Folha de S. Paulo


'O 7 a 1 foi merecido e necessário', diz Raí, ao completar 50 anos

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Na beira do gramado do Morumbi, Raí fala de sonhos. Como nas noites em que ainda sonha estar jogando e ouve o barulho da torcida.

Os novos desejos, aos 50 anos –completados na sexta-feira (15)–, são de um ex-camisa 10 que, hoje, joga nas posições de empreendedor social e ativista político.

Raí atua pela esquerda, apesar das críticas aos companheiros de posição. No lugar das vozes dos torcedores, agora ouve jazz, Billie Holiday e Beatles, sem esquecer a MPB e Caetano Veloso.

Os poucos fios de cabelo branco na costeleta, a barba bem feita (justamente para esconder os tais fios brancos) e a boa forma física não deixam a imagem de craque-galã ser driblada pelo tempo.

Já faz 15 anos que Raí se despediu dos campos –a mesma idade de sua neta Naira, filha da primogênita, Emanuella, 31 (depois vieram Raíssa, 26, e Noah, 10).

Ter a mãe, Guiomar, com 94 anos, cria nele a expectativa de chegar perto dos 100. Nos próximos 50, sonha ser líder, capitão, como foi nos gramados. No executivo, não no legislativo. Sem partido.

Raí quer vestir a camisa 10 em uma secretaria de esportes. Treina para marcar novos gols e voltar a escutar uma expressão que os torcedores na França diziam para ele nos tempos de PSG: "Tu m'as fait rêver" (Você me fez sonhar).

50 ANOS
"Estou muito satisfeito. Tenho inquietação de pensar no futuro. A expectativa longa, com muita coisa por vir, numa segunda parte da vida, com coisas mais expressivas. Venho amadurecendo a vontade de estudar ciências humanas, aproveitar meu envolvimento social e com políticas públicas. Quero contribuir com uma coisa maior."

SAUDADE DE SÓCRATES
"Ele continua sendo uma grande referência para mim. Temos um estilo bem diferente. Mas é uma referência em busca do equilíbrio. Defendo minhas causas e tudo mais, mas do meu jeito. Ele faz falta [morreu em dezembro de 2011] pela presença como irmão, mas como força e personalidade continua presente nas minhas reflexões."

MP DO FUTEBOL
"O governo federal tem que exigir contrapartidas, é evidente [a Medida Provisória propõe refinanciamento das dívidas dos clubes]. Tem que ser duro. Não só pelo fato de melhorar a estrutura, mas porque o futebol brasileiro em termos de organização vem piorando sua qualidade. Isso é reflexo da gestão dos clubes, da federação, da confederação. Não dá para generalizar, mas a maior parte provou que a gestão é ruim. A questão das dívidas é um exemplo da incompetência da gestão. Ficar subsidiando o que não tem eficiência não é lógico, subsidia o que não é transparente."

POLÍTICA
"Estou direcionando bastante meu lado para a política no Atletas pelo Brasil. Diferentemente da Gol de Letra, que é uma ação de campo com crianças e jovens que eu adoro, o Atletas é uma ação política, de interferir em políticas públicas. Quando posso, estou em contato com Brasília e já vejo resultados importantes. E até por isso sou procurado. Eu quero estudar mais, me preparar e, mais para frente, ter uma atuação mais direta. Já fui sondado, não convidado oficialmente, mas não era o momento. Quero estudar casos bem-sucedidos em outros países e cidades. Não me imagino em cargo eletivo, mas no executivo, em cargo de secretário de esporte ou algo assim."

ESQUERDA OU DIREITA
"No Brasil sempre estive mais à esquerda. Obviamente estamos vendo que a própria esquerda está traindo seus ideais, e ninguém é a favor. Vejo com tristeza. Minha esperança é que de todo esse caos político surjam soluções para um sistema que você não precise abrir mãos dos seus ideais ou se corromper para continuar no poder.Gestão social, oportunidade para as pessoas, vida digna, básico garantido, esses são meus ideais e pelo que vou sempre lutar."

MANIFESTAÇÕES
"Nunca fui filiado a um partido nem pretendo. Desde 2013 não fiz questão de sair [às ruas] porque achava espontâneo, legítimo, sem grandes lideranças, e isso era a beleza do movimento. O que acho é que podia ser direcionado para a reforma política. Se eu puder dar minha energia, minha opinião, será para influenciar e direcionar essa revolta para uma reforma política ampla, com participação da sociedade, não deixar a decisão para o Congresso, porque a gente sabe o que vai dar, ou o que não vai dar."

JOGOS OLÍMPICOS
"Vai ter um impacto grande no Rio. Mas muito aquém do que poderia ser. O Brasil não se mexeu na questão do esporte em si. O país que vai receber a Olimpíada ainda tem carência em todos os níveis de esporte, no acesso ao esporte, não se colocou nenhuma meta do esporte escolar ou nas cidades. Não deveria ser apenas um país que recebe um grande evento mas que reconhece a importância do esporte, isso foi perto de nulo. Foi bastante decepcionante. O legado esportivo não vai ficar. Teve investimento em alguns centros de excelência, o que tem sua importância. Repensar o sistema nacional de esporte é no que o movimento olímpico poderia estar bem adiantado."

COPA-2014
"Fui em alguns jogos, na abertura, alguns no eixo-Rio-SP, fui na final e estive no Mineirão [semifinal contra a Alemanha]. Foi pesado. Esse soco no estômago que o futebol brasileiro levou a gente ainda não registrou bem o que significa. Mas não está longe do que é a realidade em relação aos europeus. Mesmo o futebol brasileiro tendo mais recursos hoje em dia, a deficiência técnica cresceu, de organização e de formação de atletas também. Foi inacreditável, nunca mais assisti o jogo. Depois de 15 minutos não conseguia enxergar mais nada. Quero rever. Esse 7 a 1 não está muito longe do que é a realidade da nossa gestão, do nosso futebol, do que está acontecendo. Foi merecido e necessário."


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