Folha de S. Paulo


Opinião: Torcida única seria como matar o boi para acabar com carrapato

É isso futebol com torcida única ou sem. Qual a eficácia, se 80% dos conflitos são fora dos estádios e em dias sem jogos? Fechar os portões não resolve o problema. Ao contrário, espalha as áreas de tensão.

Que tal aplicar a lei e punir essas minorias, que se misturam para confundir? Que façam isso dá para entender, já que se ocultar é manobra da delinquência. Lamentável é autoridade confundir a parte violenta com o todo.

Torcidas organizadas no Brasil são mais de 2 milhões de pessoas e os delituosos 6% desse total. A desproporção aponta para a injustiça da medida. Simbolicamente é desastroso, porque demonstra incapacidade e fraqueza.

Em 2012, 2013 e 2014, foram 71 mortes no país, quase 24 por ano e duas por mês, recorde mundial. Em 2014, somente 3% dos delitos criminais no futebol foram punidos. Das nove medidas anunciadas pelo governo federal, depois de Joinville, em 2013, só uma foi implementada. Os 31 detidos estão soltos e dois conseguiram na Justiça autorização para ir aos estádios na Copa do Mundo. É a impunidade, que tem história e é estrutural entre nós. Em 2015 já são três mortes, o que projeta um número único.

Pela enésima vez: temos de ter é um plano nacional, que se renove, face às mudanças do futebol e das torcidas. Que construa parcerias entre diversos organismos.

A situação é complexa e necessita de um plano que atenda a essa complexidade, prioridade de Estado e não só de governo, para reprimir severamente, prevenir inteligentemente e reeducar pedagogicamente.

Decisão da sociedade. Defendemos há anos o disque-denúncia das torcidas, porque reprime, previne e reeduca ao mesmo tempo. Pune diretamente o infrator, evita maiores problemas e aproxima os pacíficos das autoridades.

A Constituição diz que segurança é direito do cidadão, dever do Estado, mas responsabilidade de todos.
Pela importância do futebol, esse plano poderia ajudar outros eventos de massa. Que as autoridades públicas e futebolísticas cumpram as suas obrigações e sejam públicas mesmo, além de autoridades.

MAURICIO MURAD é sociólogo e professor de pós-graduação da Universo/RJ, autor do livro "Para Entender a Violência no Futebol" (editora Saraiva)


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