar o percentual no Brasileiro, ele é bom. Na Copa do Brasil, falando de performance, a gente fez um bom primeiro jogo, mas o resultado não foi bom. Foi frustrante, para mim, para os jogadores e imagino que para a diretoria também. Mas tem de se ressaltar o valor do Santos, que está muito bem e soube se impor.

O grupo estava unido?

Eu enxerguei que era um grupo unido, gosto de uma equipe um pouco mais competitiva. Eu estava tentando implementar isso lá. Estimular... Mas leva um tempo para eles assimilarem o seu estilo de trabalho, o que você exige. Estava acontecendo, mas lentamente. Hoje, não tem como, tem de aliar talento e disposição, e comprometimento. Se não, não tem jeito.

A comparação com o Osorio incomodava?

Não atrapalhou. Parte da imprensa usou essa situação para criar um desconforto, mas não me desestabilizou. Tenho convicção do meu trabalho e estava tentando implantá-lo, mas foi interrompido.

O São Paulo justificou dizendo que queria títulos e já estava planejando 2016. Como você recebe esses argumentos?

Eu conversei com o Gustavo [Vieira de Oliveira, diretor-executivo do clube] e ele me disse que iam criar um fato novo para conseguir a Libertadores. Eu acho que o São Paulo tinha e tem totais condições para chegar na Libertadores, inclusive estou torcendo por isso.

A expressão usada foi um fato novo? O que você entende por isso?

Eu não posso julgar nada e não quero ser injusto com ninguém. Eu apenas lamento a maneira que foi [tomada] a decisão da diretoria. Eles se precipitaram. Eu não tenho o poder de decisão, são eles quem tem. Eu estava motivado e querendo fazer o meu melhor.

Só o Gustavo falou com você?

Falei com o Ataíde [Gil Guerreiro, vice de futebol] também. Ele me incentivou, disse que não foi só o Aidar que queria me trazer e me deu incentivo para seguir em frente. Foi uma pessoa que eu gostei muito de trabalhar, frontal, honesta. Isso é importante.

Você acha que o Abilio Diniz influenciou a sua saída?

Eu não sei, não me envolvi em política. É o que se diz. Mas não sei se houve ou se não houve. Eu sei que o Leco é o presidente, não conheço o Abílio Diniz e não posso fazer um julgamento sobre ele, como ele também não pode fazer de mim.

Não foi um erro de avaliação seu não ter ponderado a situação política?

Eu não tinha como saber. Depois de dois dias é que houve a exposição dessa situação, da briga e tal. Tinham especulações, até do caso do Maidana, mas não tinha essa certeza. Se tivesse, eu avaliaria e não tomaria essa decisão. Mas ele [Aidar] era o presidente e queria me contratar. Depois que eu estava no processo é que aconteceu essa situação. Não dava para voltar atrás.

Você pensa em avaliar melhor a situação política do clube na próxima vez?

A gente sempre avalia. Avalia o elenco, a política e todo o resto. Eu sabia que vivia um momento conturbado, mas não sabia que seria assim. Influenciou muito. Lamento, porque o São Paulo sempre foi um clube que soube gerir bem as coisas. E agora está assim, com as coisas expostas.

Já viu o São Paulo em situação pior que essa?

Acredito que não.

O que mudou desde que você saiu de lá, quando jogava?

Faz muito tempo. O São Paulo evoluiu bastante. Na parte de estrutura física, evoluiu muito, está muito bem. E regrediu nessa parte de gestão.

Você aprendeu alguma coisa nesse tempo?

Eu ainda estou digerindo. Todas as situações trazem reflexão e amadurecimento, e essa vai ser mais uma situação na minha carreira. Eu tenho uma história e esse é só um momento. A minha história continua intacta.

Recebeu alguma pressão?

Não. Você está dentro do clube, acaba encontrando com as pessoas, não tive reunião formal, mas conversava sobre futuras situações de atletas. Eu conversei um dia com o Leco e ele me disse para ficar tranquilo e fazer o meu trabalho. E eu fiquei tranquilo. O Ataíde também disse que confiava no meu trabalho. Sempre estive focado no campo.

*Na semana passada, você disse que ainda não tinha falado sobre planejamento com o vice de futebol, e ele disse que tinha lhe procurado. Eles já estavam pensando em te descartar?

Não sei, não tenho como saber. Tivemos algumas conversas, falamos de alguns nomes, mas não houve nada formal. Eu acredito até que a gente iria esperar para ver se classificava à Libertadores, para ver o que planejava.

Você falou com o Aidar desde que ele saiu?

Falei uma vez por mensagem. Ele lamentando a saída dele, e eu agradeci por ter me dado a chance. Gratidão é uma coisa que eu levo. Depois da saída, não falei.

E com os jogadores?

Recebi algumas mensagens de atletas que se solidarizaram, como do [Alexandre] Pato, do [Rogério] Ceni, Wesley e outros.

