Folha de S. Paulo


Não dá para jogar futebol profissional ao meio-dia, diz Renato Augusto

Aos 27 anos, Renato Augusto se vê no melhor momento da sua carreira profissional. Titular e decisivo no Corinthians, líder do campeonato brasileiro, o meia-atacante comemora o fato de não ter sofrido nenhuma lesão grave na temporada, fato raro na sua carreira.

"Estou correndo mais agora do que quando eu tinha 20 anos", diz o jogador corintiano à Folha.

O risco de desgaste físico com a sequência de jogos no Brasileiro é, segundo ele, o principal rival do Corinthians para a conquista do título.

Na entrevista, o jogador critica a realização de jogos do Brasileiro às 11h e a proposta da CBF de utilizar o auxílio de imagens da TV para decisões da arbitragem.

Folha - Você se vê no melhor momento da sua carreira?

Renato Augusto - Sim, fisicamente e tecnicamente. Eu estava brincando ali que estou correndo mais agora do que quando eu tinha 20 anos. Eu estou muito bem fisicamente, e isso tem me ajudado tecnicamente também.

Acredita que poderia estar na seleção brasileira?

Não vejo injustiça [em não estar na seleção]. Pelo contrário. A seleção, do meio para frente, tem muitas opções. Muita gente falou "nossa, você ficou fora", mas o [Philippe] Coutinho, do Liverpool, ficou fora. É o primeiro brasileiro abaixo do Neymar na Europa.

Em maio, depois de ser eliminado da Libertadores, você imaginava o Corinthians líder do Brasileiro?

Não. De jeito nenhum. Principalmente porque tinha especulação de jogadores que iriam sair. A gente achou que o desmanche seria até maior. Você perder dois caras que eram ídolos da torcida, que tinham conquistado títulos importantes, depois perde o líder do grupo, que era o Fábio Santos.

Na época do desmanche, você pensou em sair?

Não pensei em sair, mas perguntei o que ia acontecer. Chamei o Tite, conversamos com o presidente para saber o que ia acontecer. Se for para todo mundo sair, vou ficar fazendo o que aqui sozinho? Ouvi deles que ninguém mais ia sair até o fim do ano.

O título do Brasileiro é obrigação?

Não acho, por tudo que aconteceu, por ter perdido jogadores. Só que para o torcedor acaba passando uma obrigação, porque a gente deu uma resposta boa para toda a situação. Isso não quer dizer que é obrigação. A gente escuta o torcedor falar isso, mas quem analisa o trabalho do dia a dia sabe que a coisa é muito diferente.

Qual tem sido a palavra de ordem do Tite nessa reta final?

Ele bate sempre na mesma tecla: jogar bem para merecer vencer. Uma coisa é você vencer, outra coisa é merecer. E estar sempre mentalmente forte, concentrado, focado.

Nessa reta final, que time preocupa mais o Corinthians?

O nosso. O cansaço. O Brasileiro não te dá um jogo para você descansar. Não dá. Você tem que jogar todos os jogos em alto nível. E chega uma hora que o corpo já não obedece mais.

O segundo tempo tem ficado difícil para você?

Principalmente nesses jogos em que o desgaste físico é maior. Eu tive que correr muito a mais. Chega uma hora que o corpo não aguenta. Eu estou batendo meus recordes hoje, de quilômetros percorridos, de velocidade, de tudo. Eu acho que pelo nível em que eu venho jogando, é normal que o final do jogo pegue um pouco mais.

Como você vê o fato do Brasileiro não parar em datas de amistosos da seleção?

Acho péssimo. Você perde o cara que vai para a seleção brasileira, normalmente ele é o principal do time, então, é péssimo. Você perde um Elias, por exemplo, que é difícil você achar um jogador igual a ele, que faça a mesma função dentro de campo. Pega uma sequência de jogos como a gente pegou e atrapalha tudo. É ruim para todo mundo. O calendário brasileiro é um absurdo, você pode chegar a quase 90 jogos. É um castigo para o corpo do atleta.

O que você acha de jogar partidas às 11h?

Horrível. Eu odeio. Eu sou um cara que gosta de dormir tarde e acordar tarde. Se eu pudesse jogar meia-noite, eu ia gostar. Eu gosto da noite. Então, eu vou sofrer. Sou contra, muito contra isso. Não dá para ter um segundo tempo começando meio-dia. Não dá. Não existe isso.

