Folha de S. Paulo


Queremos criar um fundo nacional de fomento, diz novo ministro do Esporte

Novo ministro do Esporte, o pastor George Hilton (PRB-MG), 43, assumiu o cargo no início do ano sob bastante desconfiança. Desconhecido na seara esportiva, substituiu Aldo Rebelo (PCdoB) em meio à preparação para os Jogos do Rio-2016.

Duas semanas após a posse, Hilton parece disposto a mostrar serviço. Enquanto ainda patina no domínio do assunto, manteve secretários da gestão de Rebelo para dar continuidade ao projeto que era tocado e agora começa a propor algumas iniciativas para chamar de suas. Entre elas, está a criação de um fundo nacional para que não haja dependência às gangorras partidárias.

Em entrevista concedida à Folha nesta segunda-feira (19) em seu gabinete, ele contou que planeja ampliar a prática do esporte pelo país, sobretudo com cunho mais social. Cruzeirense, ele também planeja receber o Bom Senso FC em breve para discutir ações para o futebol.

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Folha - O Aldo Rebelo é palmeirense fanático, e o senhor é cruzeirense. Gosta de futebol?
George Hilton - Gosto de futebol, sou cruzeirense, frequento o Mineirão, estou vibrando com mais um título mas sofrendo com aquele 7 a 1 que, infelizmente, foi na nossa casa.

O 7 a 1 não deve sair da cabeça dos brasileiros tão cedo. O que o senhor achou da escolha do Dunga como técnico da seleção e o Neymar como capitão do time?
Gosto do perfil do Dunga. Acho ele muito centrado, uma pessoa de personalidade. A gente sabe que ele tem condições. O Neymar é nossa grande promessa. O Brasil é um celeiro de craques aí que estão surgindo. Inclusive uma das políticas que queremos é de promover a base, descobrir esses novos craques. O Brasil é pentacampeão do mundo, nenhum outro país tem isso. Vejo o futebol brasileiro como um que gera grande espetáculo. Temos muito o que comemorar com o futebol. Minha visão sempre é a de otimismo.

Eduardo Anizelli/Folhapress
O novo ministro do Esporte George Hilton (esq.) ao lado de Aldo Rebelo
O novo ministro do Esporte George Hilton (esq.) ao lado de Aldo Rebelo

Havia expectativa de que a presidente aprovasse a questão do refinanciamento da dívida dos clubes de futebol, que supera a casa dos bilhões de reais. Qual é a sua posição?
Nós fizemos o encaminhamento de uma nota técnica mostrando que somos favoráveis à renegociação das dívidas. Entretanto, defendemos que haja contrapartidas do lado dos clubes, como fair play trabalhista. A gente entende que os clubes enfrentam dificuldades financeiras, mas a boa gestão sempre é importante. A boa gestão sempre leva à manutenção desses apoios que fazem parte da nossa política. Queremos apoiar, entendemos que os clubes precisam dessa repactuação, mas é preciso haver critérios definidos e contrapartidas claras.

Perdoar dívidas está fora de cogitação?
Não dá, é pedir demais. Não se fala em perdão de dívidas. Não é anistia. Nós defendemos a repactuação, mas o ministério vai manter ainda uma política de boa relação com essas entidades. Só que defendendo de forma clara que haja critérios específicos de contrapartida.

Como o senhor vislumbra uma relação com a CBF?
Uma relação institucional, como a que temos com o COB [Comitê Olímpico do Brasil] e outras confederações. Simples, de maneira respeitosa e objetivando sempre o espetáculo do futebol.

Ficou notória a frase do senhor "não entendo profundamente de esporte, mas entendo de gente". Qual será a proposta de seu mandato? O que pretende implementar?
O Brasil definitivamente entrou para o ciclo dos megaeventos esportivos mundiais. Isso vai gerar um legado importante. A Copa do Mundo nos deixou um legado importante, e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos também deixarão. Quando digo que entendo de gente é porque percorri esse Brasil inteiro e vi que esse país que adquire excelência na prática esportiva precisa levar isso também para seus quatro cantos, sobretudo no esporte de base. Tiramos lições importantes da Copa do Mundo, conseguimos demonstrar excelência na organização e no recebimento dos atletas, cumprimos os cronogramas de obras de obras estruturantes, que estão aí até agora. A sociedade foi beneficiada. Mas existe outro legado maior, que é o de que a prática esportiva seja mais do que um direito dos brasileiros, que tenham acesso a ela. Esse é o grande salto que queremos dar em nossa gestão.

