Folha de S. Paulo


Sentimos falta de grandes estrelas na seleção brasileira, diz Ronaldo

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"Seja o que Deus quiser."

Craque da conquista da última Copa pelo Brasil, em 2002, Ronaldo Luís Nazário de Lima, 38, usa o bordão para demonstrar sua preocupação com o atual momento da seleção e o futuro dela.

Autor de 15 gols em Mundiais, o que lhe dá o posto de segundo maior artilheiro da história das Copas (só perde para o alemão Klose), Ronaldo diz que faltam grandes talentos em campo e critica a ausência de planejamento dos cartolas que comandam o futebol. "O Brasil ficou parado no tempo", afirma.

Em entrevista à Folha durante o BSOP Millions, principal torneio de pôquer da América Latina, do qual é garoto-propaganda, Ronaldo identifica um problema na passagem de bastão na elite dos atletas do país.

Para ele, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Adriano e Robinho não foram capazes de assumir o comando da seleção após a sua aposentadoria, lacuna que teria sobrecarregado a geração de Neymar.

Folha - Você acha que o Dunga foi uma boa escolha para o comando a seleção brasileira?
Ronaldo - Difícil dizer. Eu não estou lá e não fui perguntado sobre a nova gestão. O que tenho a fazer é torcer para a seleção, independentemente de quem esteja. O trauma do 7 a 1 machucou muito os brasileiros. Podemos ver que esse recomeço, após seis jogos [com Dunga], está bom, ok, mas ainda estamos sentidos. Queremos apagar essa memória.
Lá fora, quando me perguntam o que aconteceu, digo que isso não acontece normalmente no futebol. Mas eu tenho uma memória muito melhor, que é a [da final da Copa] de 2002, contra a própria Alemanha. Prefiro ficar com essa memória.

Sente mágoa por não ser chamado para ajudar, já que trouxeram ex-jogadores da seleção como Dunga e Gilmar?
Não tinha expectativa. Zero cobrança para que [a CBF] me consulte em alguma coisa. Não tenho muita relação com o presidente da CBF [José Maria Marin]. Estou assistindo e desejo sorte ao Dunga, à seleção. E seja o que Deus quiser. Acho que Brasil vive um momento difícil em todos os sentidos, e o futebol reflete isso. Em termos administrativos e de talento. Não temos muitos grandes jogadores. Vivemos na esperança do Neymar, que é excelente, o melhor do país, mas em outras épocas sempre tínhamos muitos outros para contar como referência da seleção brasileira.

O que gerou essa deficiência? É um vácuo de geração?
Tivemos uma entressafra bem prejudicada. Da minha geração para a seguinte, havia nomes que seriam os líderes da seleção: Adriano, Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Robinho, todos consagrados, que assumiriam com autoridade o comando. Por vários motivos, muitos deles não conseguiram se firmar em seus clubes ou tiveram problemas de transferência. Essa galera que eu citei não continuou, não fez a passagem da minha geração para a seguinte. Praticamente pulamos essa geração e agora vêm atletas novos.

Mas temos bons jogadores jovens. Logicamente, o Neymar chama toda a atenção pelo que faz no campo. Mas sentimos falta, sim, de grandes estrelas na seleção.

Neymar está no mesmo nível de Messi e Cristiano Ronaldo?
Está muito perto. É questão de tempo para o Neymar assumir o lugar dele como o melhor do mundo. Cristiano Ronaldo e Messi são os melhores nesse momento, mas o Neymar tem evoluído muito. A saída para a Europa fez muito bem a ele. Hoje, é um ídolo mundial.

Em 2012, quando o Marin assumiu a CBF, você disse à Folha que o futebol brasileiro estava "bem encaminhado". Ainda pensa assim?
Mas eu falei isso aí, que estava encaminhado?

Sim, falou.
Eu não me lembro de ter falado isso, não. Mas olho assim: fiquei quase 20 anos na seleção e acompanhei a evolução do futebol brasileiro nesse período. Coincidentemente, era o Ricardo Teixeira no comando.

Ele, apesar de tudo o que aconteceu depois, fez muita coisa pelo futebol brasileiro. O futebol brasileiro era respeitado e organizado.

Hoje, temos muitas dúvidas, muitas perguntas, muitas incertezas em relação ao nosso futebol. Eu acho que o futebol brasileiro reflete o momento do nosso país.

Discutiu-se se a seleção deveria ou não ter um técnico estrangeiro. O que acha?
Eu sou a favor de termos sempre os melhores. Se percebermos que não temos o melhor treinador, é preciso ter humildade de consultar, pelo menos, outros mercados. Todas as outras seleções evoluíram em seu jogo e em sua técnica, e o Brasil ficou parado no tempo, sempre aguardando as estrelas decidirem os jogos. Mas, para ter um sucesso maior, é preciso ser um trabalho muito mais bem planejado.

Adriano Vizoni/Folhapress
Ronaldo, em São Paulo, emuma foto tirada com múltipla exposição
Ronaldo, em São Paulo, emuma foto tirada com múltipla exposição

Você sempre foi um astro como jogador. Hoje, quer ter um papel de protagonista em seus projetos ou na política?
Eu ainda estou planejando meu próximo ano. Não tenho ainda nenhuma aspiração política. Meu apoio foi realmente incondicional ao Aécio [Neves], independentemente do que ele me ofereceria depois porque é um cara que conheço há muitos anos. Confio nele.

Os boatos de que eu poderia assumir o Ministério do Esporte me deixaram orgulhoso porque sei que não sou um grande entendedor da gestão pública. No entanto, há vontade de fazer coisas para o bem e multiplicar esse bem para milhares de pessoas, isso eu acho que minha índole permitiria. Seria um grande sucesso.

Você vai fazer oposição à Dilma nestes próximos anos?
Não, o Aécio tem feito esse trabalho. Continuo com ele. E desejo sorte ao governo que venceu, sem nenhum rancor. Todos nós queremos um Brasil melhor, independentemente das posições políticas. Enquanto cidadão, quero um Brasil melhor do que ele é.

Você está em São Para para abrir um torneio de pôquer. Como era nas concentrações no Corinthians?
A gente jogava, sim. Tinha uma galera que jogava, uns dez. Era um torneiozinho a cada concentração, era bacana. Comecei a jogar na Inter de Milão, na concentração. Não tinha nada para fazer, juntávamos uns jogadores e fazíamos um torneio. No Corinthians, o bicho pegava.

RAIO-X

IDADE

38 anos

PRINCIPAIS FEITOS

Campeão das Copas do Mundo de 1994 e de 2002, eleito três vezes melhor jogador do Mundo pela Fifa (1996, 1997 e 2002) e segundo maior artilheiro da história das Copas, com 15 gols marcados

OCUPAÇÃO

É sócio da 9ine, agência de publicidade da qual Anderson Silva e Neymar são clientes


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