Folha de S. Paulo


Esperança de ouro em 2016 teve braço decepado aos 2 anos e virou Bolt da PB

Paulo levou seu filho de 2 anos ao trabalho no campo naquele dia, pois a mulher, Rita, estava muito atarefada em casa. Um descuido, enquanto alimentava os animais, e o pequeno Petrucio decidiu imitar o ofício paterno. Pegou capim e colocou dentro de máquina de moer. O bracinho esquerdo foi junto. Ficou preso. Saiu decepado.

Mas o sertão é um vale fértil.

Daquele acidente na pequena São José do Brejo do Cruz, na Paraíba, renasceu o menino que um dia sonharia ser o mais veloz do mundo sem o antebraço.

Afinal, o sertanejo é, antes de tudo, um forte.

"Meu pai ficou abalado. Mas não tinha outro tipo de trabalho lá no sertão. Eu não tinha medo daquela máquina. Mas também não queria trabalhar lá, eu queria ser jogador de futebol".

Quem conta a própria história é Petrucio Ferreira dos Santos, 18, ex-futuro jogador de futebol, prodígio do atletismo paraolímpico brasileiro, ouro no Parapan de Toronto nos 100 m e 200 m rasos, sendo recordista mundial (21s49) desta última distância na classe t47 (braço amputado abaixo do cotovelo).

Meia-atacante no time da cidade de 1.684 habitantes, o mais velho de dois irmãos da família Ferreira dos Santos não era querido pelos zagueiros adversários tampouco pelos colegas na hora de brincar de rouba-bandeira.

Nascido em Caicó, Rio Grande do Norte, apenas porque era a maternidade mais próxima de sua casa, ele teve dificuldades para aprender a escrever, pela falta de apoio do braço; nunca para correr. Do time de futebol para as primeiras Paraolimpíadas Escolares foi um salto, um arremesso e uma corrida.

"Até então eu só conhecia atletismo pela TV", diz Petrucio. Em 2013 descobriu, na prática, onde a modalidade podia levá-lo. Dos jogos escolares de Catolé do Rocha para João Pessoa, da etapa estadual para a nacional, em São Paulo. Tudo graças aos títulos no lançamento de peso e nos 100 m rasos, além de um segundo lugar no salto em distância.

Aos 16 anos, então ele correria pela primeira vez com uma sapatilha de atletismo. Emprestada, claro. Ficou com medo de tropeçar. Usou tênis comuns, também emprestados. Venceu com o tempo de 11s40 os 100 m, sem treino, correndo como se fosse atrás de uma bola de futebol.

Tudo mudou. Ele conheceu o treinador Pedro de Almeida Pereira, mudou-se para a capital João Pessoa, onde mora há dois anos junto à família de uma ex-prefeita de sua cidade. E treina na pista da Universidade Federal da Paraíba, onde se acostumou a vencer atletas sem deficiência.

"Depois de uns quatro meses de treino fui correr com eles. Me olharam, estranharam, devem ter pensado: 'coitadinho do cara ali'. Mas ganhei", conta, orgulhoso.

Petrucio se imagina correndo em um Troféu Brasil de Atletismo, em uma Olimpíada. Mas aprendeu com Pedrinho, seu técnico até hoje, que os passos devem ser dados um de cada vez. E, daqui a um ano, ele terá a Paraolimpíada do Rio pela frente.

"Ele é um dos caras para ficar de olho em 2016. Ele tem dois anos de atletismo e já quebrou marcas expressivas. Ainda tem que ganhar força, melhorar a técnica, pois não faz o movimento certo na corrida. Se desequilibra. Mas vai melhorar muito ainda. E vai bater o recorde mundial dos 100 m", diz Ciro Winckler, técnico-chefe da seleção paraolímpica de atletismo.

O atleta de 1,68 m e 63 kg nunca havia treinado em uma academia antes de ser descoberto jogando bola. "Sei que ainda vou ganhar massa, preciso fazer musculação. O único exercício que eu fazia era jogar capoeira", conta.

Mesmo sem o preparo ideal, Petrucio já correu a prova mais rápida do atletismo em 10s77, ou seja, está a cinco décimos do recorde mundial que desde 1992 pertence ao nigeriano Ajibola Adeoye (10s72). A revelação brasileira espera quebrá-lo no Mundial de Doha, no Qatar, no fim de outubro.

Depois, começa a se preparar para correr os 100 m e 400 m rasos no Rio em 2016 (na Paraolimpíada não há a prova dos 200 m rasos na sua classe). Espera alcançar a glória como seu ídolo, o jamaicano Usain Bolt, a quem copia na irreverência antes das largadas, fazendo graça para a câmera.

"Gosto de brincar para tirar a pressão, como ele faz. Dizem até que tenho as características dele, pois nos primeiros metros sou um pouco lento e depois que ganho velocidade eu melhoro. Já até me apelidaram de Bolt da Paraíba", diz, aos risos.

Assim, nos últimos dois anos a vida dele mudou tão repentinamente quanto em seus primeiros dois de vida.

Petrucio não se rendeu.


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