Poderia ser mais específico?
Queremos criar um sistema nacional de esporte, no qual através do Congresso Nacional haja uma lei de diretrizes e bases para definir como será essa relação, quem serão os gestores, aqueles que serão contemplados e de que forma vamos democratizar essa prática esportiva. A partir desse arcabouço legal, desse marco que vai regular, vamos pegar todo o legado da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos e fazer desse um país com uma prática esportiva muito clara e cidadã. Não só preparando atletas, mas também no caráter dos cidadãos. O esporte disciplina, educa e torna a vida social muito mais harmônica. Ele é um instrumento de contenção da violência, faz com que o jovem se aplique ao estudo e aos treinos.

Mas quais são os planos concretos para fazer isso?
Estamos elaborando esta lei de diretrizes e bases que será apresentada ao Congresso. Trabalhamos a ideia da criação de um fundo nacional de apoio ao esporte social, para que juntamente com Estados e municípios tenhamos fundos setoriais que vão permitir transferências diretas, não sofrendo nenhum tipo de óbice, que é o que acontece hoje às vezes com o sistema de convênios. Nós entendemos ser fundamental a criação de um sistema claro que defina quais são as obrigações da União, Estados, municípios, e a partir da criação deste fundo nacional poderemos profissionalizar a política esportiva. Criaremos critérios mais austeros e transparentes para colocar o país como uma potência do esporte, a exemplo de outras nações que já tiraram dividendos de Olimpíada e Copa do Mundo. A hora é essa. Esse é o timing de termos uma revolução no nosso esporte.

O senhor poderia explicar como funciona exatamente este fundo?
É um fundo de fomento ao esporte, calcado nas prioridades do sistema. A grande vantagem é que o sistema e o fundo dão seguranças de que a política do esporte é contínua, perene e terá seu financiamento garantido. Pode ser verba da União, de loteria [a ser instituída], de doação. É algo inédito e revolucionário. Primeiro, porque em um país como o nosso há eleições a cada dois anos, e muitos programas ficam comprometidos devido a questões que envolvem disputas políticas. Às vezes tem um prefeito que entra e não quer continuar um projeto porque foi um rival que começou. O fundo corrige isso. Um prefeito precisa ser um bom gestor, e se ele não foi um bom gestor vai deixar de ter esse recurso por causa disso, mas não por interferência política e partidária. É uma agenda positiva para o esporte, requer sobretudo ampla discussão. Nosso conselho nacional vai debater isso, ou seja, não é algo tomado de supetão. Nós temos o Congresso Nacional que queremos ouvir, e na elaboração desse sistema nacional a gente efetivamente está defendendo o legado da Copa e da Olimpíada.

Para quando sai este fundo?
Nós teremos já nos próximos meses a proposta pronta para submeter ao conselho nacional, e uma vez aprovado vamos submeter ao Congresso Nacional. Este primeiro semestre vai ser intenso. Queremos antes da Olimpíada. O interessante é ver que o momento político demanda essa articulação. E eu sou essa pessoa para articular, para dialogar com governadores.

Como reagiu à desconfiança geral com que foi recebido?
O esporte é instigante. Temos milhões de técnicos e treinadores. O brasileiro tem por natureza ser um crítico em tudo o que envolve o esporte. Mas a crítica, para mim, sempre foi um estímulo. Eu gosto de desafios e a vida é feita deles. Este é um importante, porque não é o desafio do George Hilton, ministro. Mas, sim, a política de um governo que investiu e tem investido. Nunca houve tanto aporte de recurso para o alto rendimento.Sou feliz por saber que seremos os protagonistas para que tenhamos um país que será uma potência esportiva. Este é o objetivo. Transformar o Brasil em uma potência esportiva de forma sustentável.

Qual é a prioridade de seu mandato? Olimpíada ou esporte social?
Os dois se confundem. O projeto de transformar o Brasil em uma potência é resultado de um trabalho sério para que as Olimpíada sejam um sucesso, e elas serão. A consequência de um evento mundial como esse é que vai nos impulsionar a fazer uma caminhada pelo país para que a gente estabeleça esse novo modelo.

