Folha de S. Paulo


Machismo ainda domina cúpula do futebol

Alexander Roth-Grisard/Getty Images
A portuguesa Helena Costa chegou a ser apresentada como técnica de um clube francês, mas deixou o cargo logo depois
A portuguesa Helena Costa chegou a ser apresentada como técnica de um clube francês, mas deixou o cargo logo depois

Uma juventude passada no gol de seu time marcou o começo da carreira futebolística de Klara Bjartmarz, nos gramados e fora deles. Embora sua capacidade de impedir gols adversários deixasse a desejar —"Eu não era uma goleira muito boa", ela admite—, os talentos fora de campo se provaram mais substanciais. Em agosto, ela se tornou secretária-geral da Associação de Futebol da Islândia.

Bjartmarz é uma das poucas mulheres no comando de um esporte cujos escalões superiores são dominados por homens, a despeito do crescimento no número de torcedoras e da crescente popularidade do futebol feminino.

Para arrumar essa deficiência, Bjartmarz e mais 20 mulheres que trabalham no futebol europeu participaram de um programa de liderança montado pela Uefa. Realizado em Nyon, sede da organização, na Suíça, o projeto tenta fornecer às mulheres a capacitação de que precisam para ascender aos escalões mais altos do futebol.

Foi um comentário de Androulla Vassiliou, então integrante da Comissão Europeia, sobre a escassez de mulheres nos principais comitês executivos que ajudou a persuadir a Uefa a se movimentar.

Reprodução/Facebook/klara.bjartmarz
Klara Bjartmarz, secretária geral da Associação de Futebol da Islândia
Klara Bjartmarz, secretária geral da Associação de Futebol da Islândia

"Os comentários de Vassiliou catalisaram uma mudança e deram destaque à questão do envolvimento das mulheres na Uefa", disse Pedro Pinto, que comanda a área de comunicação da entidade.

"As visões dela batiam com as de nosso presidente, Michel Platini, que, em seus oito anos de mandato, triplicou o número de mulheres nos órgãos decisórios", disse.

Agora há uma mulher, Karen Espelund, no comitê executivo da Uefa, o que Pinto define como "importante primeiro passo". Mas acrescenta que "estamos estudando como aumentar o número de mulheres no comitê".

Thomas Jundt, gerente de educação e universidades da Uefa, diz que a ideia por trás do programa era estimular o desenvolvimento das mulheres. "É preciso encorajar ativamente as federações nacionais para que atribuam papéis mais importantes às mulheres", ele aponta. "A solução terá surgido quando um esquema como esse se tornar desnecessário", afirmou.

Mas o futebol ainda está bastante longe dessa meta. Ainda é evidente que programas assim são necessários.

Casos claros de sexismo, como os insultos proferidos pelos torcedores do Chelsea, da Premier League inglesa, contra a médica Eva Carneiro, ou as experiências de Helena Costa durante seu breve período como treinadora do Clermont Foot 63, time da segunda divisão francesa, reforçaram a imagem do futebol como esporte machista.

Ginka Toegel, professora de liderança na IND, uma escola de administração de empresas na Suíça envolvida na concepção do programa, diz que "o futebol não é tão diferente do setor financeiro". "Os bancos também são dominados pelos homens."

Mas, ao contrário das finanças, o futebol ainda não sofreu o tipo de crise que muitas vezes força uma mudança. Toegel diz que, "se você considerar o futebol, verá que é imensamente lucrativo "" a pressão exercida por outros esportes é pequena. O jogo é tão popular que não existem pressões externas".

O esforço da Uefa mal começou, e boa parte de seu sucesso dependerá de torná-lo sustentável, com as mulheres sendo não só instruídas mas recebendo o patrocínio –ou apoio– de que precisam para que tenham chance de promoção nas fileiras do esporte. A adesão masculina é especialmente importante.

Até agora, a Uefa montou três programas envolvendo 69 mulheres de federações da Europa. No final da semana de estudo, elas recebem certificados de Platini.

O próximo programa acontecerá no segundo trimestre de 2016. Cada uma das mulheres tem um mentor, com quem pode manter contato depois da conclusão. A esperança é que eles patrocinem seu avanço.

"O curso foi excelente e muito produtivo", disse Bjartmarz. "A Uefa não é perfeita, mas está fazendo algo de muito bom, aqui."


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