Folha de S. Paulo


Técnico leva seleção a Lagoa Santa por 1ª medalha olímpica da canoagem

"Vamos treinar em Lagoa Santa com Jesus, vai dar tudo certo". A profecia de Isaquias Queiroz soa apenas como mais uma brincadeira para o espanhol Jesús Morlán.

Para o treinador que transformou o baiano de 20 anos em bicampeão mundial, conquistar a primeira medalha olímpica da canoagem brasileira em 2016 não será um milagre. "É ciência, é biologia, é matemática", afirma.

Aos 48 anos, um ouro e quatro pratas no currículo olímpico, "Suso" –como é chamado pelo quarteto de elite da canoagem de velocidade brasileira– define-se como "obsessivo", "chato pra caramba" e "quase um psicopata" por treinamento.

"Não tem fórmula secreta para medalha. Ganha o melhor, quem trabalha mais, o resto é história da Disney", diz, pilotando uma lancha em Lagoa Santa (MG), para onde levou os pupilos em outubro.

Foi ele quem escolheu a cidadezinha mineira de menos de 60 mil habitantes, a 35 km de Belo Horizonte, para transformar na base de treino.

Eleito melhor treinador de esporte individual do Brasil em 2014, prêmio a ser entregue pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) na noite desta terça (16), Jesús buscava o isolamento após passar cerca de um ano e oito meses comandando Isaquias Queiroz, 20, Nivalter Santos, 27, Ronilson Oliveira, 24, e Erlon Silva, 23, em São Paulo.

'CIENTISTA'

Nascido na cidade espanhola de Pontevedra, de 80 mil habitantes, casado com a colombiana Tânia e pai de Sofia, de 3 anos (ambas moram na Colômbia), Jesús exige de si mesmo o comprometimento que cobra dos atletas.

"Não dá para trabalhar e ter família", diz o técnico que verá mulher e filha no Natal, após três meses de distância. Elas nunca visitaram o Brasil. Ele planeja levá-las ao Rio e a Lagoa Santa na primeira folga de 2015: o Carnaval.

O espanhol que se graduou para ser professor de ciências trabalha sempre com metas, impressas em planilhas.

Na temporada que começou em outubro e vai até o Mundial de Milão, em agosto de 2015, ele sabe que são 46 semanas, mais de 4 mil km para cada canoísta na água. No total, 3 mil horas de treino na canoa até a Rio-2016.

"Não tem como escapar", explica o treinador ao distribuir GPS de pulso que mede velocidade, tempo e distância percorrida pelos atletas.

Na casa de dois andares, com piscina, que o COB aluga em Lagoa Santa, cada um tem seu quarto. No do treinador, bandeira do Brasil pregada na entrada, lençol da Vila Olímpica de Londres-2012 na cama e um escritório. Ali, ele diz que imprimiu 8.500 páginas em um ano, com todo o treinamento dos atletas, hoje separados em fichários.

"Aqui está todo o método, vou compartilhar. Vai tudo para a biblioteca do COB."

Além de salvar no computador pessoal, depois imprimir, o espanhol repete tudo com caneta em folhas para não perder informações.

O controle remoto do portão da casa também fica com ele. "Sempre sei onde meu time está", diz o contratado do COB até os Jogos do Rio.

"Não prometo medalhas. Se ganharmos uma, fico até 2020. Se ficar em quarto, não faz sentido continuar", avisa.

Jesús sabe que os atletas demoraram a compreender suas instruções em portunhol. "Não faziam nada certo. Isaquias chorava. Quando ele ganhou o Mundial, repeti o que ele dizia: 'Não quer mais, não quer mais?'"

Hoje, até Zeca Pagodinho ele cita: "Ficar por fazer é deixar o pior acontecer. (...) Por que não? Você pode, sim".

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
O técnico espanhol Jesús Morlán rema para buscar lancha em Lagoa Santa
O técnico espanhol Jesús Morlán rema para buscar lancha em Lagoa Santa

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