Folha de S. Paulo


'Investimento na carreira não é ter carro bonito', diz Ricardo Oliveira

Ricardo Oliveira tem cinco rodadas no Campeonato Brasileiro para anotar quatro gols e se tornar o jogador que mais marcou na Série A nos últimos 11 anos.

Em 2004, Washington fez 34 gols pelo Atlético-PR. Depois dele, Borges e Jonas, em 2010 e 2011, respectivamente, fizeram 23. Com 20 gols até o momento nesta edição, o centroavante santista se surpreendeu com a marca que pode superar.

"Esses 14 são difíceis [risos], mas os quatro gols dá para tentar bater", disse Ricardo Oliveira em entrevista à Folha no centro de treinamento do Santos, nesta quarta-feira (4).

Aos 35 anos, qual é o segredo para ser goleador? "Tem jogador que acha que investir na carreira é ter conta bancária recheada e carro bonito. Investir é renunciar a certas coisas, trabalhar e jogar em alto rendimento", disse o atacante.

Ele pediu desculpas ao goleiro Fernando Prass por ter jogado uma bola no palmeirense no clássico de domingo (1º). Segundo o santista, foi sem querer. Pela careta que fez na comemoração, no entanto, não se desculpou.

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Folha - Um ano atrás você estava sem clube, hoje é disparado o artilheiro do Brasileiro, aos 35 anos. Como explicar?
Ricardo Oliveira - Eu abri mão de muitas coisas. O investimento na carreira é muito alto, talvez alguns atletas não entendam o que é o investimento na carreira. Não é só um contrato renovado, a conta bancária recheada, ou um carro bonito. Investir na carreira é renunciar a algumas coisas para conseguir jogar em alto nível.

Do que você abriu mão?
Deixar de comer o que você gosta, deixar às vezes de sair, de fazer o que gostaria de fazer, deixar a família em São Paulo e ficar aqui [em Santos] para poder se dedicar aos treinos. É assim que você consegue chegar a uma seleção, ser querido por uma torcida, e vira exemplo para os jogadores mais jovens, que lhe vêem numa idade mais avançada e falam 'pô, impressionante como você faz'.

O Ricardo que jogou no Santos 12 anos atrás é muito diferente do Ricardo de 2015?
É uma diferença gigantesca. Eu era um cara introvertido, quietinho, na minha. Ainda tenho algumas coisas disso, mas quando cheguei, com 34 [anos], era um cara cascudo, experiente. Joguei pela seleção, no Milan, com títulos na Europa, volto e encontro um grupo jovem. Você vem para agregar mais experiência. Mas o que me desafiou foi o seguinte: eu não estava vindo para o Santos só para agregar experiência, esse negócio de abraçar o menino. Estava vindo para fazer gol, ser artilheiro, para jogar, para conquistar, eu quero ser protagonista, eu sabia que poderia ser protagonista.

Acha que surpreendeu os mais jovens com essa postura?
Esse foi o grande desafio, mostrar para eles que é o seguinte: se vocês se espelham em mim, eu quero que vocês vejam o que um atleta é capaz de fazer quando se tem disciplina, quando se tem ambição, quando se acredita no potencial. Os limites são desconhecidos, você não sabe até onde pode chegar.

Você ficou mais de quatro anos no futebol árabe, considerado de nível técnico inferior. Acha que isso atrapalhou no retorno ao Brasil?
Eu concordo com você, que o nível técnico é muito baixo, até porque não tem visibilidade nenhuma. Concordo, mas aí eu falo de investir na carreira. Cara, eu ia para lá e treinava todo dia, e treinava a 200 por hora. Por isso fiz muitos gols, por isso marquei meu nome na historia do Al-Jazira [Emirados Árabes].

Mas tem jogador que vai para lá pensando em ganhar dinheiro e tirar férias, não?
Chegou um jogador lá muito famoso, de seleção europeia, começou a ir em festa e ficou dois meses, depois rescindiu e mandaram ele embora. Um cara renomado. O pessoal investe lá, mas quer resultado. Não adianta chegar lá e achar que os caras são um zé ninguém, são bobos, que você vai tomar dinheiro e fazer o que quiser.

