Folha de S. Paulo


'Me preocupa a falta de renovação no vôlei', diz Fofão, aos 45 anos

"Não tem festa nenhuma programada. Só tem jogo mesmo. Festa só quando eu completei 30 anos. Os outros anos foram jogando, viajando".

Desculpe estragar a surpresa, Fofão, mas quando você entrar em quadra às 21h desta terça (10), dia do seu aniversário de 45 anos, vai receber homenagens do Osasco, dono da casa, e do Rio, time com o qual é a atual bicampeã da Superliga de vôlei.

"Ganhei mais do que precisava e do que merecia. Hoje só peço saúde", diz a campeã olímpica de 2008 que, em maio, no Mundial de Clubes, na Suíça, vai se aposentar após 30 anos de carreira.

Nesta entrevista à Folha, a levantadora fala das mudanças que viu desde que começou a jogar vôlei aos 15 anos.

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ANIVERSÁRIO
Não tem festa nenhuma programada. Só tem jogo mesmo. Meu pai [Sebastião, já falecido], fez uma festa quando eu completei 30 anos, na chácara em Boituva. Só. Foi bem grande para compensar os anos que não tive nada. Nem aos 15, nem aos 18. É a única que lembro. Os outros anos foram jogando, viajando, às vezes tem uma surpresa dos torcedores.

FAMÍLIA
Pesa não estar sempre com a família. É um tempo que passa, você perde muita coisa. Minha mãe [Eurídes], sempre que dá, está comigo. Agora está comigo no Rio. Ela tem sete filhos [cinco mulheres e dois homens] e seis netos. E o nascimento dos meus sobrinhos vi um só. Eu não tive um contato com minhas irmãs, só à distância. Por isso minha amizade ficou maior com as jogadoras. Dos 15 aos 25 anos não tive a fase de festa, diversão, que todos têm. Mas foi consciente. Eu abri mãos dessas coisas. Meu foco era outro. Valeu a pena fazer esse esforço. Hoje não me arrependo, faria tudo de novo.

PRESENTE
Se eu pedir alguma coisa a mais estou sendo egoísta. Eu ganhei mais do que eu precisava e até do que merecia. A única coisa que peço no meu aniversário é que as pessoas rezem para eu ter saúde, porque para mim, nessa reta final, o mais importante é estar bem fisicamente para conseguir completar meu objetivo. Este é o momento mais delicado, pois acumula todo o desgaste da temporada. É o momento em que fico mais precavida com tudo. Quero saúde para concretizar esse meu finzinho de carreira. Por mais que ninguém acredite, é verdade, aposento no Mundial [de Clubes, de 5 a 10 de maio, na Suíça].

EVOLUÇÃO DO VÔLEI
Passei por todas mudanças possíveis e imagináveis. Outro dia conversando com as meninas sobre como eram as regras, elas não acreditavam. Cheguei a jogar no 4x2 [com duas levantadoras em quadra]. Os jogos duravam quatro horas porque tinha vantagem. A bola era apenas branca. Podia atacar e bloquear o saque. Mudou muito, mas vejo que foi para melhor. Hoje o entendimento do voleibol é mais fácil. É uma adaptação, mas a evolução foi para melhor.

GERAÇÕES
Mudou muito. Peguei uma geração muito boa. As jogadoras eram mais técnicas. As centrais eram passadoras, tinham mais habilidade. Hoje a central não faz fundo de quadra, porque existe a líbero. Isso as deixa mais acomodadas, porque elas não têm tanta dedicação para fazer uma manchete, por exemplo. Não acho legal isso. A qualidade técnica das jogadoras da geração dos anos 1990, quando comecei, era melhor do que a de hoje. Todas faziam tudo muito bem. Caiu um pouco a qualidade das jogadoras.

VAIDADE
A vaidade mudou muito. Hoje elas entram maquiadas para jogar, isso não acontecia. Hoje tem esmalte de tudo quanto é cor. Eu até me policiou porque estou com um esmalte horroroso. É algo que não estou acostumada. A unha era mais curta, os brincos eram menores. Antes a preocupação era jogar. Hoje elas se preocupam mais com a vaidade.

MUSAS
Existe concorrência, é natural da mulher. Ainda mais quando colocam alguém como musa. Aí dá uma confusão que vou te falar... "Ah, a fulana é musa. Mas por que ela é musa? Ela tem a orelha torta." E começam a comparar. Concorrência existe, até mesmo da beleza. Elas estão preocupadas com a vaidade para estar bem entre elas. Não tem jeito. Sempre vai ter uma jogadora que vai chamar a atenção pela beleza. Mas a partir do momento que a pessoa passa a se preocupar mais com a beleza do que em jogar, isso começa a incomodar. Quando comecei também tinha musa, a imprensa cria, todo time tem, mas não pode confundir. É musa mas é jogadora de vôlei.

