Folha de S. Paulo


Futebol brasileiro completa na terça 120 anos da 1ª partida no país

Ainda abalado pelo 7 a 1 conta a Alemanha na última Copa e tentando se reerguer, o futebol brasileiro completará na terça (14) 120 anos da primeira partida no país.

Tudo começou em um domingo de outono, em 1895, na várzea do Carmo, no centro de São Paulo. O responsável foi o brasileiro Charles Miller (1874-1953), filho de imigrante escocês e mãe paulistana, que aos 21 anos reuniu funcionários da São Paulo Railway, responsável pela estrada de ferro Santos-Jundiaí, e da Gás Company, que cuidava da iluminação da cidade.

O local escolhido para disputar o jogo foi a várzea do Carmo, região onde hoje está o largo do Gasômetro e que já não guarda mais nenhuma ligação com o futebol.

Embora o local exato de onde ocorreu o jogo seja desconhecido –Miller relatava que o campo ficaria entre as ruas do Gasômetro e Santa Rosa–, a região hoje é tomada por prédios, bares e lojas de material de construção.

Mas, há 120 anos, a várzea do Carmo era formada por chácaras, do lado direito da margem do rio Tamanduateí.

Foi por essa razão que Miller escolheu aquela área para reunir amigos e ensiná-los o esporte que aprendeu durante algumas temporada de estudos na Inglaterra.

'QUE JOGUINHO BOM'

Ao voltar da Inglaterra em novembro de 1894, Miller trouxe consigo duas bolas e um livro de regras do futebol.

Fora por dez anos, ele foi atacante do time da escola de Bannister, do St. Mary (hoje Southampton) e da seleção de Hampshire.

No Brasil, era funcionário da São Paulo Railway e sócio do São Paulo Athletic Clube (SPAC) –hoje, Clube Atlético São Paulo–, e passou a divulgar a modalidade.

"Quando Miller chegou ao Brasil, só havia o críquete, tradicional jogo inglês. Não tinha futebol. Como o SPAC interrompia as atividades no verão, Miller teve de esperar até março de 1895 para reunir os colegas e disseminar o futebol. Primeiro começou a organizá-los e a treiná-los. Não havia campos e por isso as chácaras eram as áreas escolhidas para o jogo", diz o historiador John Mills, autor da biografia "Charles Miller, o Pai do Futebol Brasileiro".

Em abril, a ideia de fazer o primeiro jogo amadureceu.

O time da ferrovia venceu por 4 a 2 a equipe da companhia de gás. Miller fez dois gols. No entanto, não há registro de quem fez o primeiro gol do futebol brasileiro nem dos outros gols do jogo.

"Nada sobreviveu daquele jogo. A única informação que restou foi um depoimento dado por Miller ao jornalista Thomaz Mazzoni, de 'A Gazeta Esportiva'", explica Mills.

O depoimento foi publicado na edição de 1942 e mostra que o jogo impressionou os companheiros de Miller.

"Ao chegar ao campo, a primeira tarefa que realizamos foi enxotar os animais que ali pastavam. Logo depois iniciávamos nosso jogo, que transcorreu interessante, sendo que alguns jogaram mesmo de calças, por falta de uniforme adequado", disse.

"Quando deixamos o campo já estava assumido o compromisso de promovermos um segundo jogo, sendo que a exclamação geral foi esta: 'Que ótimo esporte, que joguinho bom'", relatou.

IMORTALIZADO

Após o primeiro jogo, outros passaram a acontecer, sempre envolvendo a comunidade britânica e seus descendentes. O fato de o grupo ser muito seletivo e reservado entre si fez surgir outras equipes.

Casos do time do Mackenzie, formado em 1898, do Germânia (atual Pinheiros), fundado em 1899, do Internacional, também em 1899, e do Paulistano, já em 1900.

Com cinco equipes na cidade, ocorreram mais jogos e surgiram mais campos, como o Velódromo (hoje praça Roosevelt) e o Parque Antarctica (hoje estádio do Palmeiras).

Até dezembro de 1901 todos os jogos eram amistosos. Foi quando surgiu a primeira Liga Paulista, que no ano seguinte organizou o primeiro campeonato oficial.

Para se ter ideia do pioneirismo em São Paulo, o segundo campeonato Estadual mais antigo do Brasil é o da Bahia, que iniciou em 1905.

Miller abandonou os gramados em 1910. A despedida foi no dia 11 de setembro, após ter vencido quatro Estaduais, feito 66 jogos e 34 gols, segundo John Mills. Ainda virou árbitro e continuou acompanhando o esporte até 30 de junho de 1953, quando morreu de insuficiência renal, no hospital Samaritano, em São Paulo, já aos 79 anos.

A memória dele foi preservada pelo SPAC e também por John Mills. Hoje, o historiador trabalha junto ao clube na reconstrução de um memorial dedicado a Miller.

O local ficará na sede do SPAC, no bairro da Consolação. Além das taças que Miller ganhou como esportista (ele jogou rúgbi, tênis e críquete, entre outros), haverá um busto e fotos. A inauguração do espaço deve ser no próximo mês.

"Charles Miller não é apenas o pai do futebol. Ele foi o incentivador de muitos esportes, como o rúgbi, o tênis. O Memorial vai mostrar toda a obra dele, que sempre foi um verdadeiro esportista", orgulha-se Mills.


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