Ainda assim, a um ano e meio da Olimpíada, como fazer para provar a todos que sua chegada representa um ponto positivo e não um retrocesso ao que já estava desenhado no Ministério do Esporte?
Fizemos uma Copa maravilhosa. Tivemos a todo tempo a população cobrando e exigindo. Isso, para mim, também é democracia. Quando o povo cobra, quando a sociedade cobra, fortalece a democracia. As obras da Olimpíada serão entregues dentro do cronograma. Eu, ministro George Hilton, estou empenhado com toda minha equipe para entregar tudo. No dia 28 de janeiro, teremos a atualização da matriz de responsabilidades. Há muita concentração e foco. Pode ter certeza que as Olimpíadas de 2016 serão um grande sucesso.

Quando o senhor soube que seria ministro, queria manter nomes da gestão de Aldo Rebelo ou trazer uma equipe sua?
Essa foi a característica que levou a presidente a minha indicação. Um perfil sempre de convergência e articulação, de mostrar que sempre que se chega a um time que está ganhando não se tem que mexer. Em time que se ganha não mexe.

O senhor fala em transformar o país em uma potência esportiva. Mas como obter isso se, de acordo com dados do censo escolar de 2012, apenas 30% das escolas da rede pública do Ensino Fundamental têm professores de educação física?
O programa Segundo Tempo resgatou a altivez dos professores de educação física. Isso resgatou a altivez deles. Nossa meta é ampliar o Segundo Tempo e promover um chamamento dos profissionais de educação física, para ajudar a reforçar nosso entendimento de que a criança tem de estudar, mas também praticar atividade física.

Em quase nenhuma capital o Esporte recebe mais de 1% do orçamento? Ele ainda é tratado como nanico no Brasil.
É justamente por isso que precisamos ter um sistema nacional muito bem trabalhado dentro de um arcabouço jurídico. A partir de uma lei de diretrizes e bases para o esporte é possível solicitar ao Congresso Nacional que destine parte maior do PIB para o esporte. Há 12 anos, nem havia o Ministério do Esporte. Além de sediarmos megaeventos, nós temos uma pasta exclusiva trabalhando e pensando o esporte como uma política social importante. E vamos avançar. Vamos ter todo este trabalho de planejamento e um modelo de esporte que vai orgulhar a todos nós brasileiros que amamos o futebol e o esporte. Quero ver a prática da educação física em todo o território nacional. Mesmo no lugar mais ermo quero ver a prática esportiva, de educação física, porque acredito que é um direito dos cidadãos.

Se pudesse tomar a decisão na década passada, o senhor gastaria os bilhões que o país tem investido em megaeventos ou no esporte de base?
Foi um bom investimento. Imagine que a Copa do Mundo atraiu muitos eventos internacional e impulsionou o turismo. Tenho números de que em Belo Horizonte houve crescimento no mercado imobiliário devido às visitas. São empregos gerados, oportunidades de negócio. Acredito, sim, que o legado dos Jogos Olímpicos vai trazer grandes oportunidades no campo da economia.

O general Fernando de Azevedo e Silva deixará o comando da Autoridade Pública Olímpica. Além disso, o senhor acabou de entrar no Ministério do Esporte. Mudanças assim não demonstram fragilidade na condução olímpica?
O sucesso que vem sendo empreendido pela gestão colocada é fruto de um planejamento de muitos anos. Nós entendemos que nada afetará, pelo contrário. A decisão da presidente Dilma será sempre bem recebida, porque ela sempre governou para que a gente possa fazer um trabalho de equipe. Ele é a marca dos bons resultados. Em Londres-2012, houve troca da ministra dos Jogos Olímpicos cerca de dois anos antes.

A Lei de Incentivo ao Esporte expira em 2015. Você planeja renová-la?
Queremos a prorrogação, sim. Por dois aspectos: o social, porque pôde fomentar equipes que tinham dificuldades enormes. E para trabalharmos essa visão nova de ampliar o esporte pelo país e trazer a iniciativa privada para fazer parte disso. Quanto mais trouxermos a iniciativa privada, mais fará com que tenhamos recursos públicos para fomentar o esporte em todos os níveis.

