Folha de S. Paulo


'Para recuperar credibilidade, Fifa tem de recomeçar do zero', diz Zico

Arthur Antunes Coimbra, 62, o Zico, ganhou quase tudo como jogador. Agora, alça seu voo mais alto: quer presidir a Fifa a partir de fevereiro de 2016, quando tentará ser eleito o sucessor de Joseph Blatter, que sai acuado por denúncias de corrupção.

Ainda sem o apoio de cinco federações -requisito mínimo para registrar a candidatura-, Zico acredita que irá disputar a eleição agora com mais chances depois que o francês Michel Platini, favorito, foi chamuscado por acusação de recebimento irregular de dinheiro da Fifa.

À Folha ele defendeu a reforma da entidade, a começar pelo sistema eleitoral, participação maior do "mundo do futebol", em contraposição à presença de políticos, e mudanças em três focos de corrupção: escolha das sedes da Copa, negociação de direitos de TV e eleição presidencial.

Participaram da entrevista, feita por e-mail, como convidados, os colunistas da Folha Juca Kfouri, PVC e Tostão, o líder do Bom Senso, Paulo André, o presidente da Primeira Liga, Alexandre Kalil, e o comentarista dos canais ESPN Mauro Cezar Pereira.

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Folha - A CBF ainda não apresentou por escrito apoio à sua candidatura. O que falta?

O presidente [Marco Polo Del Nero] foi bem claro. Se você trouxer as quatro cartas, pode contar com a quinta do Brasil, mas não garanto o voto em fevereiro. Hoje, existem os famosos votos em bloco e o que a confederação do continente definir é o que todos aceitam. As federações devem ter sua liberdade de escolha sem prejuízo ou represália depois. Dou o exemplo da Ásia. Os objetivos do Japão não são os mesmos do Vietnã, e o voto é igual.

Juca Kfouri - Você se arrepende de ter pedido apoio do Del Nero sendo um candidato contra a corrupção?

Não fui falar com o Del Nero, que sempre me tratou muito bem e com respeito. Não sou amigo dele e nem tenho compromisso com ele. Fui falar com o presidente da entidade do meu país. Não estou arrependido de nada. Servi 10 anos à seleção e não acredito que, por fazer criticas a algumas decisões do presidente, se possa confundir as posições da entidade.

Tostão - Alguns te criticam por ter pedido o apoio da CBF, que você critica. Isso te incomoda?

Não me incomoda. É um direito de opinião. Não podemos confundir a entidade com críticas aos profissionais que representam a entidade naquele momento. Tenho isenção para concordar e discordar de decisões.

Folha - O Comitê de Ética da Fifa suspendeu Blatter. Isso pode influenciar na eleição?

Não acredito, porque o Blatter não ia lançar candidato ou apoiar alguém, mas não tenho dúvida de que, pela forma atual de eleição, ele ainda tem maioria, mesmo com tudo o que aconteceu.

Folha - E a candidatura de Platini?

Essa sim, porque todos sabem que o Platini é favorito. Tem Europa, Ásia e Conmebol juntas. Mas, agora, o cenário é outro e não sei se esses três continentes ainda pensam da mesma forma diante de todos esses fatos dos últimos dias.

Folha - Há pré-candidatos da Europa, mas também da Ásia, da África e da América. Acha que é o momento de a presidência da Fifa sair do controle de um europeu (somente João Havelange conseguiu isso)?

Independente da nacionalidade do candidato, o que não se pode é concentrar o mundo do futebol na Europa. Eu trabalhei e vivenciei o futebol em três continentes, e o trabalho da Fifa é mundial e não continental. O Havelange abriu as portas para a África, e a Oceania veio junto. Hoje, o futebol é uma realidade nesses continentes.

Folha - O principal foco de corrupção na Fifa envolve contratos de direito de transmissão dos eventos. O que pensa que pode ser feito para evitar a corrupção nas negociações?

Acho que isso é um dos casos. Escolha das sedes para a Copa é outro. Eleição para presidente da Fifa é outro. A ganância do poder corrompe. A Fifa, para voltar a ter credibilidade, tem que começar do zero. O continuísmo permite isso. As pessoas acabam ficando comprometidas umas com as outras e foi preciso isso tudo vir a público para que se entendesse que as reformas são urgentes, a começar pelo sistema eleitoral.

Folha - O que fazer para levar a Copa a outras partes do mundo, sem criar suspeitas?

O mundo do futebol precisa participar dessa escolha e não 23 ou 25 pessoas que formam um comitê. País que concorre deve ter do seu povo uma participação significativa e não vir uma autoridade que gosta de futebol e simplesmente dizer que quer a Copa no seu país e depois deixar dívidas e sobrar para o contribuinte sustentar um patrimônio elefante branco.

