Folha de S. Paulo


Após ir para Atlanta de bicicleta, catarinense quer voltar para Rio-2016

No final de 1995, o catarinense Adilson Pedro Maria, na época com 22 anos, pegou sua bicicleta e deixou Itajaí, sua cidade natal, para ver a Olimpíada de 1996.

Durante sete meses, pedalou por 17 estados brasileiros e dez países até chegar a Atlanta. Desde então, não retornou ao Brasil.

Vinte anos depois, planeja fazer o mesmo trajeto, na mesma bike, com o mesmo objetivo: ver uma Olimpíada, desta vez no Rio.

DEPOIMENTO

Nos dois primeiros dias da viagem, eu quase morri. Estava muito cansado. No terceiro e no quarto dias fui me acostumando. Aprendi que, a cada dia que você pedala, mais preparo você ganha. No final, era como ir à padaria.

Eu saí de Itajaí de bicicleta em 9 de dezembro de 1995 e cheguei a Atlanta, nos EUA, em 15 de julho de 1996.

Pedalava mais ou menos 100 km por dia. Passei por 15 capitais e 17 Estados. Visitei dez países. No total, percorri 15.320 km de bicicleta, fora os trechos de avião e de ônibus.

Editoria de arte/Folhapress
Clique para ver a rota de Adilson Pedro Maria
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Quem teve a ideia da viagem foi um tio. Ele ia muito de Curitiba a Itajaí de bicicleta e brincou que poderíamos ir pedalando aos EUA para ver a Copa de 1994. Não levamos a sério, mas ele insistiu.

Fui falar com o prefeito, e ele nos apoiou. Fizemos um projeto, mas não conseguimos patrocínio a tempo. Meu tio, que era 20 anos mais velho, desistiu, e eu também. Eu ensinava tênis e pensava em fazer educação física.

Só que a viagem mudou meus planos. O Brasil fez o último amistoso para a Copa em Florianópolis. Peguei minha bicicleta e fui até o jogo, sem dinheiro para o ingresso. Eram 120 km de distância.

Chegando lá me entrevistaram só porque fiz essa viagem. E um cidadão me deu o ingresso. Todo mundo queria autógrafo e foto. Falei: "Então vou tentar ir à Olimpíada, daqui a dois anos".

Meu tio não queria mais saber de bicicleta. Mas aquela febre dele passou para mim.

Convidei um primo. Fizemos uma viagem para Florianópolis no final de 1994 e outra para Curitiba em maio de 1995 para poder sair no jornal e ficar conhecido. Mesmo assim, ninguém nos apoiava.

Fui para São Paulo tentar falar com alguns patrocinadores. Na época, estudava no Yázigi, que me deu uma bicicleta Caloi de R$ 715. Fui na Caloi e nem me receberam.

A prefeitura da minha cidade me deu R$ 1.000, e a Associação Comercial de Itajaí, mais R$ 500. O meu primo já tinha desistido. "Se você não vai, eu vou sozinho", falei. Os outros R$ 1.500 foram da Yázigi. Em cada capital eu pegava R$ 100 com eles.

Pedalei pelo litoral. Foram muitas cidades, três meses no Brasil, mais de 6.000 km. Em São Paulo, roubaram meu walkman e meu relógio. Em Recife, dei oito entrevistas.

Em 23 de março, quando pegava um avião em Manaus, a moça que me entregou a passagem disse que havia um telefonema para mim. Minha irmã me achou e disse que minha mãe, que estava com diabetes, tinha morrido. Ela falou que não adiantava voltar.

Quando a pessoa está morta, não tem mais o que fazer. Então eu continuei a viagem.

Minha mãe não queria que eu viajasse. Achava que eu poderia morrer. Tirando a morte dela, o momento mais difícil foi subir 48 km da "serra da morte", na Costa Rica.

Eu dormia em quarteis. Como meu pai é militar, consegui apoio da polícia. Levei uma barraca e passei 30 noites na estrada. Almoçava em restaurantes e tentava comer mais carboidratos. Tomei 600 litros de água na viagem, dois litros por dia. Não foi tanto.

Nas últimas duas semanas, me senti muito mal no selim e tentava pedalar sem sentar.

A fronteira mais fácil de atravessar foi a dos EUA. Tive só que mostrar toda a minha bagagem, e os cachorros tiveram que cheirá-la.

Cheguei sem falar nada de inglês. Fui parado duas vezes na "freeway" porque não pode bicicleta. O policial ficou muito nervoso, e eu não entendia nada. Falava "get off, get off". Ele teve a paciência de achar no meu dicionário a expressão para eu entender que era para procurar outra saída. Foi muito engraçado.

Em Atlanta, vi jogos de tênis e de basquete e tive o prazer de conhecer o Pelé, que era o ministro do Esporte.

O Yázigi me deu uma passagem para voltar, mas eu não quis. Conheci alguns brasileiros que me deram apoio, trabalho, lugar para morar. E fui ficando. Entreguei pizza e fui auxiliar de construção. Hoje, lavo piscina, carro e carpete. Cheguei a me casar duas vezes, mas já me divorciei.

Agora, 20 anos depois, vão acontecer os Jogos Olímpicos no Rio e estou com o projeto de fazer o trajeto de volta, na mesma bicicleta. Um amigo vai comigo. Vou sair em fevereiro de 2016. Minha família já está acostumada com as minhas loucuras. O apoio desta vez é maior.


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