E mesmo ídolo lá, artilheiro, você teve dificuldade para arrumar clube na volta ao Brasil.
Quando voltei para o Brasil entendi que ninguém iria escancarar a porta para alguém que ficou quase cinco anos no mundo árabe, para um cara que ficou nove meses parado. Convenhamos, futebol é um negócio. Vai pegar um cara de 34 anos, que estava cinco anos no mundo árabe, o que ele vai me dar amanhã?

O que você achou quando o Santos propôs um contrato de produtividade e curto [cinco meses]?
Eu queria um contrato até dezembro de 2015. O Santos disse: "vamos fazer primeiro esse, até o final do Paulista". Então brinquei: "antes do final do Paulista vocês vão me procurar para renovar o contrato". E foi assim.

O time viveu momento difícil no Brasileiro, após o título paulista e a troca de Marcelo Fernandes pelo Dorival. Como os jovens reagiram?
Foi depois do 4 a 1 para o Goiás [em 8 de julho]. Abalou um pouco muita gente, e aí tivemos que reunir, chamar alguns garotos, abraçar e falar calma, que faz parte da carreira. Falei das experiências, que tinha vivido isso. O Marcelo saiu, o Dorival veio, os torcedores entraram aqui para conversar com a gente.

Você conversou com eles?
Conversei.

Acha legal torcedores entrarem no CT para conversar?
Não acho legal, mas se entrou vamos conversar, se é de uma forma amigável. Escutamos o que tínhamos que escutar, falamos que não queríamos perder de 4 a 1.

O time melhorou com isso?
Acho que o fator determinante foi o seguinte: o time ganhou o Paulista debaixo de desconfiança, o ano se pintou tenebroso, se falou em rebaixamento, acho que foi um exagero. Só que isso serviu de combustível, criou uma indignação no elenco, aí o time foi e ganhou. Então inicia o Brasileiro e acho que ainda estava naquele clima de vitória, e Brasileiro é difícil demais. Quando chega o Dorival, colocamos para fora essa indignação. Como um time ganha um Paulista tão difícil, jogando da maneira que jogou, e entra no Brasileiro passando uma imagem dessa? Conseguimos resgatar aquela humildade de correr, de atacar em grupo, de se doar, de corrigir o companheiro dentro de campo. E emplacou.

Você se envolveu em recente entrevero com o Fernando Prass, que reclamou de comemoração sua [careta de desprezo foi a reclamação]. Você é pastor [igreja Assembleia de Deus]. Acha que isso aumenta a polêmica com o que faz em campo?
Acho que a proporção fica bem maior pelo fato de eu ser pastor. Primeiro queria só lamentar uma coisa, a bola que acertei nele [Prass]. Foi sem querer, eu estava de cabeça baixa, eu peguei a bola, driblei, estava impedido, queria devolver para onde o juiz estava, e acabei acertando nele, por infelicidade minha. Eu quero pedir perdão, e peço desculpa. No lance do gol, não tenho porque pedir desculpa, foi uma comemoração com o Gabriel, eu já tinha feito essa cara em outro gol. Não ofendi o Prass, não dirigi palavra a ele. Mas pelo fato de eu ser pastor, aumentam um pouco, entram nisso.

Acha que se um jogador comemora o gol como você fez contra o São Paulo, com o gesto de 'acabou', e é um cara polêmico, as críticas seriam menores?
E você vê que com o São Paulo não teve polêmica. Vejo algumas pessoas falando a respeito de caráter, que você é mau caráter, é isso, aquilo, mas para alguns servem, para outros não, uns podem, mas outros não podem, ou de que forma podem [comemorar os gols]? Vamos deixar de hipocrisia, o futebol é uma paixão.

Por que o futebol brasileiro não produz mais centroavantes eficientes como antes?
Esse território aqui, esse campinho [aponta para a grande área], é muito produtivo. Agora, a gente precisa de material humano, pessoas com a percepção de formar o cara. Hoje você tem Cristiano Ronaldo, Messi, o Neymar, a safra que vai surgindo se espelha nesses caras, os caras driblam, saem da área. Tínhamos que ter um mentor, um comandante que fala assim: quero você nesse espaço, nesse movimento, você vai treinar isso, isso, e aquilo, e você vai produzir jogadores com essa característica de camisa nove para a seleção.


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