RESERVA NA SELEÇÃO
Fui de 1991 a 1998. Não me incomodava. Fui ser levantadora com 18 anos, cheguei à seleção com 19. E tinha consciência que tinha muito o que evoluir e aprender. Eu não tinha pressa. Fui aprender com a titular, que era melhor, a Fernanda Venturini. Sete anos como reserva foi muito, mas uns cinco anos eu precisava para crescer. Ao mesmo tempo eu estava me preparando, porque uma hora a chance ia aparecer e eu tinha que estar pronta. Estar com a Fernanda foi um aprendizado. As pessoas acham que temos rivalidade, mas a gente se ajudou muito. E eu estava na cola dela, quando ela deixou a seleção eu estava preparada. Assumi a seleção tranquilamente porque tinha condições.

FUTURO DO BRASIL
Eu vejo o vôlei evoluindo. Na estrutura não tem comparação com o que era antes. Ao mesmo tempo, me preocupa o escândalo [na Confederação Brasileira de Vôlei], prejudica o vôlei, ninguém sai ganhando. Mas vai passar. O que me preocupa mesmo no Brasil é a falta de renovação de jogadoras. Estamos esquecendo do que vai vir. Fiquei muitos anos na seleção com a Fernanda Venturini e nunca tinha uma terceira levantadora. Nós duas paramos e ficou a preocupação. Acontecem as coisas para aí pensarem no que fazer. Tem que ser ao contrário. O Brasil não está ganhando mais nas divisões de base [perdeu os últimos três mundiais sub-20 após conquistar o tetra], isso preocupa muito, porque o Brasil sempre ia bem nos Mundiais. Alguma coisa está errada. Não estamos sendo mais o melhor voleibol do mundo e temos que saber o porquê. Essa geração de 2016 não tem renovação, não existe. Não dá para pensar só depois de 2016, precisa preparar uma geração. E esse processo é um pouco lento no Brasil. É muito difícil não ver jogadoras da seleção juvenil subirem para o adulto. Tá faltando interesse? O que está faltando? Isso me preocupa. Não deixar o voleibol regredir. Chegamos em um ponto que não dá para voltar a perder Sul-Americano para Argentina e Peru [o Brasil perdeu o Sul-Americano sub-18 para o Peru em 2012]. Não dá. Tem que pensar nas potências. O Brasil peca nesse sentido.

DO QUE MAIS VAI SENTIR FALTA
Vou sentir falta do dia a dia, de dar risada, do convívio com as meninas. Sempre gostei de treinar. A maioria gosta de jogar, eu gosto de treinar, porque é onde você cresce, melhora.

DO QUE NÃO VAI SENTIR FALTA
De academia, de musculação. Eu fiz tanto a vida inteira que nem me imagino entrando em uma academia depois de parar de jogar. Só vou fazer os alongamos e ir embora. A parte física é muito puxada, necessária, mas chata de fazer.

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LINHA DO TEMPO - A CARREIRA DE FOFÃO

10.mar.1970
Nasce Hélia Rogério de Souza Pinto, em São Paulo (SP)

1982
Por causa das bochechas, ganha do treinador João Crisóstomo o apelido de Fofão

1985
Começa a jogar pelo Pão de Açúcar, de São Paulo

1991
Estreia pela seleção brasileira no Sul-Americano, no Ibirapuera, em São Paulo, com título e vaga para a Olimpíada de Barcelona-92

1992
Ganha seu primeiro título nacional, pelo São Caetano, quando a competição ainda não se chamava Superliga

1992
Disputa sua primeira Olimpíada em Barcelona e fica em quarto

1994
Em casa, é prata com a seleção brasileira no Campeonato Mundial

1996
Conquista o bronze na Olimpíada de Atlanta

1999
Conquista sua primeira Superliga, pelo São Bernardo

2000
Ganha outro bronze, agora na Olimpíada de Sydney

2002
Ganha novamente a Superliga, desta vez pelo Minas

2004
Quarta colocada na Olimpíada de Atenas, decide deixar a seleção brasileira

2006
Retorna à seleção brasileira e conquista a prata no Mundial do Japão

2008
Conquista a medalha de ouro na Olimpíada de Pequim e, no mesmo ano, despede-se da seleção

2013
É tricampeã da Superliga, no primeiro título pelo Rio

2014
De novo pelo Rio, ganha sua quarta Superliga

2015
Planeja a aposentadoria, aos 45 anos


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