Folha de S. Paulo


Não tem a mínima lógica me acusarem de corrupção, diz Ricardo Teixeira

O ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, 68, admite que é investigado pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, no escândalo internacional da Fifa. Ele nega, contudo, ser beneficiário do esquema de pagamento de propina. Sete cartolas estão presos na Suíça desde maio. José Maria Marin, seu sucessor na CBF, é um deles.

"Se envolve o contrato da Nike, quem assinou o contrato da Nike fui eu. Então não adianta ficar tapando o sol com a peneira", disse Teixeira, que deixou o poder em 2012 por pressão do governo federal e da cúpula da Fifa. Ele era alvo de denúncias de corrupção tanto no Brasil quanto no exterior.

O Departamento de Justiça dos EUA está investigando os pagamentos realizados pela multinacional esportiva Nike à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 1996.

Após a assinatura do contrato de US$ 160 milhões, a Nike pagou outros US$ 40 milhões em conceito de "despesas de marketing", que não estavam contempladas no acordo inicial, e que foram depositados em uma conta bancária na Suíça em nome de uma empresa brasileira de patrocínio esportivo.

Teixeira concedeu a entrevista à Folha, na última quarta-feira (29), para falar sobre a venda de uma cobertura na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, em 2014.

Conforme a Folha revelou na semana passada, Teixeira vendeu o apartamento por R$ 2,5 milhões, enquanto a prefeitura estimou o valor do imóvel em R$ 5,7 milhões. Ele se desfez do apartamento num período em que a Receita Federal ainda não havia concluído fiscalização contra ele, em abril de 2014. Teixeira foi autuado por irregularidades em seu Imposto de Renda e pagou a multa ao fisco. "Menos de R$ 1 milhão", afirmou.

O ex-dirigente da CBF disse que precisava vender o apartamento rápido, pois usaria o dinheiro para fazer uma cirurgia. Ele encaminhou vários documentos à reportagem que, segundo ele, atestam que a transação seguiu a realidade do mercado.

Um dos papéis é o anúncio de um leilão de um imóvel vizinho ao seu, de mesmas características. A cobertura foi avaliada por R$ 5,2 milhões, com lance inicial de R$ 3,17 milhões. Na primeira tentativa de leilão, 390 pessoas visitaram o imóvel, mas não houve oferta. "O que prova que não valia nem R$ 3,17 milhões", afirmou.

Nos leilões judiciais, há duas datas para os interessados darem seus lances. Na primeira, conta o valor de avaliação, feito por um corpo de peritos da Justiça. Na segunda, 12 dias após a primeira, o imóvel é ofertado por 60% do valor de avaliação. Desse modo, raramente alguém dá lance no primeiro leilão. E ao valor do lance final ainda podem ser somadas dívidas do imóvel, o que torna o preço do imóvel leiloado, em grande parte dos casos, muito menor do que o valor de mercado.

Na entrevista, Teixeira disse também que não se arrepende de ter deixado a CBF, em 2012. Ele acredita que teria "morrido" e não quer mais falar de seleção. "Só quero saber se o meu Flamengo passará incólume [no Campeonato Brasileiro]."

*

Folha - Por que o senhor vendeu uma cobertura, de frente para o mar, pela metade do preço?

Ricardo Teixeira - Eu fiz anúncios de venda do apartamento desde junho de 2013. Tenho todos os documentos. Anunciei por R$ 4,3 milhões em junho de 2013. Passado algum tempo, eu botei outra vez para vender. Aí já baixei para R$ 3,8 milhões. Portanto, esse apartamento nunca valeu R$ 7 milhões.

O Itaú atribuiu ao imóvel o valor de R$ 3,760 milhões para fins de leilão.

Veja que o leiloeiro colocou à venda [o imóvel vizinho] por R$ 600 mil mais barato, e não vendeu.

E a prefeitura avaliou em R$ 5,733 milhões.

Olha aqui. Tudo o que você está dizendo corrobora o que eu estou dizendo. É exatamente tudo o que o cara colocou no leilão, mas que não é verdade. Foram 390 visitantes. Zero licitante. É sinal de que está hipervalorizado.

É de frente para o mar, uma área nobre

Pergunte se alguém conseguiu vender apartamento lá por esse preço. Teve um que vendeu uma cobertura pertinho da minha por R$ 2,5 milhões.

