Folha de S. Paulo


Bicampeão mundial sem um rim 'convida' Pelé para a seleção de canoagem

Quando saiu do hospital, na semana passada, Pelé disse que deseja participar dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016. A brincadeira do Rei do Futebol foi retribuída com um convite de outro brasileiro campeão mundial e, curiosamente, também sem um rim.

O baiano Isaquias Queiroz, 20, bicampeão mundial de canoagem velocidade (2013 e 2014), também teve um dos rins retirados, há cerca de dez anos, devido a uma queda sobre uma pedra e consequentes lesões internas. Já Pelé ficou sem o órgão nos anos 1970, no fim da carreira como jogador.

"Eu vi as notícias dizendo que ele estava no hospital por causa do rim [fez hemodiálise]. Agora somos parceiros de rim, um só, vou trazê-lo para remar junto comigo aqui na seleção", brincou o canoísta que não tem privações físicas mas precisa cuidar mais da saúde devido à antiga cirurgia.

"Tenho que tomar muita água. Às vezes sinto dores no treinamento, na barriga. Não é muito incômoda, não. Mas preciso tomar bastante água e descansar. Não posso tomar muito Gatorade também. Comida não muda, como mais bagaceira do que eles", conta.

Isaquias é o principal nome da seleção brasileira que treina, desde outubro, em Lagoa Santa, cidadezinha de menos de 60 mil habitantes na região metropolitana de Belo Horiznonte.

Ele é favorito a uma medalha nos Jogos Olímpicos de 2016, aqueles nos quais o mineiro Pelé deseja participar.

Ao lado do bicampeão mundial no C1 500 (canoa para um atleta na distância de 500 metros, prova que não é olímpica) treinam os canoístas Erlon Silva e Ronilson Oliveira (dupla nos 1.000 m) e Nivalter Santos (dos 200 m), todos também com chances de medalha na Rio-2016.

Isaquias coleciona, além dos títulos nos 500 m, um bronze, em 2013, nos 1.000 m (prova que está no programa dos Jogos do Rio). Ele quase foi ouro nesta mesma distância no Mundial da Rússia, neste ano. Caiu a poucos metros da chegada, quando liderava. Foi desclassificado.

Para manter Isaquias e os outros atletas com chance de pódio em 2016, o técnico espanhol Jesús Morlán escolheu levá-los para treinar em Lagoa Santa até os Jogos do Rio. Antes, o treinador que está no Brasil há um ano e oito meses, comandou a seleção na raia da USP e na represa de Guarapiranga, na capital paulista.

"A gente morava no centro do furacão, era uma bagunça arretada o trânsito. Aqui tá de boa, tudo perto. Tem mais tempo de treinamento", diz Isaquias, que deixou três irmãos e uma irmã em São Paulo, além da mãe e da namorada em Ubaitaba, na Bahia.

Ele e os outros atletas da seleção de canoagem velocidade vão cumprir ciclos treinamento de oito semanas na cidadezinha mineira antes de cada folga para irem para casa. Eles moram juntos, em uma casa de dois andares, com piscina, cada um em um quarto, e têm o domingo inteiro livre. No restante do tempo, treino e descanso. Já o técnico costuma passar o tempo todo trabalhando, sem folga.

"Eu acho que ele vai ficar louco naquele quarto [onde montou seu escritório]. Ele fica o dia todo fazendo cálculo. Passa o final de semana escrevendo. A gente chama ele para sair mas ele fica, eu não conseguiria ficar assim, não", conta Isaquias.

Já Nivalter, 27, e Erlon, 23, têm outros motivos para sentirem saudades da família no isolamento da pacata Lagoa Santa. Os dois estão "grávidos".

Nivalter está com a namorada grávida de sete meses, também em Ubaitaba, conhecida como "cidade das canoas", na Bahia, onde as seleções de base do Brasil treinam. Ele tem outra filha, de 4 anos, mas com uma ex, que mora em São Vicente (SP), onde ele começou na canoagem.

No mesmo município onde fica o rio das Contas, o baiano Erlon vai visitar a mulher grávida de quatro meses neste Natal, depois de quase três meses de treinamento em Lagoa Santa. "Quando saí ela estava grávida de um mês, já bateu a ansiedade para ver a família", afirma o canoísta, que tem uma filha de 12 anos.

Em São Vicente também está a família e a namorada de Ronilson, 24, com quem ele mantém contato pelo celular e via internet. "O foco é no treino aqui. No começo foi adaptação, agora está tudo tranquilo", diz.

"A qualidade de vida que a gente tem aqui é ótima. Tudo é perto. Sem trânsito", completa Nivalter.

"Temos a Bolsa Pódio [do governo federal, de R4 15 mil por mês], uma renda fixa e isso deixa o foco só no treino, só pensamos nisso", conclui Erlon.


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