Paulo Vinícius Coelho - Que medida é possível para blindar a entidade de corrupção?

As mudanças devem começar pelas eleições, já comprometidas. Por que eu, com 45 anos de vida no futebol, preciso ainda de cinco cartas para me candidatar? E, assim como eu, existem outros esportistas do futebol com mais capacidade, mas que precisam de compromisso. Se amanhã você ajuda alguma federação que te deu apoio, vão dizer que foi por causa da carta que te deram.

Alexandre Kalil - Por que não se sorteia os candidatos para sediar a Copa do Mundo para acabar com compra de votos?

É mais uma ideia do mundo do futebol. Não tenho dúvida de que ninguém do futebol é ouvido para essas questões. A Fifa hoje é uma caixa-preta e que só foi aberta com a corrupção. O mundo do futebol precisa participar dessas decisões. Vão sair ideias simples, médias, mas vão sair ideias brilhantes também.

Folha - O sr. pode ser o primeiro jogador a presidir a Fifa. Qual será a importância disso?

Acho que não só o jogador, mas o esportista que viveu diversas funções dentro e fora do campo e trabalhou em diversos continentes para conhecer a realidade deles. Temos pessoas na área técnica, física, médica, arbitragem, etc. Esse leque tem que ser aberto para as pessoas do mundo do futebol terem oportunidade de ambicionar esses cargos. Não podemos ter cargos políticos na Fifa.

Mauro Cezar Pereira - Não teme decepcionar como dirigente, a exemplo de outros, como Roberto Dinamite e Platini?

Nunca temi desafios. Pior é não tentar. Posso cometer erros como qualquer cidadão, mas não para ter benefícios próprios em cima de cargos. A administração da Fifa não é para se ter vitórias ou derrotas como num jogo e sim para dar credibilidade ao futebol.

PVC - Depois de parar de jogar, você foi secretário do governo Collor e diretor do Flamengo. Nos dois casos, por pouco tempo. Por que devemos acreditar que vai cumprir uma trajetória longa na Fifa?

Uma coisa é você assinar um compromisso de deveres e direitos e outra é você colocar seu nome numa eleição. Garanto que, nos dois casos citados por você, meus deveres foram cumpridos e compromissos assumidos, também. Um compromisso de eleição eu estou assumindo sozinho, não tenho os direitos, só os deveres e acho que, sobre isso, minha vida está aí aberta para quem quiser ver.

Tostão - Você já pensou nos perigos de ser presidente da Fifa, entidade tão poderosa e cercada por interesses?

Não posso pensar em perigos e sim em soluções, que é do que precisa a Fifa. Interesses sempre existiram e vão existir em todas as áreas. O presidente precisa ter uma filosofia, e os interesses têm que ser de acordo com o que vai beneficiar o futebol e não o que nós estamos vendo agora e vimos nos últimos anos.

Mauro Cezar Pereira - Quais as pessoas com as quais espera contar em sua equipe?

Seria com aquelas que acreditam nas reformas que precisam ser feitas, na transparência e na democracia, nas novas formas de eleições e, lógico, gostaria de ter ao meu lado pessoas que amam o futebol como eu, independente de nacionalidade.

Juca Kfouri - Qual é o papel de Pedro Trengrouse [advogado, especialista em esportes pela FGV] em sua campanha?

É um cara que conheço há anos devido à ligação dele com o Márcio Braga, que foi meu presidente no Flamengo. Tem um grande conhecimento de Fifa e tem sido de uma importância muito grande na nossa equipe.

Folha - Como está a busca de apoio?

Não acredito que, até uma semana antes do prazo, alguém vá dar alguma abertura sobre candidatura, pois todos estão preocupados com essas decisões que vêm a público a cada dia e não sabemos se haverá outras mudanças. Estou com confiança nesses apoios.

Paulo André - Por que quando a CBF está mais fragilizada, você optou por lutar pela Fifa?

Não é questão de desistir da CBF. Acho também que seria o caminho normal, mas, infelizmente, a possibilidade de você se candidatar na Fifa é menos difícil do que na CBF. A forma de eleição no Brasil, como está, acredito que o Del Nero deva ficar mais uns 12 anos, porque já existe esse comprometimento das federações e clubes. Hoje, são 47 votantes e, para alguém se candidatar, precisa do apoio de 1/3 disso, sendo oito federações e cinco clubes.

Paulo André - Irá lutar para tirar essa barreira na CBF?

Temos que lutar sempre, e a Fifa, maior autoridade tinha que dar exemplo. Sem dúvida que, se a CBF fizesse isso, pelo que o Brasil representa para o mundo do futebol, seria um passo gigante, a ser seguido por muita gente.


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