A Receita Federal o autuou por irregularidades no IR. O sr. pagou a multa?

Eu paguei. Quando me deram o número, eu paguei.

O sr. informou a venda dessa cobertura na Barra à Receita?

Claro que informei. Informei e paguei o imposto

Qual foi o valor da multa que o sr. pagou?

Eu não posso te dizer

Pelas características da autuação aplicada, o débito superaria R$ 2 milhões

Não é verdade. A minha autuação não foi acima de R$ 1 milhão.

Por que o sr. não recorreu do auto de infração? O sr. reconheceu a irregularidade em seu IR?

Não reconheci irregularidade nenhuma. Foi pura e simplesmente o seguinte: primeiro, foram erros cometidos. Segundo, eu estava morando no exterior [Depois de deixar a CBF, ele foi morar na Flórida. Uma das mansões do cartola foi comprada por US$ 7,4 milhões _ cerca de R$ 25 milhões]. Eu não ia ficar lá do exterior discutindo isso, você não acha?

Era mais fácil pagar?

Você está se esquecendo de um detalhe importante. Eu estava no mês de junho de 2013, eu já estava liquidado, eu já tinha sido hospitalizado, eu vim de avião para operar no [Albert] Einstein [em São Paulo]. Tudo nessa época. Foi nessa época que eu tive o piripaque dos rins, que eu fui internado, tive que ir para o hospital e fazer transplante.

O que o sr. acha da investigação do FBI sobre a cúpula da Fifa?

Amigo, eu não vou falar sobre isso.

Na investigação, o FBI informa que há um co-conspirador que foi presidente da CBF, com cargo na Fifa e na Conmebol. Somente o sr. e o Marco Polo Del Nero [atual presidente da CBF] se encaixam nessa descrição.

Se envolve o contrato da Nike, quem assinou o contrato da Nike fui eu. Então não adianta ficar tapando o sol com a peneira. Não há a mínima lógica. Todo esse processo aconteceu depois de junho, tanto que a Copa América da Argentina se realizou maravilhosamente bem. O problema surgiu depois da Copa América da Argentina em 2011 [Segundo investigação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, os principais cartolas da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) dividiam subornos de US$ 20 milhões para vender os direitos de comercialização de cada edição da Copa América a partir da edição de 2015]

O que o sr. acha do Joseph Blatter [presidente da Fifa]?

Eu não quero falar sobre esse assunto. Eu estou fora da Fifa. Tem três anos que eu não mexo com futebol.

O sr. se arrepende de ter deixado a CBF?

Não, de jeito nenhum. Eu ia morrer. Como eu poderia estar lá sem meus dois rins funcionando?

Somente pela questão da saúde?

Pergunte a alguém como é a vida de um cara que está com um rim em falência. Você não tem a mínima condição de trabalhar. Você é obrigado a três vezes por semana, na melhor das hipóteses, a deitar numa cama e ficar parado por cinco horas refazendo todo o seu sangue.

Não poderia viajar...

E segundo, você sabe melhor do que ninguém, vocês podem fazer as críticas que quiserem a mim, mas, sem brincadeira, eu fui "O" ganhador da seleção brasileira. Não dá para esconder isso. Por quê? Porque eu estava presente. Isso tudo iria acabar

Depois da experiência da África, o sr. contrataria o técnico Dunga novamente?

Eu acho que contrataria... Esquece, eu não vou falar sobre isso. Eu não vou falar sobre futebol.

O futebol brasileiro não está numa fase boa, não é? Eliminado pelo Paraguai na Copa América...

Eu não acho nada. Eu estou preocupado com o meu Flamengo. Se Deus quiser, passar incólume pelo campeonato nacional.

*

RAIO-X
RICARDO TEIXEIRA

NOME
Ricardo Terra Teixeira

IDADE
68 anos

CIDADE NATAL
Carlos Chagas (MG)

CARGOS
Presidente da CBF de 1989 até 2012. Na sua gestão, a seleção ganhou as Copas de 1994 e 2002 e o direito de sediar o Mundial de 2014. Também foi criada a Copa do Brasil, em 1989, o segundo mais importante torneio nacional. Integrou também os comitês executivos da Fifa e da Conmebol


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