Folha de S. Paulo


Vexame histórico na Copa mostrou que o Brasil não ensina mais futebol

Editoria de Arte/Folhapress

O primeiro gol da Alemanha no 7 a 1 da semifinal da Copa, de Müller, nasceu de um escanteio que cruzou toda a grande área sem que nenhum zagueiro da seleção cortasse de cabeça. No segundo, Klose finalizou frente a frente com Júlio César, e não havia pé brasileiro para afastar o perigo –o próprio Klose aproveitou o rebote.

No maior vexame da história da seleção, o Brasil mostrou como seu futebol atual não tem pé nem cabeça. "Nós não sabemos mais quem somos nem como é nosso estilo", diz o técnico do Flamengo, Vanderlei Luxemburgo.

Ele se refere ao velho jeito de jogar do país do futebol, com troca de passes, cadência, drible, tabela... Lembre-se de Guardiola depois de o Barcelona golear o Santos por 4 a 0 no Mundial de Clubes de 2011: "O Barça faz o que o Brasil fazia no passado."

Todos os diagnósticos depois da Copa apontam para erros na formação de jogadores e técnicos, influência de empresários nas divisões de base e falta de cursos. Dunga voltou ao lugar de Felipão apenas 14 dias após o 7 a 1. O país do futebol não conversou nem discutiu ou debateu.

Em 20 de novembro de 1985, a Holanda foi desclassificada pela Bélgica nas eliminatórias para a Copa-1986. Em 16 de dezembro, o coordenador de seleções Rinus Michels convocou um debate entre treinadores. Ao saber que havia convergência de ideias, Johan Cruyff, maior do futebol holandês, reagiu e provocou um intenso estudo sobre os erros. Três anos depois, a Holanda foi campeã europeia.

"O maior problema dos jogadores no Brasil é a falta de educação tática", diz o treinador do Shakhtar Donetsk, Mircea Lucescu. Nos últimos dez anos, o romeno foi o treinador europeu que mais contratou brasileiros –o time ucraniano tem 13. Ele não desiste, mas avisa: "Quando chegam, precisam de um ano de adaptação para entender o jogo. A habilidade continua igual, mas falta entendimento sobre como funcionam jogo e equipe", diz Lucescu.

"Aqui todo mundo sabe jogar. Falta unir isso à organização de time", diz Kaká.

O são-paulino, de malas prontas para o futebol dos EUA, não admite ter se assustado com o que encontrou no retorno ao Brasil, depois de 11 anos na Europa. Alex, ex-Coritiba, sim. À Folha, no último sábado (6), afirmou ter notado a diminuição da capacidade técnica. "Não sei se é porque estamos perdendo jovens talentosos em escala diferente dos anos 90."

Antes do acerto com o Barcelona, em maio de 2013, Ronaldo Fenômeno e Carlos Alberto Parreira defendiam que Neymar tinha de trocar o Santos pela Europa para evoluir. Quanto mais cedo o jogador sai, menos tempo trabalha com as características históricas do futebol daqui. Mas quanto mais tarde vai, menos convive com sistemas de treinamento mais modernos.

Os treinadores rejeitam a ideia de estarem superados. Muricy Ramalho, do São Paulo, e Abel Braga, do Inter, já admitiram o incômodo com essa percepção. Mas os técnicos daqui não sentam em bancos de universidade.

"Em 1989, fui um dos que começaram a desenvolver trabalhos acadêmicos em Portugal. Isso ajudou o futebol do país, que sempre se classifica para Eurocopa e Mundial desde 2000. Técnicos portugueses passaram a ter mercado", diz Jesualdo Ferreira, tricampeão português pelo Porto entre 2007 e 2009.

Aqui impera o improviso. "Eu monto meus treinos. Busco sozinho livros e vídeos na internet", diz Cristóvão Borges, do Fluminense.

O esforço é individual. "Isso é muito importante, mas é difícil trabalhar com as condições que temos aqui, sem tempo para treinar", diz Alexandre Gallo, coordenador das seleções de base da CBF.

Há três anos, o técnico luso-canadense Marc Santos trocou a base do Palmeiras pelo Desportivo Brasil e, em seguida, pelo futebol do Canadá. Deixou o país lamentando a pouca abertura para estrangeiros. Amigo de André Villas-Boas, com quem trabalhou, Marc foi questionado se é verdade que o técnico português do Zenit julga que tudo no Brasil está ruim.

"Não! Pensamos que há muito desperdício. Na Europa, as equipes são mais estruturadas, têm conjunto, o que protege os jogadores médios. Lá os médios parecem bons. No Brasil, com times menos compactos, parecem ruins."


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