Folha de S. Paulo


'Bon vivant' confessa e aparentemente coopera com autoridades no caso Fifa

Ali Haider - 8.dez.09/Efe
O ex-dirigente da Fifa Chuck Blazer, que colabora com as investigações de corrupção na entidade
O ex-dirigente da Fifa Chuck Blazer, que colabora com as investigações de corrupção na entidade

Em seu quarto em um hospital de New York, Chuck Blazer, ex-representante da Fifa nos Estados Unidos, estava verificando e-mails no celular, quarta-feira (27) de manhã, e parecia um homem muito diferente do bon vivant do futebol que um dia teve enorme apetite por jantares caros, viagens de luxo, vida extravagante e, de acordo com as autoridades federais norte-americanas, a busca corrupta do enriquecimento pessoal.

Em seus dias mais afortunados, Blazer chegava até a circular levando um papagaio no ombro. Ele mantinha dois apartamentos no Trump Tower de Manhattan, um para ele e o segundo como escritório ocasionalmente ocupado por seus gatos. Seu pendor por receber comissões como intermediário de transações futebolísticas lhe valeu o apelido "Mr. 10 Percent" ("Sr. Dez por Cento").

Agora, no quarto de hospital, ele parecia pálido, e sua barba desgrenhada e longos cabelos estão brancos. Na manhã da quarta, autoridades federais dos Estados Unidos haviam anunciado que Blazer havia admitido culpa por dez acusações, entre as quais extorsão, fraude telegráfica, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos, como parte de uma ampla investigação sobre a corrupção descontrolada do futebol internacional.

No mesmo dia, a polícia prendeu sete executivos do futebol –incluindo o ex-presidente da Fifa José Maria Marin– que participariam de um congresso da Fifa.

A admissão de culpa foi feita em 25 de novembro de 2013, momento em que Blazer pagou US$ 1,9 milhão em penalidades, segundo as autoridades. Ele concordou em pagar uma segunda quantia a ser determinada no momento da sentença. Agora, Blazer pode ser sentenciado a até dez anos de prisão por não declarar contas bancárias no exterior, e a outros cinco anos por sonegação de impostos.

Diante de suas dificuldades judiciais, Blazer aparentemente decidiu cooperar com as autoridades como informante que ajudou a conduzir os investigadores pelo mundo obscuro do futebol internacional e ajudou a preparar o indiciamento de 13 outros executivos de marketing e futebol.

Mas ele tinha pouco a dizer sobre qualquer dessas coisas. "Não posso falar", murmurou. Perguntado se estava sofrendo de câncer no cólon, ele disse que "não, isso passou", e apontou na direção do abdome, como que mencionando outra cirurgia, sem identificá-la. Perguntado sobre suas chances de recuperação, ele respondeu com um gesto que parecia indicar otimismo.

Em conversa telefônica, uma integrante de sua equipe de advogados, Mary Mulligan, se limitou a dizer "sem comentário".

ALTO ESCALÃO

Pai de crianças que jogavam futebol em Westchester, Nova York, e empresário que conquistou o sucesso como dono de uma empresa que fabricava buttons com faces amarelas sorridentes, Blazer ascendeu aos mais altos escalões do futebol internacional, como um homem corpulento, gregário e carismático, dono de um papagaio chamado Max.

De abril de 1990 as dezembro de 2011, Blazer foi secretário geral, ou segundo em comando, da Concacaf, a organização que comanda o futebol na América do Norte, América Central e Caribe. De 1997 a 2013, ele foi membro do comitê executivo da Fifa, a organização que controla o futebol mundial, e jamais foi um sujeito tímido e acanhado.

Mas havia um lado mais sombrio nas atividades de Blazer, de acordo com o indiciamento federal contra ele. O indiciamento acusa Blazer e outros conspiradores de enriquecimento ilícito por meio de pagamentos ilegais, propinas, subornos e outros esquemas de ganho, não especificados. Houve transferências maciças de dinheiro, realizadas irregularmente e ocultas por companhias de fachada e contas bancárias em paraísos fiscais, de acordo com o indiciamento.

Centenas de milhares de dólares em subornos e propinas foram transferidos a contas controladas por Blazer de uma companhia sul-americana que buscava adquirir direitos de mídia e marketing sobre a Copa Ouro, um torneio regional, de acordo com o indiciamento.

ÁFRICA DO SUL

Em 2004, antes da votação para selecionar o país-sede da Copa do Mundo de 2010, Blazer conspirou com dois outros dirigentes de primeiro escalão do futebol e aceitou propina de US$ 1 milhão, de uma oferta de US$ 10 milhões feita pelo governo sul-africano em um esforço para comprar votos dos delegados da Fifa, de acordo com o indiciamento.

Blazer votou pela África do Sul, que conquistou o direito de organizar a Copa do Mundo, o indiciamento afirma. Ele recebeu três pagamentos de valor total de US$ 750 mil de um cúmplice, mas "jamais recebeu a quantia restante do pagamento de US$ 1 milhão prometido".

Na Concacaf, a organização que comanda o futebol regional, Blazer por muito tempo foi o braço direito do presidente Jack Warner, de Trinidad Tobago. Os dois se desentenderam em 2011, e Warner se retirou da Concacaf e da Fifa depois de ser acusado de envolvimento em um esquema de suborno antes da eleição presidencial da organização naquele ano.

Warner foi um dos indiciados na quarta-feira.

Em 2013, um relatório do comitê de integridade da Concacaf acusou Blazer e Warner de fraude e apropriação indébita de fundos. De 1996 a 2011, Blazer recebeu mais de US$ 20,6 milhões em pagamentos e comissões, honorários e pagamentos de aluguel da organização futebolística, muitos dos quais sem fiscalização ou autorização, segundo o relatório.

David Simmons, que presidiu o Comitê de Integridade da Concacaf, definiu o relatório como "história triste e lamentável", e como um caso de "abuso de posto e poder" da parte de Blazer e Warner, que ajudaram a colocar a organização no azul mas "se enriqueceram explorando seus postos".

Blazer deixou a Concacaf e a Fifa, mas sustenta que estava "perfeitamente satisfeito" por um "trabalho excelente", dizendo, certa vez, que "dediquei 21 anos a construir a confederação e seus torneios e renda, e sou o responsável pelo bom nível de renda que ela atingiu".

OCULTAÇÃO DE RENDA

Mas seus problemas não acabaram. Entre 2005 e 2010, Blazer não apresentou declarações de impostos, e tentou ocultar sua renda real do Serviço de Receita Federal dos Estados Unidos, de acordo com o indiciamento.

Isso levou a um confronto incomum com as autoridades federais no final de 2011, descrito em novembro passado pelo "New York Daily News": Blazer estava rolando pela calçada em sua cadeira de rodas elétrica, a caminho de uma refeição no Elaine's, um famoso restaurante agora fechado, quando foi interceptado por um agente do Serviço Federal de Investigações (FBI) e um da Receita, que supostamente lhe disseram: "Você pode ir conosco agora, algemado; ou pode cooperar".

Na metade do ano seguinte, reportou o "Daily News", Blazer foi equipado com um chaveiro dotado de microfone aos jogos olímpicos de Londres, e gravou suas conversas com dirigentes internacionais de futebol.

Há quem possa considerar Blazer como quase um herói por suas denúncias. Mas outras pessoas foram menos generosas. Richard Weber, que comanda o departamento de investigação criminal da Receita norte-americana, disse que Blazer e outros estavam recebendo um "cartão vermelho" na "Copa do Mundo da fraude".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: