Folha de S. Paulo


Americano ensina futebol em Níger com 'bola indestrutível'

Fabio Braga - 29.dez.2014/Folhapress
Mike Mitchell posa com a bola azul, enviada para ajudar o futebol de Níger, na África
Mike Mitchell posa com a bola azul, enviada para ajudar o futebol de Níger, na África

Foi no início da década de 1980 que o norte-americano Mike Mitchell viajou a Níger pela primeira vez. Viu tanta pobreza no país africano, 187º no índice de desenvolvimento humano da ONU, que decidiu iniciar um projeto na região: ensinar futebol.

Não parou mais. Mitchell, 57, mora em Campinas (83 km de São Paulo) e realiza excursões periódicas à nação em que cerca de 80% do território é ocupado pelo deserto. O sonho é fazer com que Níger chegue à Copa do Mundo.

"Percebi que eles se sentiam livres jogando futebol. Estávamos em uma das maiores secas da história mas, quando viram a bola, esqueceram de tudo", disse à Folha o ex-atleta amador.

Nos últimos 35 anos, ele tem trabalhado por esse objetivo. Passa o tempo livre reunindo bolas de futebol e montando um método de treinamento que já começou a implantar em Níger.

Há cenas que estão na cabeça do norte-americano. Histórias que conta em português fluente, adquirido em 20 anos morando no Brasil.

Ao organizar um torneio no país, em 1983, surpreendeu-se com a visita de Seyni Kountché, então presidente do conselho militar que governava o país. "Ele veio me parabenizar pelo trabalho".

Há outras lembranças que prefere esquecer, como a imagem de um bebê morrendo em seus braços, desnutrido.

O entusiasmo atual é porque ele conseguiu, enfim, resolver um dos grandes empecilhos ao desenvolvimento do futebol na região: a bola.

Entre 1990 e 2008, ele calcula ter levado três mil bolas para Níger. Meses depois, estavam todas estragadas. Não duravam, castigadas pelos campos esburacados.

A sorte ajudou. Em 2010, nascia a One World Football Project. Em parte financiada pelo cantor Sting, a ONG desenvolveu uma bola que não amassa, não rasga, não pode ser furada e tem vida útil de até 50 anos.

No dia da abertura da Copa do Mundo de 2014 (12 de junho), um carregamento de 11,7 mil bolas chegou a Níger.

"Quando eu vou lá, encontro pessoas que se lembram de mim pela primeira vez que estive no país. É gente muito pobre, isolada e que nunca teve chance", ressalta.

Pelo método de Mitchell, a bola é acessório para uma revolução mental nos jogadores. "A primeira coisa é aprender a respirar", ensina o treinador. "Isso ajuda a controlar a ansiedade. Depois, precisam ganhar confiança."

O país não se classificou para a Copa Africana de Nações, que começou no sábado (17), na Guiné Equatorial. Os feitos de Níger no esporte ainda são raros. Em 2011, derrotou o Egito por 1 a 0 nas eliminatórias do torneio africano. "Falam disso até hoje."

Atualmente, 100 mil crianças praticam futebol por dia em Níger, segundo Mitchell.

Ele ele pensa agora em voltar com novo carregamento de bolas. Desta vez, levando também na bagagem o filho de 13 anos.


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