Folha de S. Paulo


Quero ser visto como um atleta, diz estrela paraolímpica do Brasil

É com a ajuda do fôlego e dos resultados de um atleta com deficiência severa que o Brasil pretende chegar pela terceira vez como campeão de um Parapan-Americano.

Da natação de Daniel Dias, 27, que nasceu sem parte dos braços e perna direita, não é esperado menos que oito ouros nas piscinas de Toronto.

Multicampeão –foram seis medalhas de ouro na Paraolimpíada de Londres, em 2012–, o atleta foi anunciado no Canadá como "superstar" e como o "Michael Phelps" das piscinas paraolímpicas. Ele, porém, mantém-se centrado e afirma que quer deixar "um marco histórico" nos jogos do Rio do ano que vem.

A Folha conversou com exclusividade com o atleta, que já tem valores de patrocínios semelhantes aos de nadadores convencionais, como Cesar Cielo. Leia trechos:

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Folha - Como é entrar em uma competição em que você pode representar parte importante do ouro brasileiro?
Daniel Dias - Fico feliz com essa consideração e por ajudar o meu país, mas procuro nem pensar nisso antes das competições. Penso dia após dia para não me perder, não me empolgar. Depois, até faço brincadeira entre os amigos de que levei o país nas costas. A minha necessidade é nadar bem, tenho essa pressão, mas não coloco a responsabilidade do país nos ombros.

A pouco mais de um ano para a Rio-2016, está otimista para resultados esportivos e sociais?
Acredito que nós, atletas paraolímpicos, vamos deixar um marco para a história. Vai ser uma grande oportunidade para mostrarmos ao povo brasileiro o valor da pessoa com deficiência. Por mais que haja divulgação, as pessoas ainda não entendem que não somos coitados, somos esportistas.

Muita gente se emociona quando me vê, falam que sou um exemplo, mas quero ser visto como uma atleta. Assim como o Thiago Pereira representa o país, eu também represento. Há ainda uma barreira quando nos olham. É preciso quebrar isso.

Haverá legado de inclusão? Não está tudo muito lento?
Estou esperançoso. Acho que o Rio será exemplo de cidade para todos. Temos nosso ritmo de fazer as coisas.

A dependência de empresas do governo não incomoda?
Graças a esses patrocínios, muitos de nós podem viver exclusivamente do esporte e trabalhar para melhorar seus índices. Mas espero mudança, espero que as empresas privadas consigam enxergar o valor do esporte paraolímpico. Isso começou a acontecer, mas ainda falta muito.

Com você já mudou. Seu nível de patrocinadores já chegou ao de um atleta convencional, como o Cesar Cielo?
Considero que cheguei ao mesmo patamar do Cielo, sim. Há empresas que estão colocando atletas paraolímpicos e olímpicos no mesmo time e isso é incrível. Me traz tranquilidade, tranquilidade a minha família e bem-estar. Em 2014, deixei de ir a muitas competições por falta de dinheiro. Valeu o esforço, espero que melhore ainda mais.

Com tantos títulos e recordes, como se manter motivado?
Nado muitas provas e é difícil me manter no topo. Nunca penso que já conquistei tudo. Quando eu não quiser mais evoluir, eu vou parar.

Sigo em frente também como bandeira para motivar as pessoas com deficiência.

Muitas delas, infelizmente, ainda ficam trancadas em casa, isoladas ou com vergonha de si mesmas. Posso inspirar alguém a mudar de vida, a acreditar em novas possibilidades, a querer ser um campeão também.

O esporte pode ser uma ferramenta de libertação dessas pessoas, de enfrentamento dos preconceitos.

Mas você não defende que não quer ser identificado pela deficiência, mas como esportista?
O que fazemos nas grandes competições, é esporte de alto rendimento e queremos profissionalização, queremos que nos olhem com igualdade com os outros atletas. Mas, sem dúvida, atividades esportivas têm um grande papel social.

PERFIL - DANIEL DIAS

NOME
Daniel de Faria Dias

IDADE
27 anos (nasceu em 24.mai.1988, em Campinas)

DEFICIÊNCIA
Nasceu com uma má-formação congênita nos membros superiores e também inferiores

HONRARIA
Troféu Laureus, em 2009 e 2013

MEDALHAS PARAOLÍMPICAS
15, sendo nove em Pequim 2008 (4 ouros, 4 pratas e 1 bronze) e seis em Londres 2012 (todas de ouro)

O jornalista JAIRO MARQUES viajou a convite do Comitê Paralímpico Brasileiro


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