Folha de S. Paulo


MINHA HISTÓRIA: WASIM MIR

Trinta anos depois, inglês conta como escapou da morte em estádio

Keystone/Hulton Archive/Getty Images
Fogo nas arquibancadas estádio Valley Parade, em Bradford (ING), matou 56 pessoas
Fogo nas arquibancadas estádio Valley Parade, em Bradford (ING), matou 56 pessoas

Em 11 de maio de 1985, um incêndio nas arquibancadas do estádio Valley Parade, em Bradford, deixou 56 mortos e ao menos 265 feridos durante jogo da terceira divisão inglesa. Hoje embaixador-adjunto do Reino Unido no Brasil, Wasim Mir, 43, era um garoto de 13 anos que havia ido com o tio assistir a uma partida de futebol e que saiu de lá conhecendo a tragédia, com queimaduras no corpo e conhecidos mortos.

*

(...) Depoimento

Exatamente 30 anos atrás, aconteceu um incêndio no estádio de Bradford [norte da Inglaterra], o Valley Parade, que matou 56 pessoas. Eu fui um dos mais de 200 torcedores que se feriram naquela inesquecível tragédia.

Sou nascido na cidade e costumava ir muito ao estádio antes de o incêndio acontecer.

O dia começou com meu tio indo me buscar para assistirmos aquela partida [contra o Lincoln City], já que eu tinha só 13 anos. Fomos para o estádio porque era um momento de festa, para celebrar o acesso do Bradford City para a segunda divisão inglesa.

Chegamos e fomos direto para nosso lugar. Um pouco antes do intervalo, parte da arquibancada foi interditada por causa de um pequeno incêndio que, as investigações mostraram depois, foi causado por uma bituca de cigarro. Estávamos bem perto de onde tudo começou.

A polícia pensou que não seria nada de grandes proporções, e nem eu, que comecei a caminhar tranquilamente para longe do incêndio.

HORROR

Andei por cerca 30 segundos ou um minuto quando percebi que começou a subir muita fumaça. As arquibancadas eram muito velhas, tinham uns 80 anos, e eram feitas de madeira. Então, o fogo se alastrou muito rápido.

Quando a confusão começou, só me lembro de correr o mais rápido que podia em direção ao campo porque lá era um lugar que tinha ar limpo, sem fumaça. Enquanto corria, comecei a sentir muito calor na cabeça e usei as mãos para me proteger.

Tive queimaduras nessas duas partes do corpo. Ao contrário de tantos outros que estavam lá, pelo menos não fiquei com nenhum problema de saúde em longo prazo.

Quando cheguei no campo, percebi que não estava mais com meu tio. Comecei a caminhar pelo gramado procurando-o. Eu não tinha ideia da gravidade daquela situação toda. Só entrei em pânico quando comecei a ver policiais carregando corpos em macas improvisadas.

Fiquei ainda mais assustado quando fui ao hospital para tratar os ferimentos e percebi que havia centenas de pessoas por lá, sendo tratadas por causa do incêndio.

No dia seguinte, a escala da tragédia ficou ainda mais clara. Um amigo meu de escola e o pai dele estavam entre os mortos do incêndio.

Meu tio escapou sem problemas. Quando nos perdemos foi porque ele correu para o outro lado do estádio.

Depois do incêndio, eu continuei indo ao Valley Parade, mas não tanto quanto antes. Passei a preferir ir aos jogos do Bradford City quando jogava em outros estádios.

O incêndio provocou uma grande comoção na Inglaterra. Foi feita uma grande investigação para apontar o que havia sido feito de errado.

Aquela tragédia, junto com outras, ajudou a deflagrar um processo de transformações nos estádios do Reino Unido.

Aconteceram muitas mudanças desde então. Os estádios se modernizaram, tem um número maior de seguranças, viraram um ambiente familiar. Hoje, é muito melhor do que naquele tempo.

Eu tinha só 13 anos. Era muito jovem para entender bem aquilo que havia acontecido. Mas já naquela época percebi que minha vontade era trabalhar com o público para tentar ajudar as pessoas.

Renato Pattini
Wasim Mir, britânico sobrevivente do incêndio ocorrido em 1985 no estadio de Bradford
Wasim Mir, britânico sobrevivente do incêndio ocorrido em 1985 no estadio de Bradford

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