Há uma crítica sobre o São Paulo ser apático em campo. O que você acha?

Comecei a estimular que a gente só consegue resultados se tiver uma equipe competitiva. O Corinthians, por exemplo, tem talento, mas compete. É uma equipe comprometida. Eu sempre estimulei todos os atletas a isso. E teve uma melhora. O Ganso melhorou muito, se entregou e correu. Ele aumentou o percentual de km que fazia nos jogos. Foi evidente isso. Eu gosto que a equipe trabalhe junto. A individualidade aparece no momento certo. Você tem que ter o coletivo forte.

Você sentiu que o grupo era mais individualista?

Nós tínhamos jogadores que jogam mais individualmente. Mas o esporte é coletivo e você tem que trazer esses que jogam assim para participar da parte tática, especialmente sem a bola.

A recuperação do Ganso foi o seu grande momento?

Eu acho que ele evoluiu. Do primeiro para o último jogo houve uma evolução do coletivo. Não foi grande porque requer mais tempo, mas houve uma evolução muito boa.

Deixou um time um pouco com a sua cara?

Eu acho. Faltava ainda um pouco. Mas eu acho que eles já estavam assimilando bem. Fazendo coisas que a gente cobrava. Não dá para fazer tudo de uma vez. Eles estavam fazendo coisas das quais eu sou convicto de que dá certo.

Por que [o seu contrato] não tinha multa [de rescisão]?

Não é mais comum. Eles não colocam mais. Colocavam antes e depois os clubes rescindiam e ficavam pagando por mais um monte de tempo. Sofriam com isso.

Você não recebeu nada?

Vou receber os dias que trabalhei e tem uma cláusula de aviso prévio. Vão acertar ainda.

Como foi trabalhar com o Gustavo?

Ele é uma pessoa tranquila. Não tive problema algum. Nem com ele e nem com ninguém. Eu sou uma pessoa fácil e não tive problema com ninguém. Eu acredito que o ambiente saudável faz a diferença.

Não está na hora de parar em um clube só?

Obviamente quando você inicia um trabalho, você quer terminar. Eu iniciei um trabalho no Vasco quando as coisas começaram a ir bem. Mas depois, não continuaram nessa direção. E em comum acordo decidi ir embora. É uma coisa de momento. Surgiu a Ponte, houve momento difícil, mas superamos. Saí em um momento favorável. Quero ter uma história longa em um clube e conquistar títulos. Mas, no futebol, a gente nunca sabe o que vai acontecer. Quando eu estava no Vasco, tive o convite do Grêmio. Era melhor financeiramente, mas achei que não era o momento. Já na Ponte, foi diferente. Lamentavelmente, as coisas não aconteceram da maneira que eu esperava.

O que você projeta agora?

Eu estou dando uma refrescada na mente. Não pretendo trabalhar de imediato. Quero continuar trabalhando, com certeza. Quero continuar vendo os jogos. A partir dos jogos você tira um monte de ideias. Pretendo ver jogos de alto nível e aguardar para ver o que vai acontecer. Houve um contato com uma pessoa, mas eu me posicionei dessa maneira.

A ideia é começar [a trabalhar] no ano que vem?

Sim. Quero trabalhar e estou olhando para frente. Esse foi um momento da minha carreira, que é curta, mas vitoriosa. Os trabalhos em que eu comecei e terminei deram certo. Eu sou uma pessoa séria, honesta e não tenho o que temer. Vou continuar focado. A gente às vezes é julgado, mas a minha história tem me respaldado. Estou muito confiante no futuro.

O São Paulo está atrás de Vasco, Ituano, Ponte e Atlético-PR, clubes que você trabalhou, no aspecto da gestão?

Com certeza. Pela marca que é, devia ser um clube no mínimo blindado, o que não está acontecendo. A todo momento o São Paulo está reproduzindo problemas. É uma pena porque o São Paulo tem uma história linda, da qual eu faço parte. É um grande clube, cheio de história.

Foi o mais difícil?

Foi muito pouco tempo. Foi muito conturbado e isso tumultua o ambiente. Quando o ambiente é bom, as coisas funcionam melhor.

O Rogério ainda faz bem para o grupo?

Com certeza. Ele tem uma história linda. O são-paulino vai sentir falta da postura dele, ele é um líder. Eu acho que ele faz bem para o São Paulo.

Se no futuro vier um convite do São Paulo, você aceitaria?

Com certeza eu iria pensar. Não tenho mágoa de ninguém. A gente fica triste porque isso é do ser humano, por não ter sido da forma que eu sonhei.

Só Corinthians e Atlético-MG não mudaram de técnicos no Brasileiro.

É lamentável. As pessoas perdem a credibilidade muito rápido.

O Leco falou com você depois da sua saída?

Não. Não houve nenhum contato.

Isso te decepcionou?

Não.

E o Milton Cruz?

Também não. Só se chegou uma mensagem e eu não vi. Mas também não tenho problema nenhum com ele.


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