Por outro lado, pode ser o maior público da Arena...

Aí você tem que decidir: quer vender ou quer um bom jogo? Aí tem que ver o que você quer. Se quer o maior público, tudo bem. Se quer jogo bom, não tinha que ser assim. É bom para o torcedor.

Que nota você dá para a arbitragem do Brasileiro?

Eu daria nota 7 ou 7,5. Eu vi que estão querendo colocar o vídeo-árbitro agora. Imagina: eu faço o gol, comemoro, o cara chega pra mim e fala "por favor, vamos ver a câmera" e olha na TV e vê que eu estou impedido. Você já comemorou, já fez tudo. Basquete é basquete, futebol é futebol, vôlei é vôlei, tênis é tênis. Não pode misturar. Eu sou contra.

Você acha que o Corinthians tem sido ajudado?

Eu vejo pênaltis para outros clubes, você já imaginou se fosse para o Corinthians? Meu Deus do céu. Ia acabar o mundo. A nossa saída de bola parada é muito rápida. Então, se o bandeira perder um segundo, ele não vai ver. Não é uma questão de má fé, nem de ajuda para um time.

Como você vê o futebol brasileiro?

Financeiramente caiu muito, até por tudo que está acontecendo no Brasil. Tinha dado um boom e depois caiu. Tecnicamente caiu também, porque muitos jogadores que vieram depois foram embora, como o Seedorf, por exemplo. Mas eu vejo muito jogo bom aqui no Brasil, muito jogo corrido, brigado. Está em um nível alto, não top, mas alto. Acho que quem está pagando ingresso e vendo na televisão está gostando.

O 7 a 1 foi uma surpresa para você?

Se joga mais dez vezes, na mesma formação, com os mesmos jogadores, não ia dar nunca mais 7 a 1. Tem coisa no futebol que você não consegue explicar, só quem está no campo entende. A Alemanha fez a melhor partida tática da história da vida dela. Fizeram tudo certo.

O futebol brasileiro tem que passar pelo mesmo processo que passou a Alemanha?

Aqui ninguém tem paciência para isso. Eu cheguei na Alemanha e vi ela empatando com Montenegro. Eu olhava e pensava: "eu jogo nessa seleção". Mas depois tudo mudou. Foram vários fatores que mudaram para ir encaixando. Melhorou demais. Como vai fazer um trabalho para daqui a cinco anos no Brasil? A Alemanha fez para oito ou dez anos.

Quem não tem paciência?

Todos. O torcedor, a imprensa... Se o Brasil fizer hoje um amistoso com a China, tem que ganhar. Se empatar, começam já a falar que esse não serve, aquele não dá, tem que tirar. Não é assim.

Você tem mágoa do Flamengo?

Sim, sempre deixa, mas vida que segue. Estou com a cabeça voltada aqui hoje, não vai manchar o que eu vivi, o que eu torci pelo Flamengo. Mas, claro, no futuro, isso vai pesar. Se por acaso, um dia chegar uma proposta, isso vai pesar. Ser negado duas vezes. Todo mundo falava que eu tinha que voltar, mas aí aconteceu isso. E ainda soltaram na imprensa que fui eu que não quis ir. Para não ficar mal com a torcida, me jogaram contra ela. Naquele momento, da volta da Alemanha, eu tinha a razão e a emoção. A razão era para eu vir para o Corinthians, estava mais estruturado, era o melhor. Mas eu tinha dado minha palavra de que o Flamengo tinha preferência na minha volta. A gente foi escutar, e eles disseram que não queriam. Na segunda vez, no ano passado, o Mano trouxe o Jadson e falou que iria jogar eu ou ele. Como [o Mano] estava mantendo o Jadson, achei que precisava jogar e fui procurar [o Flamengo]. Eles falaram de novo que não queriam. Eu pensei: "Deus está falando que é para eu ficar, e é porque vai ter coisa boa".

O contrato do Pato com o São Paulo termina no final do ano. Se ele tiver que voltar ao Corinthians, como vai ser?

Não tenho nada contra o Pato, pelo contrário. Eu gosto dele, mas não sei como seria com a torcida. Ele está atingindo um nível técnico e físico muito bom. Acho que hoje seria o melhor jogador do São Paulo. Todo mundo quer um jogador que nem ele hoje. Mas, não sei como a torcida e outras pessoas de fora receberiam.


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