Várias empresas do setor privado farão um pacto setorial para supervisionar com mais rigor seus patrocínios. O ministério apoia iniciativas assim?
Qualquer movimento que vise à transparência de recursos deve ser apoiado e eu vou apoiar. Uma das primeiras coisas que fiz quando assumi o ministério foi me reunir com a Controladoria-Geral da União, a quem falei que queremos o apoio todos os contratos que firmarmos objetivando Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Queremos ter o processo mais austero possível. Os empresários podem ter certeza de que vou conduzir o processo de forma a dialogar com eles e mostrar que investir no esporte é válido. Isso é cuidar de gente.

O ministério vai se posicionar em relação a casos em que houve irregularidades como o da CBV e o Banco do Brasil ou vai apenas se manter a distância? Vai apertar o cerco?
Esta tem de ser a visão do ministério. Somos agentes fomentadores, mas também queremos transparência e zelo na prestação de contas. Por isso contamos com esses órgãos de controle. O importante é que, ao que parece, as coisas estão se ajustando. Vamos estudar medidas gerais de amplitude maior para todas as confederações esportivas.

Que tipo de medidas?
De auditoria externa, melhor governança, para que não haja parentes dentro da organização ou fornecedores. Essas questões todas que foram apontadas no relatório da CBV.

O ministério e o Comitê Olímpico do Brasil fixaram que o top 10 é a meta do país para a Rio-2016. O Brasil vai continuar competitivo depois disso?
A própria iniciativa da rede nacional de treinamentos pensa nisso. A Olimpíada é no Rio, mas há centros de formação no Nordeste, centro de formação paraolímpica em São Paulo. A parceria com as universidades também é importante. Não queremos fazer separação entre alto rendimento e esporte de base. Um é consequência do bom desempenho do outro. Interessa e o governo vai continuar investindo no alto rendimento por entender que é uma área importante.

Projetos como Plano Brasil Medalhas e Bolsa Atleta serão mantidos?
Quando há um caminho, não há por que mudar de rota. Temos que prosseguir, temos que avançar.

O Bom Senso FC, desde 2013, se reúne querendo melhorias para o futebol. O senhor respalda este movimento?
Vou manter um diálogo permanente, sobretudo com aqueles setores que, quando fazem crítica, o fazem no sentido de melhorar. E o Bom Senso tem nosso respeito, nossa admiração e as portas do ministério estão abertas para que eles possam vir e dialogar. Nós teremos um debate muito amplo para tratarmos esse sistema nacional de esporte. Esse debate não vai ficar restrito às paredes do ministério. Vamos levar isso aos seguimentos que criticam. A crítica tem que ser um direito garantido.

O senhor vai propor uma reunião ou vai esperar a vinda do Bom Senso?
Nós vamos propor uma reunião. As boas ideias serão acatadas.

O PRB assegurou diversos cargos importantes na área de esporte. Isso é parte de um projeto de poder?
É consequência. É natural que quando um partido assume uma pasta da importância do Esporte os governadores dos Estados queiram um alinhamento e os prefeitos, sempre ávidos para ter contato com os ministérios, façam o mesmo. É comum isso. Eu vejo isso como um avanço. O que nós queremos no plano federal queremos também nos Estados. Queremos modelos de resultados. Nosso comportamento será muito republicano. O fato de um Estado ter um governador que não é da base aliada não impediu que os programas fossem executados. Nós teremos um comportamento muito republicano. Agora, onde eu puder trabalhar com companheiros do partido que foram indicados, para mim é motivo de muito orgulho saber que podemos dar nossa contribuição de forma nacional.

O PRB tem uma rivalidade com o PMDB no Rio, sobretudo devido a disputas diretas entre Marcelo Crivella e Eduardo Paes e Luiz Fernando Pezão. Na sexta-feira, Paes fez críticas ao governo federal. Vocês estão em rota de colisão?
A Olimpíada é um evento mundial, que reúne várias nacionalidades. O Brasil é o anfitrião, mas tem que dividir este evento com muitos países. É um evento do Brasil, está acima de qualquer questão local. É uma questão muito grande para a gente se ater a questões assim.

Mas causou estranheza críticas do Paes?
O importante é que nós vamos manter o foco. O governo federal está muito focado.

Reprodução/Facebook/Deputado-George-Hilton
George Hilton, novo ministro do Esporte, em gravação de propaganda eleitoral
George Hilton, novo ministro do Esporte, em gravação de propaganda eleitoral

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