Folha de S. Paulo


Jogos Olímpicos não serão positivos para o Rio, diz economista dos EUA

Steven Senne/Associated Press
Zimbalist em evento contra a candidatura de Boston à Olimpíada de 2024
Zimbalist em evento contra a candidatura de Boston à Olimpíada de 2024

Em outubro de 2009, a delegação brasileira comemorou efusivamente em Copenhague, na Dinamarca, quando o então presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Jacques Rogge, anunciou o Rio como sede da Olimpíada de 2016.

Para o economista norte-americano Andrew Zimbalist, 67, não havia o que celebrar.

Em seu livro "Circus Maximus", lançado no início deste ano nos EUA e bem recebido pela imprensa do país, o autor argumenta que, de modo geral, sediar grandes eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, não se justifica do ponto de vista financeiro.

Para o professor especialista em economia do esporte da Smith College, em Northampton, no Massachusetts, os projetos para os eventos estão cada vez mais mirabolantes e, portanto, caros. Além disso, diz ele, esses mega-acontecimentos não deixam como legado o crescimento econômico prometido.

Zimbalist aponta os Jogos de Londres, em 2012, como exemplo. "Durante a Olimpíada, o turismo caiu 5%. Alguns dos argumentos que usaram para sediar o evento, como aumento do comércio com outros países, não se tornaram realidade", afirma o autor de "Circus Maximus", que ainda não tem previsão de lançamento no Brasil.

À Folha, ele diz que faltou sensatez ao projeto do Brasil para a Copa e alerta que a organização da Rio-2016 segue a mesma via do desperdício.

A reportagem procurou a Fifa e os organizadores da Rio-2016 para que comentassem as críticas, mas, até o fechamento desta edição, não obteve resposta.

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Folha - O senhor acredita que sediar a Copa ou a Olimpíada não é um bom negócio?
Andrew Zimbalist - Não é. Pode ser um negócio satisfatório para países com infraestrutura desenvolvida. Nesses casos, o investimento a ser feito seria pequeno e haveria chance de obter um efeito modestamente positivo. Mas para os países que precisam fazer muitas obras, não.

A Olimpíada de 2012 não foi boa para o Reino Unido?
Não foi. O orçamento inicial era US$ 6 bilhões (R$ 19,7 bilhões), mas acabaram gastando mais de US$ 18 bilhões (R$ 59 bilhões), sem contar os gastos com infraestrutura.

Adquiriram enorme dívida para sediar os Jogos. Durante a Olimpíada, o turismo caiu 5%. Alguns dos argumentos que usaram para sediar o evento, como aumento do comércio com outros países, não se tornaram realidade.

Isso é uma decorrência do modo como esses eventos são organizados atualmente?
Isso é parte do problema, mas o país-sede tem que ser sensato. O plano que o Brasil fez para a Copa do Mundo não foi sensato. Não faz sentido construir tantos estádios.

Alguns receberam três ou quatro jogos e custaram centenas de milhões de dólares.

Várias cidades-sedes não têm times de primeira linha. E mesmo que tenham, o público médio é de 15 mil pessoas, e não de 40 mil. A arrecadação não paga nem mesmo a manutenção dos estádios, muito menos o investimento inicial para construí-los.

O Brasil vai organizar a Olimpíada em 2016. É possível tornar esse evento lucrativo?
Não. Até agora, parece que o Rio deve gastar quase US$ 20 bilhões (R$ 65,6 bilhões) [o custo estimado em abril de 2014 para a organização dos Jogos é de US$ 16,3 bilhões, pela cotação do dólar na época] para sediar os Jogos, e a cidade já teve uma quantidade grande de propaganda negativa por causa de corrupção, ineficiência, problemas ambientais e remoção de famílias pobres de suas casas. Mesmo que tudo vá bem até o fim, os Jogos não serão positivos para o Rio.

Sediar a Olimpíada não pode ser útil para incentivar o desenvolvimento do esporte brasileiro?
Não acho que esse seja um argumento válido. A Copa deveria representar um momento de mudança no futebol brasileiro, e não foi. Ao menos, não positivamente. Não existe evidência de que as pessoas de países que sediam a Olimpíada comecem a se interessar mais por esportes e a praticar mais.

Quais mudanças deveriam ser feitas para tornar esses eventos mais interessantes para os países?
Em primeiro lugar, deveriam fazer um revezamento entre continentes. Com os continentes sabendo que a cada 24 anos eles receberiam o evento, o nível de disputa entre os candidatos diminuiria. Com menos competição, teríamos candidaturas menos exorbitantes.

Eu incentivaria os continentes a escolher um único local para sediar a Olimpíada. Dessa forma, não seria necessário sempre construir novas instalações. Além disso, acho que as cidades deveriam ser mais cuidadosas com o que elas se comprometem a fazer e com o que elas planejam.

Qual é um exemplo de sucesso na organização dos Jogos?
Uma das experiências de sucesso foi Barcelona, em 1992. E isso não aconteceu por que as competições foram divididas por quatro regiões da cidade -o que o Rio está imitando tolamente, na minha opinião. Foi bem-sucedido porque Barcelona tinha um plano que veio antes da ideia de sediar os Jogos. A Olimpíada se encaixou aí.

Em todos os outros casos que eu conheço, incluindo o do Rio, a Olimpíada e as demandas do COI vieram antes, e os organizadores tiveram que encaixar as ideias que tinham para a cidade no plano do COI. É um desperdício de recursos quando as coisas acontecem dessa forma.

Por que a Fifa decidiu fazer a Copa na Rússia e no Qatar, países que costumam ser questionados sobre direitos humanos?
A Fifa age de acordo com seus próprios interesses. Isso tem a ver com a liderança retrógrada de Joseph Blatter. Eles têm que mudar sua liderança. Tem gente boa na Fifa, mas não está no controle.

O COI também teve líderes ruins. Thomas Bach, o presidente atual, é melhor do que foram Jacques Rogge [presidente entre 2001 e 2013] e Juan Antonio Samaranch [mandatário entre 1980 e 2001].

Parte do problema é essa liderança, mas outra fatia é que essas organizações são monopólios internacionais que têm muito poder, e uma das formas de limitar esse poder é fazer um sistema de rotação de continentes.

João Havelange [presidente da Fifa entre 1974 e 1998] contribuiu para que a Fifa acumulasse tanto poder?
Provavelmente, mas acho que não faz sentido culpar uma pessoa só. É um sistema que, antes de tudo, escolhe essas pessoas para o comando. Em segundo lugar, é uma estrutura de monopólio e privilégios que possibilitam à Fifa fazer o que ela faz hoje.

ECONOMISTA SE OPÕE À OLIMPÍADA EM BOSTON

Andrew Zimbalist é um dos mais ferrenhos críticos à candidatura de Boston para a Olimpíada de 2024. A cidade foi escolhida em 9 de janeiro pelo Comitê Olímpico dos Estados Unidos (USOC) para ser a candidata do país a sede dos Jogos Olímpicos.

No mesmo dia, Zimbalist publicou artigo no jornal "The Wall Street Journal" em que condenava os gastos excessivos que a cidade teria de se comprometer a fazer para vencer as outras concorrentes ao evento.

RAIO-X
ANDREW ZIMBALIST

NASCIMENTO
16.out.1947 (67 anos)

CARGO
Professor de economia do Smith College, em Massachusetts (EUA)

FORMAÇÃO
Bacharelado na Universidade de Wisconsin e mestrado e doutorado na Universidade de Harvard, ambas nos EUA

23
livros publicados


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